DOMINICK MAIA, DIRECTOR DO ESPAÇO LUANDA ARTE

“Falta espírito empreendedor nas artes”

05 Feb. 2018 Marcas & Estilos

ARTES PLÁSTICAS. A residir em Angola há dez anos, Dominick Maia, director do Espaço Luanda Arte (ELA), revela os segredos da futura Biblioteca Académica e dos programas de residências artísticas internacionais.

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O que o fez vir para Angola?

Estava para ir viver para o Brasil, mas apaixonei-me por este país e acabei por formar a minha família. Queria sair da Europa porque achava a Europa morta. Trabalhava na banca e o sector enfrentava vários problemas. Já pintei, expus, estive em todas as áreas da arte, experimentei todas as facetas. Angola permitiu-me reinventar-me e tornar-me produtor e galerista .

O que representa o ELA?

O ELA representa o regresso das artes ao centro de Luanda. A baixa era muito rica em arte e cultura. Tínhamos o Elinga e os ateliês na UNAP. Os artistas eram felizes, estavam no centro nevrálgico. Tudo acontece em Luanda e o facto de a Sonangol estar na cidade é um termómetro. Se a Sonangol está bem, o país está bem, se a Sonangol está mal, sofremos com isso. Os artistas precisam de musas inspiradoras. Por exemplo, o sofrimento inspira-nos muito. Em crise, surgem vários escritores, cineastas, músicos que escrevem poemas fenomenais contra o regime, o fascismo, ou uma situação de desigualdade social e económica.

Qual é o objectivo da biblioteca?

O espírito do ELA é que as artes angolanas sejam uma referência mundial. A biblioteca vai permitir isso. O acesso é difícil. Às vezes, não é por má vontade. A prioridade é que a inflação se mantenha em baixo, que haja diversificação da economia. Se continuarmos a passar histórias de forma oral criam-se mitos. Por exemplo, há um grande mito que Che Guevara esteve com Savimbi. Ele nunca esteve com Savimbi. Se não tivermos arquivos históricos, esse mito vai perdurar. Precisamos de ter bases de dados. Na arte não é diferente. O ELA faz pesquisas, acumula documentos, que precisam de estar acessíveis, arquivos, catálogos, desdobráveis que queremos colocar ao dispor do público que tenha curiosidade, paixão por arte e que queira investigar. Há que estudar a origem da arte tribal, podemos criar suportes para a arte académica e para as bibliotecas que vão crescendo em Angola. As bibliotecas acabam por ser quase um testamento de uma época.

Que tipo de livros vai ter?

O nosso foco é a arte contemporânea. Mas haverá livros sobre arte tribal africana, primitiva e cockwé. Para quando está prevista a implementação? Nas próximas semanas, estará resolvido e depois vamos começar a divulgar. Estamos com mais de 150 livros.

Tem apoio de alguma editora?

Não temos apoio de nenhuma editora, nem estamos a pedir.

Em que consiste o programa de residências artísticas internacionais?

As residências são uma forma de ‘vender’ Angola. Não podemos ser só um destino para expatriados trabalharem nas plataformas. Temos muito mais do que isso. Vamos trabalhar primordialmente com artistas angolanos. A forma de estar dos artistas já é, por si só, um pouco solitária. Temos feito protocolos com outros espaços para levarmos artistas angolanos para o exterior. Temos um protocolo com a Delfina Foundation, em Londres, onde levámos os angolanos Binelde Hyrcan, Pedro Pires e Yonamine. Ao trazer um artista da Etiópia, estamos a abrir a porta para que um angolano vá para Addis Abeba. Isso tem de ser pluralista, tem de existir uma curiosidade dos artistas enquanto ele estiver a fazer a sua residência durante os dois meses para que se estabeleçam laços de trabalho e de amizade que claramente vão permitir que depois essa relação floresça.

Quais são os critérios de selecção?

É necessário falar inglês, há que ter trabalho já lúcido. Ainda é prematuro um artista ‘muito verde’ ir para uma residência no estrangeiro. Não basta ter talento, é preciso haver casamento. Uma exposição é algo muito íntimo. Pode haver expectativas e entrando logo num projecto grande, nenhum lado consegue cumprir.

Que custos têm estas residências?

É um custo mitigado. Ao receber alguém, estamos a pagar em kwanzas, enquanto enviar toda a gente para fora é difícil, pela questão das divisas. Não vamos deixar de o fazer, mas temos de ter em conta a situação económica. Temos de trabalhar as duas frentes.

Qual será o primeiro artista a fazer parte do programa?

Temos um plano modesto com um período entre um e dois meses e espaço para um residente de cada vez. Podemos ter até seis residentes num ano. Se começarmos com três ou quatro este ano, será muito bom. Ao trazer artistas internacionais, vamos fazer grandes amizades para que os nossos artistas possam viajar.

De que forma o Estado pode apoiar?

Não é preciso ser em dinheiro. Prefiro que o Ministério da Cultura certifique a galeria. Isso ajuda a convencer. Estou a pedir uma parceria protocolar. Escrevemos cartas ao Ministério e não recebemos uma resposta, mas já tive a felicidade de ter a ministra em várias exposições e sempre que ela não pode, manda um representante.

Ser galerista em Angola é rentável?

É rentável e dá para pagar contas. Tenho a felicidade de ter muitas contas pagas por causa dos patrocínios. Cada vez há mais compradores e muitos anónimos.

Quem pode expor no ELA?

O ELA está aberto a toda a gente. Mas este ano, já estamos cheios. E para o próximo, também estamos a ficar. Damos abertura para conhecermos os artistas. Não achando que somos a última ‘coca-cola no deserto’, queremos contribuir para a prática do artista. Não somos uma prateleira só para expor. Queremos ter um impacto na obra, sobretudo se temos um espaço de residência, ter influência directa no trabalho que vai ser exposto e dar mais alma à obra. Há muitas perguntas a fazer antes de expor, senão isso é como ‘andar aos beijinhos’. Exposição é um casamento, um preparo, uma fase de troca de compromisso, respeito e conhecimento.

O artista paga para expor no ELA?

Não. Aqui não se paga nada. As comissões são na base dos contratos. Quando o artista tem a obra toda, paga 30% de comissão das vendas, quando é através da residência, a comissão é de 50%.

O que falta aos artistas em Angola?

Temos demasiados artistas plásticos porque há a ideia de que é uma profissão. Não estou a dizer que se viva da arte, mas vende-se arte bastante bem. Isso criou um interesse por parte de quem gosta de desenhar. Mas desenhar e pintar não quer dizer que se seja artista. Vemos exposições de jovens artistas que já se acham mestres.