ANGOLA GROWING
‘VAN’, PINTOR E ESCULTOR

“Faltam coleccionadores, museus, galerias”

18 Jun. 2018 Marcas & Estilos

ARTES PLÁSTICAS. Francisco D. Van-Vúnem, ou simplesmente ‘Van’, de 59 anos, é autor de diversas peças de arte. As suas colecções já estiveram presentes em várias salas nacionais e internacionais. Em entrevista ao VALOR, o ‘kota’ das artes plásticas admite que as suas obras “são pouco conhecidas”, queixa-se da falta de coleccionadores e de galerias.

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Com mais de 30 anos de carreira, que avaliação faz do seu percurso?

Sinto que tive um percurso interessante. Devia ser melhor, se o país tivesse tido outro tipo de condições. Nas condições em que o país se desenvolveu, tenho de dar graças a todo este percurso e tenho de me sentir honrado por ter sido considerado artista plástico desde o período pós-independência até aos dias de hoje.

O que gostava de ter alcançado?

Gostaria de ter maior notoriedade em Angola e que o meu trabalho fosse mais divulgado pelo país e talvez um pouco mais pelo mundo. O meu nome, de certa forma, é conhecido, mas a minha obra é pouco conhecida. Não há catálogos de referência, não há museus de arte contemporânea para que me possa sentir representado. Estou representado em outros museus fora do país.

Quem deve ser responsabilizado por esse pouco reconhecimento?

Não se pode apontar nomes, nem instituições. Deve-se ao sistema e à falta de muita sensibilidade, falta de educação artística. É um aspecto conjuntural e também me incluo. O facto de não poder ter forças suficientes diante destas debilidades e fraquezas para dar saltos maiores do que dei para que a minha obra pudesse ser mais bem difundida. A culpa é partilhada.

O que o Estado pode fazer?

O Estado tem instrumentos. Há a lei do Mecenato e há que sensibilizar instituições a trabalhar para o reconhecimento das minhas obras. O Estado tem um programa de apoio a actividades artísticas e culturais que pode ir buscar recursos e disseminar a obra através de catálogos e de outros suportes. Ainda tem uma lei que consagra a bolsa de criação artística. Podia desenvolver diferentes actividades pelo país suportado por essa bolsa.

Como vê a produção de artes plásticas em Angola?

Nunca se viu tanta produção, maturidade e fluidez como se vê nos dias de hoje. A juventude tem muito bom trabalho que resulta, em parte, de escolas que foram surgindo e está a dar resultados e o facto de algumas pessoas saírem, formarem-se e regressarem com ‘know-how’. Outros, que estiveram muito tempo na diáspora, vêm também com bastante conhecimento e experiência. A produção está muito boa. Temos o problema da distribuição, da aquisição das obras de arte. As obras devem sair dos ‘ateliers’ para a casa de coleccionadores, instituições, recintos públicos. Atendendo que somos um povo com bastante tradição escultórica, agora pintam-se as pontes, mas é um trabalho de pouca sustentabilidade. Estas obras, com as intempéries, poeiras e chuvas, vão perder qualidade; cor, tinta e lucidez.

O que falta para que as obras de arte deixem de ser confinadas nos ‘ateliers’?

Faltam coleccionadores, museus, galerias. Não digo que seja por questões económicas. O problema é que nunca vimos o escoar das obras de arte. Agora estamos em crise, mas nunca vimos, noutras alturas, haver bastante circulação de obras. Estão sempre confinadas, na casa dos artistas. Vai para uma galeria e depois regressa. Há poucos compradores.

Que custos tem ao preparar uma exposição?

Temos custos avultados. A maior parte da matéria-prima, para se fazer pintura convencional, é importada. Não se conseguem divisas para se comprar material, por isso é que, estrategicamente, recorri à política dos três ‘rs’ do ambiente (reduzir, reciclar e reutilizar). Vou buscar muitas coisas em desuso. Dizem os ambientalistas que “o lixo só é lixo quando está mal conservado”, por isso, tenho tirado do lixo devidamente seleccionado os inertes sólidos para a produção. Com este material, tenho utilizado o outro ‘r’ que é reciclar e depois tem o reutilizar para o nosso convívio transformado em obra de arte.

Quanto custa uma obra do ‘Van’?

Varia de trabalho, tipo de material e formato. Se o artista for mais cotado naturalmente, a obra será mais valorizada.

Quais são as suas expectativas para a nova fase sociopolítica do país?

Angola já passou por momentos piores e a nossa expectativa é que as coisas melhorem. Nunca se viu tanta liberdade como agora, o país deu um salto muito grande em liberdade, direitos e garantias. O país ganhou muito em liberdade de expressão, de análises, debates. Podíamos começar a incentivar a criação de mais escolas, a ter uma maior educação artística, para que, um dia, as pessoas reconheçam e valorizem as artes. Há pessoas com mais de 20 anos, que nunca foram a uma sala de exposição, isto é muito mau. A arte contribui para a mudança de comportamento, comunica, valoriza a identidade cultural. É bom que a nossa arte seja conhecida nas escolas.

Tem alguma exposição prevista?

Tenho prevista para o 2.º semestre deste ano, uma exposição ‘Retrospectiva’, para mostrar a minha produção ao longo dos 40 anos de carreira.

40 anos de pintura

Francisco D. Van-Dúnem ‘Van’ nasceu em 1959, no Bengo. É mestre em educação artística pela University of Surrey Roehampton, Londres, Inglaterra, em colaboração com o Instituto Superior Politécnico de Viana do Castelo (Portugal). É membro fundador da União Nacional dos Artistas Plásticos e co-fundador e professor da Escola Média de Artes Plásticas, em Luanda. Foi director Nacional de Formação Artística. É detentor dos prémios ‘Mural Cidade de Luanda’; de pintura, do Banco de Fomento e Exterior de Portugal; e ENSA Arte, em 1996 e 2004. Em 2008, foi distinguido com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na categoria de Artes Plásticas, numa promoção do Ministério da Cultura. Tem obras em colecções oficiais na Sérvia e diversas exposições individuais. Participou em exposições colectivas de artistas conceituados em vários países.