João Gago, presidente da Associação dos Empreiteiros de Construção Civil e Obras Públicas

“Mercado está descaracterizado, em termos de desempenho”

ENTREVISTA. Líder associativo admite que o ritmo na construção civil abrandou significativamente nos últimos anos. No entanto, acredita em dias melhores nos próximos tempos, devido, sobretudo, ao novo momento político. Mas avisa que as empresas nacionais deverão estar preparadas para competir com as estrangeiras na fase que se avizinha e que devem merecer mais atenção do Estado.

 

“Mercado está descaracterizado, em termos de desempenho”

Como avalia a situação a construção civil em Angola?

Está inconstante e um tanto quanto descaracterizada pela negativa, em termos de desempenho. Há vontade política de normalizar a situação. Esperemos bem que, nos próximos tempos, haja receitas suficientes por parte do maior cliente, que é o Estado. Porque, de resto, ou seja, o restante do mercado, que completava a acção do Estado, ou os donos dos dinheiros que haviam feito investimentos recolheram estes recursos ou então receiam efectuar novos investimentos nesta altura.

Qual é o ponto de situação das empresas que estão neste momento associadas à Associação dos Empreiteiros de Construção Civil e Obras Públicas (AECCOPA) face ao abrandamento do ritmo de crescimento?

O que se vive é uma situação de crise. Mas este é um problema que é transversal a todos os sectores. Até porque a questão do associativismo hoje foi posta em causa. Precisamos de partilhar as linhas de forças da AECCOPA com o Governo para que possamos encontrar as melhores medidas de acção. O velho problema persiste! Ou seja, hoje temos três grandes forças vivas no mercado, as empresas chinesas, portuguesas e brasileiras, que são financiadas com linhas de crédito dos seus respectivos países. Estes financiamentos normalmente comem uma parte substancial da carteira de obra nacional. Não quero falar de estatísticas, porque é arriscado. Mas acredito que estas empresas, todas juntas, devem consumir por aí 90% da carteira de obra nacional. Portanto, resta apenas 10% para o empresariado nacional. Quer dizer que o nosso dinheiro, ao invés de ser reinvestido no país, é reexportado através do pagamento do serviço da dívida. Ainda há por esclarecer, por exemplo, em relação a todas essas empresas, sobretudo as chinesas, como ficam os tais 30% para as empresas nacionais nos contratos com as empresas chinesas, portuguesas e brasileiras.

Mas o que se constata é que hoje até mesmo a presença quer de empresas chinesas, portuguesas ou brasileiras diminuiu…

O mercado angolano é apetecível. O problema é que houve uma determinada altura em que nós (Estado angolano) entrámos em rota de colisão com os procedimentos normais. Agora, com a presença do Presidente João Lourenço, há uma retoma da credibilidade, o que deverá resultar em novos investimentos. Mas agora é preciso também que o empresariado nacional se prepare para fazer face à concorrência de fora. Por outro lado, é necessário ainda que o Executivo olhe para a forma como vai fazer o fomento do empresariado nacional. Que não haja ilusões! São as micro e pequenas empresas que estruturam uma Nação, sem as quais, não há independência económica.

As empresas nacionais estão preparadas para fazer face a um aumento da carteira de obras, no país, conforme, aliás, já tem sido anunciado pelo Governo?

É perigoso fazer afirmações sobre esta matéria. Mas acredito que a alma angolana é capaz de ultrapassar esse desafio. É preciso lembrar que os nossos camaradas, mesmo com dificuldades de formação, tiveram a capacidade de ultrapassar desafios, cuja complexidade exigia utilizar gente com muita formação académica. Repare que vencemos a guerra, fomos capazes de policiar o nosso país e de atingir os desideratos que atingimos. Se houver vontade política, seremos capazes de reconstruir e avançar com a Nação. Eu pelo menos tive a oportunidade de ir à Durban, na África do Sul, onde grande parte do asfalto é orgânico. E toda aquela obra foi construída por soldados. Mesmo na Europa, grande parte das calçadas foram construídas com pedras. Nós temos essas pedras. Repito: se encontrarmos sinergias, metodologias, poderemos vencer. Se houver vontade política, não há ninguém que nos trave.

A AECCOPA é contra a existência de empresas estrangeiras no mercado nacional ou defende a existência de mais equilíbrio de oportunidades?

Uma vez afirmei exactamente isso, mas fui mal interpretado. Quando a dívida interna, na sua maior parte, é consumida por empresas estrangeiras, começa já a haver uma situação de instabilidade da segurança nacional. E, isso, é por uma razão muito simples. Porque o poderio económico do Estado deve estar na mão do empresariado nacional. É muito perigoso quando assim não é. Numa intervenção que fiz ao Presidente João Lourenço, na altura ainda era candidato à presidência do país, afirmei que estávamos muito complicados, na construção civil. É verdade que, de momento, não temos capacidade de fazer concorrência às empresas estrangeiras. Mas é preciso capacitar as empresas nacionais e as financiar, no sentido de que só vem para o mercado nacional aquela empresa estrangeira para cobrir onde não haja capacidade interna.

Actualmente, quantos membros fazem parte da AECCOPA?

Mais uma pergunta arriscada de responder, em termos de estatísticas. As pessoas não abandonaram a associação. O problema é que o associativismo se descaracterizou também. Agora quem é o associado? É aquele que paga quotas? Quem é paga quotas? Meia dúzia de associados. Chamar os outros que não pagam quotas ou não têm capacidades para tal, também é arriscado. Portanto, vamos falar de um universo controlado de 250 associados, entre os que pagam e outros não!