Jurista ‘condena’ enquadramento de crimes económicos no Código Penal
CÓDIGO PENAL. Causídico defende que ‘Proibição de pagamentos em numerário’ e ‘Retenção de moeda’ deveriam estar em normas do direito bancário, ou em directivas de administração bancária e financeira, sem a necessidade de a conduta das pessoas ser incriminada. ‘Crimes Contra o Mercado e a Economia’ podem resultar em prisão de até um ano.
A inclusão dos artigos 467.º de ‘Proibição de pagamentos em numerário’ e 468.º relativo à ‘Retenção de moeda’ nos ‘Crimes Contra o Mercado e a Economia’ tem levantado alguns problemas até mesmo no meio académico. Para o jurista e docente Albano Pedro, a discussão é justificada com o facto de a finalidade do direito penal defender os bens mais importantes da sociedade, de entre os quais a liberdade e a integridade dos bens e das pessoas. “Esta lei não dá uma clara ideia de que bem jurídico é que quer proteger, sobretudo por ser uma norma que está subscrita na parte sobre os crimes económicos”, justifica.
Do ponto de vista sistemático, Pedro acredita que o legislador, provavelmente, pretendia proteger um outro interesse, mas acabou colocando numa secção que levanta dúvida sobre a necessidade de protecção que se pretende. No seu entender, essa norma só pode justificar-se por causa de um conjunto de crimes violentos que foram ocorrendo ao longo dos últimos anos, resultantes, por exemplo, do “transporte e manuseamento de somas avultadas que levaram muita gente à morte”.
“Muita gente foi sendo assaltada quando procedia à compra de bens e creio que a necessidade de proteger a vida das pessoas que fazem o manuseamento de somas muito altas tenha sido a razão de ser dessa norma. Só pode ser esta a justificação para esta norma, uma vez que o direito penal está para defender liberdades e integridade.”
Por outro lado, o causídico esclarece que, se for, por exemplo, para estimular a bancarização do dinheiro, para que a sociedade ganhe cada vez mais consciência de utilizar os meios digitais, optar por contratos para pagamentos a prestações e não pagar na totalidade muito dinheiro numa única prestação, ou seja, se não for para dar melhor educação de gestão financeira às pessoas, essa norma não tem razão de ser uma norma incriminadora e, por conseguinte, “não tem razão de estar no código penal”.
Por isso, Albano Pedro defende que esse ponto deveria estar numa outra norma, como, por exemplo, no direito bancário, numa directiva, numa norma de administração bancária e financeira, sem a necessidade de a conduta da pessoas ser incriminada.
Olhando para a sociologia do direito, o docente avança que há razões para que se cerceie a liberdade das pessoas de usarem muito dinheiro durante as transacções, dado o número de acções criminais que a Polícia, muitas vezes, apresenta. No entanto, ainda assim, reitera Pedro, “a norma está mal enquadrada, não deveria estar nos crimes económicos, mas sim nos crimes contra as pessoas, contra as liberdades”.
“Portanto, no meu entender, houve um erro de sistemática desta norma, por ter sido enquadrada numa área onde não deveria estar”, insiste.
Para as pessoas que ainda trabalham na informalidade, Albano Pedro considera a norma “bastante pesada e extrema”, uma vez que a penalização deveria ser ponderada para aquelas situações em que os valores fossem manifestamente altos, ou seja, para indivíduos que levam valores significativamente altos e que, muitas vezes, requer a presença de escolta.
“Portanto, ao invés de uma medida incriminadora, como a pena de privação de liberdade, prisão, ou a de multa, que é financeira, ela também compreende as chamadas medidas de segurança e de prevenção, como no levantamento de dinheiro nos bancos, enquanto instituição que devia ter a faculdade de limitar a soma, salvo justificação convincente”, sentencia o jurista.
PROIBIDO TRANSPORTAR MAIS DE 3 MILHÕES KZ
A Lei que aprova o Código Penal Angolano prevê punir, com multa de até 120 dias, “quem realizar, aceitar ou facilitar a realização de paga¬mentos em numerário num valor igual ou superior a 35.311 Unidades de Referência Processual ou o respectivo cor-respondente em kwanzas ou em qualquer outra moeda estrangeira, em transacções de qualquer natureza”.
De acordo com o artigo 467.º intitulado ‘Proibição de pagamentos em numerário’, a referida multa pode ser aplicada caso o valor transaccionado chegue aos quase 3 milhões de kwanzas.
A medida, que aparece expressa no Capítulo II dos ‘Crimes Contra o Mercado e a Economia’, prevê ainda, no artigo 468.º, relativo à ‘Retenção de moeda’, que “quem retiver valores avultados em dinheiro, fora dos circuitos das instituições financeiras, sem justificação aten¬dível, é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias”.
Conforme o diploma, “consideram-se montantes avultados a) “valores acima de 34.091 Unidades de Referência Processual [mais de 2,8 milhões de kwanzas, tendo como referência 84 kz por cada Unidade de Correcção Fiscal, UCF], ou o respectivo correspondente em moeda estrangeira, tratando-se de pessoas singulares, microempresas ou empresas de pequena dimensão, associações, fundações, sindicatos, partidos políticos, organizações religiosas ou organizações não governamentais” e; b) “valores acima de 56.818 Unidades de Referência Processual [mais de 4,7 milhões de kwanzas, tendo como referência 84 kz por cada Unidade de Correcção Fiscal, UCF], ou o respectivo correspondente em moeda estrangeira, tratando-se de empresas de média ou de grande dimensão”. Sendo que a diferença de valores que exceda os limites objecto do crime previsto é apreendida e reverte a favor do Estado.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...