Estado de loucura
Sejamos francos. A forma como determinados intelectuais angolanos se perdem na permanente procura das razões do fracasso angolano é também um sintoma vigoroso da nossa demência colectiva.
Na sua compreensão histórica, e por muito profano que pareça, o falhanço angolano até pode ter raízes na época dos descobrimentos, pelo menos em parte. James Robinson e Daron Acemoglu, ao explicarem a evolução do Norte contra o atraso do Sul, no caso das Américas, recuaram ao século XV para assinalar diferenças críticas na qualidade dos colonos e dos colonizados de um e de outro extremo. Em resumo, o percurso da felicidade de uns e da tragédia de outros, na leitura destes economistas, passou a ser trilhado há mais de cinco séculos. Porque foi nessa altura, como assinalam, que começou a ser esboçado o desenho das instituições que seriam construídas no tempo. Dito isto, é admissível que um estudo rigoroso e profundo sobre as razões do nosso fracasso encontre resquícios de fundamentos que remontam aos primeiros contactos com os portugueses.
Todavia, se esta hipótese é cientificamente tolerável, não é menos verdade que seria esquizofrénico tentar explicar o excessivo atraso de hoje com qualquer circunstância ou fenómeno de há cinco séculos. Assim como se abeiram da loucura as reflexões ‘intelectualizadas’ que, de forma permanente, tentam fabricar motivos que explicam a nossa trágica miséria, como se as razões de fundo não estivessem aos olhos de todos.
Como já dissemos aqui, qualquer um que deixe de lado a cobardia e a irracionalidade do discurso partidário sabe onde está o problema. O problema é a incompetência e o envelhecimento do MPLA. E se dúvidas já não restavam no longevo consulado de José Eduardo dos Santos, o ‘novo projecto de país’ oferecido por João Lourenço deixa tudo mais sublinhado.
A explicação mais consistente da continuidade na aposta do empobrecimento do país é o ideal de reforma proposto por Lourenço e pelo seu MPLA. Nesse ‘novo’ país, o alcance de qualquer reforma só vai até onde começa a concentração do poder e a partidarização do Estado. É tudo muito simples e descarado. Na Constituição, até se pode trocar a precedência protocolar de juízes de tribunais superiores, mas não se pode discutir a nomeação destes pelo paradigma partidário. Na Lei Magna, até se podem afixar datas obrigatórias para a realização das eleições, mas não se pode debater a indicação dos membros da Comissão Nacional Eleitoral pelo critério partidário. Na Lei principal, até se podem alterar as funções do Banco Nacional de Angola, mas não se pode desfazer o absurdo de uma agência reguladora como a Erca ser composta pelo critério da representatividade parlamentar. Na Constituição, até se pode permitir que o Presidente tenha a 'rédea curta' na nomeação do governador do BNA, mas não é permitido revisar os seus amplos poderes que o habilitam a nomear e a exonerar tudo e todos. Porquê? Porque não é permitido discutir o sistema de governo que está na origem desses poderes. Enfim, qualquer reflexão ajuizada sabe que não é a guerra, nem as crises económicas, nem a covid que justificam tamanha pobreza de hoje e de amanhã. E sabe que, depois de 19 anos de paz, Angola não poderia estar longe dos mais avançados pares africanos, mas deveria estar a roçar-lhes os calcanhares, para pedir o mínimo.
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