Kínguilas diversificam negócio para escapar da crise
COMÉRCIO. Vendedores ilegais de divisas apostam na comercialização de cartões de saldos de chamadas e de televisão por satélite, para mitigar o impacto da perturbação cambial.
A crise cambial, gerada pela escassez de divisas no mercado, forçou os kínguilas, vendedores ilegais da moeda estrangeira, a diversificar o negócio para fazer face às dificuldades do dia-a-dia.
Em princípio, optaram pela realização do microcrédito informal, aproveitando-se da incapacidade das instituições oficiais de atender às necessidades dos potenciais clientes. Apesar de considerarem um negócio lucrativo, considerando as taxas de juros que oscilam entre 20% e 50%, passaram a apostar noutros negócios como serviços de chamadas telefónicas, bem como a venda de cartões de saldos Unitel, Movicel e Zap.
Mas a venda de divisas e o microcrédito continuam a ser os negócios mais lucrativos, face às curtas margens oferecidas pelas diversas operadoras. A caixa de saldos da Unitel, com 50 cartões de 50 UTT, geralmente revendidos a 500 kwanzas cada um, é adquirida a 23.500 kwanzas, gerando lucros de 1.500. Já a da Movicel, composta por 10 cartões de 90 UTT, é comprada a 8.200 kwanzas e revendido cada cartão a 900 kwanzas, tendo lucros de 800 kwanzas. A caixa de 10 cartões do pacote mini da Zap, adquirido a 20.500 kwanzas, dá margem de 1.500 kwanzas, já que cada cartão é vendido a 2.200.
“O pior, entre os saldos, é o da Movicel, não anda nada! A seguir é o saldo de 100 UTT da Unitel, comercializado a mil kwanzas. O que mais dá lucros são os cartões de 50 UTT”, sublinha António Mtamba, que deseja abandonar as ruas para trabalhar num ramo formal, por, como lamenta, estar “a sofrer de mais”.
A venda de dólares já não atrai António Mtamba. Antes, chegou a ter dinheiro, no tempo do ‘Roque Santeiro’. Tinha empregados em casa, carro próprio e pagava a formação dos filhos, de irmãos e sobrinhos adultos, além de suportar os pais idosos. Para ele, o pior deu-se em 2009, quando foi assaltado, perdendo cerca de 500 mil dólares, que detinha com alguns colegas. “Por causa disso e de outras situações, vou negociar com um sobrinho para ficar aqui a vender os saldos e os poucos dólares que me dão, e vou fazer outra coisa. Se calhar, trabalhar como electricista, já que, nos anos 1990, trabalhei na EDEL”, conta.
Em situação diferente está Bruce Catchay, de 52 anos, que se manifesta “satisfeito” com a conjugação de negócios, assegurando não fazer três dias com uma caixa de saldos.
“Por exemplo, comprei hoje, duas caixas de saldo de 50 UTT, e tenho a certeza de que, até amanha, já terei vendido uma caixa e metade. O saldo Unitel rende muito”, revela Bruce Catchay, que garante ter a “velhice assegurada”. Graças à venda de divisas, saldos de internet, chamadas e de televisão por satélite, comprou um ‘Hiace’ usado e duas viaturas ‘turismo’ para o serviço de táxi.
Já Paulino Mbute reconhece que, com a crise cambial, a vida dos kínguilas mudou “drasticamente”, embora consiga “minimizar o sofrimento familiar” com as vendas de saldos e chamadas telefónicas.
“Quem não tem Zap em casa? Toda a gente compra os cartões da Zap, e é com esses negócios que pago a faculdade de dois filhos, o tratamento médico de minha esposa, além de estar a construir uma cantina lá em casa”, conta, ao mesmo tempo que confessa temer pela forte tendência do aumento de marginais à cola dos kínguilas.
Tal como os operadores formais, os kíngulas enfrentam uma das maiores crises de disponibilidade de divisas desde o surgimento da actividade nos anos 1990, com culpas atribuídas à baixa do preço do petróleo e ao ‘embargo’ da banca nacional pelos EUA.
No período de maior estabilidade da moeda nacional, em que a nota de cem dólares custava 10 mil kwanzas, a margem de lucro dos kínguilas era, em média, de mil kwanzas. Passou para níveis nunca antes vistos e muito desregrados (uns ganhavam mil outros entre 10 mil e 20 mil kwanzas), mas poucos são os que continaram a ter acesso às divisas.
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