“Esperamos do Estado que haja leis”
ARTES PLÁSTICAS. Há cerca de quatro meses que está reformado das funções administrativas e sente-se uma referência nacional nas artes. Lamenta que seja pouco valorizado e que haja pouco interesse cultural em Angola. Sugere uma lei que obrigue os edifícios novos a terem uma obra de arte nacional.
Sente-se uma referência nas artes?
Modéstia à parte, somos referências, somos uma moldura humana que faz parte dos pilares das artes plásticas angolanas e, nesta condição, devíamos, absoluta e não relativa, ter condições e tratamento no país, como artistas.
O que almejaria receber para ser mais valorizado?
Em qualquer parte do mundo, nos países que dão valor, os artistas vivem da cultura e das artes. Os direitos autorais não são pagos. É o artista poder viver com dignidade como em qualquer parte do mundo.
De que depende para que o artista viva somente da sua arte? Tem que ver com o Estado ou o mercado não está preparado?
Todos os factores conjugados dão na miséria do artista. A falta de incentivo, de espaços de trabalho condigno, escolaridade, mercado, sensibilidade e oportunidade. É uma ‘salada’ onde cabem todas as dificuldades que o artista enfrenta.
Há muita insatisfação no meio artístico?
De uma maneira geral, sim! Sou professor e tenho uma característica pedagógica naquilo que afirmo. Não só quero mostrar as coisas más, mas também aponto soluções. Se, por acaso, tivermos um maior cuidado e atenção do Estado, há soluções: haver espaços culturais onde se possa apresentar trabalhos e de lá sair o pão. Tem de haver mercado e pessoas que compram. Pode-se fazer isso através de uma lei própria, que seja uma obrigação, que todos os edifícios, que estejam a ser construídos tenham obras de artistas nacionais. São poucas as instituições que o fazem. Apenas a Sonangol comprou obras de quase todos os artistas quando inaugurou o edifício da Mutamba. Ganhámos muito bem e foram muitos artistas que conseguiram vender. Tudo quanto esperamos do Estado é que haja uma lei. Fala-se muito da Lei do Mecenato, mas não se faz cumprir.
De que forma os média podem intervir?
Tem de haver seriedade, críticos de artes e esse é um grande défice. Cada um faz a sua coisa, lança no mercado e quem faz o papel de crítico paradoxalmente, muitas vezes, são os média. As artes não são para qualquer um. Não cabe à comunicação social dizer quem está a ‘bater’ ou não. ‘Bater’ é populista. Do ponto de vista técnico, académico, pedagógico, há normas que devem ser respeitadas.
Que avaliação faz das artes?
Divido em duas etapas. A 1.ª é a do período pós-independência, em que trabalhávamos por amor à camisola, mas faziam-se obras de muita qualidade. Obviamente que evoluímos, porque as infra-estruturas estão melhores, mas ainda há um grande défice e os materiais têm de vir de fora. Lamentavelmente, não estamos no circuito internacional de artes. Andamos à margem das leis internacionais. Vai levar ainda muito tempo para nos construímos, mas é preciso que se ganhe consciência.
A gravura é a disciplina com menor destaque comercial?
A gravura tinha pouco incentivo. Por isso é que todos os estudantes abandonavam essa disciplina para pintura e escultura. A feitura da gravura é um processo muito difícil. A criação dos institutos médios e superiores de artes representa uma vitória para os artistas de artes plásticas. Já há a disciplina de gravura como especialização. Outro grande prémio é o Ensa’Arte é apostar na gravura.
Como está o projecto de abertura da oficina de gravura?
Leccionei durante dois anos no ‘atelier’ da UNAP a custo zero. A oficina estava a trabalhar, mas infelizmente fazem daquilo armazém. Não há sensibilidade! Tira-se a possibilidade de muitos jovens se formarem em gravura. Era uma bandeira para a própria UNAP que anda na letargia, porque pouco ou nada apresenta. A oficina da UNAP é histórica, foi fundada em 1978, no primeiro curso, por Vitex.
Qual é o maior sonho de artista?
É participar numa bienal de Arte. É o patamar mais elevado que um artista pode atingir. É como um actor chegar ao Óscar.
Vive da arte?
Em Angola, não é possível viver-se da arte, porque não há mercado. Os que dizem que vivem da arte são circunstanciais, porque têm ‘padrinho’ no BPC na Ensa, porque essas empresas compram todas as obras desse artista. Num universo de mil artistas, só três ou cinco vivem da arte.
Já se fala de um museu …
Não há coleccionadores de artes, se há, é um ou outro. O Estado devia ser o maior comprador das obras, para dar sustento aos artistas e para que as obras não se percam no exterior. As obras de grande referência estão no estrangeiro e, um dia, quando quisermos abrir o museu, vamos comprá-las a preços exorbitantes. Lá fora, fazem-se filas enormes para ver obras nos museus e paga-se a entrada. Aqui, mesmo com entradas gratuitas, os museus ficam vazios.
PERFIL
Natural do Bengo, António Feliciano Dias dos Santos, mais conhecido por ‘Kidá’, nasceu em 1961, tem formação em Gravura Artística e é membro da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP). Há cerca de quatro meses que está reformado. Foi director nacional de formação artístico do Ministério da Cultura. Tem obras que serviram de ilustração de capas e interior de livros. Já participou na produção e reprodução de pinturas murais, discos, cartazes e postais e em exposições colectivas, tanto nacionais como estrangeiras. Lecciona, desde 1995, Artes Gráficas: Teoria e Prática de Design e Técnicas de Impressão, inicialmente no Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural (INFAC) e na Escola Nacional de Artes Plásticas (ENAP), em Luanda. Escreve poesia, toca guitarra, compõe e canta.
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