“Há muita inveja entre escritores”
LITERATURA. Declamadora e escritora, Ngonguita Diogo é a primeira mulher angolana a ocupar a cadeira número 1 na Academia de Letras do Brasil, em Luanda. Critica inveja que há entre escritores e revela que se sentiu vítima de racismo num encontro literário no Brasil.
Foi descoberta em 2004 pelo escritor e amigo John Bella e só lança o primeiro livro em 2010.
Ao contrário dos outros escritores que se descobrem, eu não me descobri escritora, porque, nos meus vários sonhos, nunca me passou pela cabeça ser escritora. Mas, às vezes, entediada, vou escrevendo um texto. O John Bella viu-me escrever gostou do que leu e incentivou-me.
Essa história era ficção?
Influenciada pelas nossas guerras deu-me vontade de fazer uma história de uma menina órfã de guerra. A história é de ficção e até hoje não foi publicada, mas já tem título: ‘Os seios que desafiaram o mundo’. Mostrei ao meu pai que sempre foi um bom leitor. Na cabeceira do seu quarto ou na mesinha da sala tinha sempre um livro. O meu pai perguntou se era plágio. A pergunta deixou-me tão insultada que me deu vontade de lhe provar que não preciso plagiar e fiz, a seguir, outro texto. E ele disse: - ‘muito bem pensado, alto teor inventivo, seguindo as pegadas de Camilo Castelo Branco, filho de peixe é peixe.’ O meu pai só não foi escritor porque não teve um John Bella na sua cola.
Depois desse processo lançou o livro?
Depois pensei: por simpatia, o pai, se tem um filho sapo, diz que é lindo. Mas não senti muita firmeza e procurei um outro olhar, o do escritor Albino Carlos que me disse que escrevia bem, mas que se tratava de novelas, aconselhou-me a não publicar, porque, em poucos anos, teria vergonha dos livros. Hoje digo que ele tinha razão. Depois escrevi ‘No Mbinda o ouro é sangue’, já com alma de Ngonguita.
Como explica ter a cadeira número 1 da Academia de Letras do Brasil, de São José do Rio Preto, em Luanda?
Recebi este diploma a 5 de Dezembro, não só pelo facto de ser escritora e os poemas que publico na minha página do Facebook serem vistos e aplaudidos nacional e internacionalmente. Tenho inclusive um texto que foi musicalizado em Portugal por Joaquim Silva, ‘D’alma’. Não basta ser escritora, tem de ser um bocadinho mais do que isso. Esse título não é para ser dado para qualquer pessoa, tem de se fazer alguma coisa.
E conseguiu fazer?
Foi o que fiz na VIII Jornada Internacional de Mulheres Escritoras, um evento anual que reúne escritoras de vários países com o objectivo de criar mecanismos que possam viabilizar uma melhor e mais eficaz comunicação entre escritoras e divulgar a literatura e os trabalhos críticos de tradutoras, pesquisadoras, jornalistas e educadoras, que se realiza em São Paulo, Brasil. Fui a única africana a representar o continente. Mas tive alguma sorte, porque toda a propaganda foi feita com a minha imagem. A imprensa é que faz o artista. Cheguei apavorada, porque senti que me estavam a dar muita responsabilidade e não me via com estrutura para isso.
E como é que a superou?
Fui com a cara e a coragem do próprio africano, não estava lá muito segura, tanto é que sofri uma dissecção aórtica, e não tenho dúvidas de que essa responsabilidade influenciou na minha saúde. Decidi dirigir o discurso ao meu país. Fi-lo de forma harmoniosa, o que surpreendeu todos. Foi um discurso de superação e não de lamentação. Quis mostrar que não venho de uma selva, porque era a única negra. Inclusive fui vítima de racismo. Meteram-nos num hotel, em que as escritoras deviam dividir o quarto, mas ninguém aceitou dividir o quarto com a negrinha.
Como se sentiu depois de tudo isso?
A minha saúde piorou e fui internada de imediato para fazer a operação. A minha ida foi um propósito de Deus para ser tratada.
Como foi aceite pelos escritores mais antigos?
Foi péssima. Nós infelizmente temos um grande defeito. Ninguém se alegra com o sucesso do outro. Contam-se aos dedos as pessoas que me felicitaram. Escritores então foram uns dois ou quatro, uns fingiam até que não ouviram a notícia. O simples facto de ser convidada na jornada já é um grande feito para os meus compatriotas. E ser a cadeira número um então!!! O nosso egoísmo é tão grande que ninguém quer olhar para o lado.
Ou por ser mulher que não foi bem aceite?
Acredito que não! É mesmo inveja.
Como vê a literatura feminina?
Há poucos incentivos para motivar a mulher, principalmente na literatura. Em relação às escritoras mais velhas somos poucas e isso é mau. Depois a guerra entre nós, essa pequenez de pensamento, já que o nosso país é tão grande e há espaço para todas, devia haver mais união.
PERFIL
Ngonguita Diogo, pseudónimo literário de Etelvina da Conceição Alfredo Diogo, nasceu a 4 de Maio de 1963, no Cazengo (Ndalatando), Kwanza-Norte. Declamadora e escritora, tem publicados os livros ‘No Mbinda, o ouro é sangue’ (2010), ‘Wesa a princesa’ (2010), ‘Sinay’ 2011, ‘A minha Baratinha’, ‘Acudam Maria do Rangel’ (2013) e ‘Da alma ao corpo’ (2014) e um CD de poemas ‘E assim Virei Maria’, infanto-juvenil. É membro do Movimento literário Lev’Arte.
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