“Fazemos uma salada russa musical”
MÚSICA. Com perto de 40 anos de carreira, Rey Webba assume que não tem condições para viver apenas das canções. Critica a música que se faz em Angola, apontando a pobreza cultural.
A música ‘Camanga’ deu-lhe fama. A história retrata a sua vida?
Toda a gente me pergunta isso, mas não! A música tem que ver sim com o cenário que se vivia em Angola e em Portugal, onde eu vivia. Boa parte dos jovens que saiam de Angola trabalhava nas obras, em Portugal, quer de classe alta, média e ou baixa. Lidava com muitos angolanos. De todas as histórias nasceu Camanga, que trouxe muitos problemas e repercussões na vida.
A que problemas se refere?
Depois de ‘Camanga’, a minha vida nunca mais foi a mesma. A minha mãe pedia-me para ter cuidado com a fama que era uma faca de dois gumes. ‘Camanga’ tirou-me do anonimato.
A era digital pode ofuscar o disco?
O formato físico do CD está no fim. Já praticamente não existe, estamos a fazer um esforço para o manter. Esse processo de evolução tecnológica é inevitável. Não temos mercado, por uma série de circunstâncias financeiras, económicas, entre outras. Não é normal o artista ir vender o disco à praça. Mas, se vende nesse dia, é completamente ‘rocha’. Isso seria excepção, mas aqui é regra!
Receia pela ‘rocha’?
Não! Nem se sequer tenho a pretensão e a preocupação de fazer discos. O importante é fazer boa música, que seja consumida. Musicalmente, somos um país muito disperso. Num único disco, encontramos kizomba, semba, rumba, ‘soul’, isso não é uma salada russa, mas sim uma salada musical, que revela que o nosso estado de saúde cultural não vai muito bem. Cada vez se percebe menos aquilo que é a nossa identidade.
Como colmatar?
Os jovens não se sentem motivados a cantar semba e folclore, por exemplo. Até há bem pouco tempo, tínhamos o grupo Tunjila Tuajokota, hoje já não se fala. Eles tinham tudo para ser sucesso internacional.
Como pode a música ajudar na edificação de uma Angola melhor?
O Ministério da Cultura é um órgão político e tem de criar políticas no sentido de, primeiro, profissionalizar os artistas, aí já se confere dignidade para os fazedores de arte. Já se fala da Lei do Mecenato há muitos anos, e a lei está em ‘stand by’. Fazer cultura não é só vender discos. Essa lei permitiria realizar um carnaval de verdade e nós organizamos um carnaval da pimpa. O autor da música tem de ganhar pelo que faz, usam as músicas para publicidade e não pagam os artistas. As coisas têm de mudar. Aí sim! Já podem exigir um pouco mais dos artistas.
Como se vê a difusão dos ritmos angolanos?
Não vejo assim tanto para ser sincero, vejo algumas coisinhas, continuo a ver o Bonga e Waldemar Bastos. Agora, ir cantar numa discoteca não é de forma alguma internacionalização da música angolana, isso é jajão.
Como se deve valorizar os kotas?
Tem de haver espaços para os músicos cantarem até ao fim de suas vidas, se tiverem saúde, claro. Por enquanto é só o Yuri Simão que realiza espectáculos e valorização de música e não temos salas. Não há uma sala que dignifique essa cidade. A antiga Assembleia vai servir de pontapé de saída, mas tem de ser bem gerida.
As suas músicas já foram bloqueadas alguma vez?
Nunca fui muito bem tratado. Não fui censurado directamente, mas estive nas listas negras de algumas rádios. Fiz músicas que podiam ter feito grande sucesso na altura. Muitas vezes, pensou-se que cantava coisas que os políticos não queriam ouvir, mas sou músico do povo. Depois houve mesquinhice e coisas pessoais. O facto de ser muito resguardado fez-me pagar esse preço.
Vive só da música?
Já fiz outras coisas. Vivo da música, mas não da cantada, faço direcção artística, fui director da Casablanca, da LS, trabalho há muitos anos para a cultura e em cultura. Neste momento ,estou na Palanca Tv e faço coordenação artística num programa de novos cantores.
PERFIL
‘Rey Webba’, nome artístico de João Reinaldo Webba. Rey é o diminutivo de Reinaldo, mas “sem intenção de ser rei de alguma coisa”. Com seis filhos e dois netos, perdeu a conta de discos já gravados e soma mais de 500 músicas lançadas.
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