João Lourenço pode ‘engavetar’ quatro dos 10 programas económicos
CRISE ELEITORAL. Um centro de estudo, dois economistas independentes e um empresário receiam que o MPLA ‘deite abaixo’ várias das ambições agendadas para os próximos cinco anos, se se mantiverem as divergências entre a CNE e a oposição. Ao VALOR, analistas anteveem recuos na diversificação económica, no fomento do emprego e em mais dois objectivos, que ‘entalam’ sem a confiança dos investidores no mercado interno.
Quatro dos grandes objectivos nacionais do MPLA correm o risco de ser adiados, se se mantiver a crise política, derivada da contestação da oposição contra a vitória de João Lourenço, face às alegadas irregularidades nos procedimentos da contagem dos votos. A conclusão é de diversos analistas económicos, incluído o centro de estudos e investigação cientifica da Universidade Católica de Angola (CEIC), que justificam a hipótese com o clima de incerteza que o impasse político poderá causar aos credores e investidores externos.
Se prevalecer o diferendo, podem saltar da lista de prioridades da agenda de governação de João Lourenço, no período entre 2017 e 2022, o ‘desenvolvimento sustentável com inclusão económica e social e redução das desigualdades’, a ‘edificação de uma economia diversificada’ e a criação de oportunidades de empregos’, já que são necessários financiamentos externos e investimento estrangeiro, elementos que podem estar pendurados devido às contestações às eleições de 23 de Agosto.
Com a ‘crise’ eleitoral, analistas temem ainda a perda de confiança dos credores internacionais, face à redução dos níveis de ‘rating’ – avaliação do risco de crédito junto dos mercados internacionais – da dívida soberana do país, que, segundo o investigador do CEIC Francisco Paulo, se pode situar em níveis ainda mais baixos ou de riscos, encarecendo, por esta via, as taxas de juros dos empréstimos no mercado externo.
“Com esse impasse, e se Angola for procurar investimento externo, terá dificuldades devido à má reputação resultante desse conflito eleitoral. O ‘risco do país’ pode aumentar. Existem empresas de ‘rating’ que medem o risco do país em honrar compromissos de financiamentos”, argumenta o também professor da Universidade Católica de Angola.
Desde que as agências de ‘rating’ iniciaram avaliações a Angola, em 2010, o país já levou oito ‘outlooks’ negativos das mãos das três principais agências, nomeadamente a Moody’s, a Ficth e a Standard & Poor’s (SP).
A primeira perspectiva negativa foi em Março de 2015, com nota Ba2 de grau não especulativo, sendo que a última foi em Setembro de 2016, com nota B – altamente especulativa – e um Outlook negativo (ver quadro). Aliás, desde o início das avaliações, Angola nunca chegou ao nível AAA, o topo, ou AA, avaliação de alta qualidade, de acordo com a tabela de classificação em uso nas três unidades de avaliação.
Há três semanas, antes da vitória de João Lourenço, foi a vez da SP, que cortou em um nível o ‘rating’ soberano de Angola de B para B-, classificação que coloca o país perto do nível de risco de crédito, a classificação CCC.
Ou seja, com esta classificação, os peritos da SP consideram haver um “significativo risco de inadimplência”, apesar de haver, também, “uma pequena margem de segurança” de cumprimento.
Coincidentemente, às vésperas das eleições de 2012, Angola também mereceu avaliação de uma das agências, no caso a Moddy`s, que deu uma classificação positiva, concretamente Ba3. Depois desta, o país voltou a ser avaliado apenas em Abril de 2014.
Emprego cai
Sem a confiança dos investidores, e com um nível degradante do risco soberano, fica para o segundo plano a entrada de novos investimentos directos estrangeiros, o que atrasa, por conseguinte, o plano do partido vencedor das últimas eleições de criação de oportunidades de empregos, como defendem o economista Yuri Quixina e o empresário Galvão Branco.
“Com esse impasse político, corre-se um risco muito grande no que toca à captação de investimento. O risco é incomensurável. O factor estabilidade política de um país é determinante para a confiança dos investidores”, comenta o também consultor financeiro Galvão Branco, no que é seguido por Quixina, que antevê vários desafios para a equipa de João Lourenço.
Os últimos dados da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) mostram que, desde a instituição do organismo, já foram captados 55 projectos de investimentos, avaliados em 22,6 mil milhões de dólares, de acordo com dados cedidos pelo gabinete de comunicação da entidade estatal, que não precisa a origem dos investimentos, data de aprovação e implementação.
Analistas consideram, no entanto, que, com o actual clima político e económico, a intenção de investimento privado estrangeiro deve reduzir. Aliás, os investigadores do CEIC acreditam mesmo que este é o “impacto mais imediato” das crises pós-eleitorais. “Quando há incerteza política num país, a consequência imediata é a redução das intenções de investimento. Os estrangeiros que tinham a possibilidade ou intenção de investir em Angola, com esse impasse, criam alguma reserva, porque não sabem o que vai acontecer depois disto”, acentua.
Aguardar reacção da oposição
Para Flávio Inocêncio, outro analista financeiro, é preciso esperar pela posição final dos partidos da oposição, a ver se, na sua opinião, “o resultado final das acções desses partidos vão levar a uma crise institucional profunda”.
O também professor da Universidade de Conventry já antevê que, se a oposição não tomar posse no Parlamento durante a legislatura, poderá enviar um “sinal muito negativo” para potenciais investidores e para o investimento directo estrangeiro”, pelo que sugere uma concertação entre o partido vencedor e demais forças políticas da oposição.
“Creio que uma das alternativas seria uma negociação alargada com todos os partidos com assento parlamentar para a saída do potencial imbróglio e isso pode incluir um executivo com os partidos da oposição”, aconselha.
Desafios políticos…
Para contornar o actual contexto e o impasse político entre CNE, o técnico da UCAN e o dono da GB-Consultores apelam ao entendimento entre os envolvidos no processo eleitoral, apontando para a aceitação dos resultados de forma “justa” e “pacífica”.
“Enquanto a oposição e a CNE não chegarem a acordos de que as eleições foram transparentes e justas, teremos um risco político no país. E os investidores não vão querer estar num ambiente de incerteza enquanto o processo não terminar. Todos os envolvidos no pleito devem estar convencidos com resultados. Se não há confiança, isso pode gerar receio por parte do investidor”, explica o investigador do CEIC.
Para Galvão Branco, o compromisso do país com os investidores “tem de ser preservado e está acima de qualquer ego político, até porque o crescimento do país passa, neste memento, pelo investimento externo e a nossa credibilidade externa”.
…E económico
No capitulo económico, o novo Governo deverá iniciar pela reforma das despesas públicas, como defende Yuri Quixina, que considera haver “excessos” na despesa. “O primeiro pressuposto são as finanças públicas. A matriz do programa económico de Angola é a parte orçamental. Ou seja, os excessos de despesas fazem com que não tenhamos poupanças, que barram o crescimento económico”, adverte.
O economista entende que o “Estado não tem poupança, porque tem défice”. “Isso porque as despesas correntes são maiores que as despesas de capital. Já é ‘habitue’, porque, desde 1975, as despesas correntes sempre foram superiores”, rematou.
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