“Não damos empréstimos em branco, exigimos projectos concretos”
Embaixador da Suécia reafirma apoio e cooperação com o Governo de João Lourenço, mas avisa que dinheiros apenas serão libertados caso haja projectos concretos. Não avança quanto tem para já, mas sublinha que Angola tem posição chave nas prioridades da agenda do governo da Suécia. Barragem de Cambambe é exemplo do investimento sueco em Angola, aponta o diplomata.
Angola acaba de eleger João Lourenço como o novo Presidente da República. Que apoios o novo Governo pode esperar da República da Suécia?
Acho que estamos todos muito felizes, porque temos agora um novo momento nas áreas da política e da economia, com um novo Presidente e um novo Governo que se acaba de formar. Estamos a viver um grande momento e os angolanos, com certeza, têm a esperança de que as coisas venham a mudar e todo o mundo sabe que as mudanças não se fazem de um dia para o outro.
Que ajudas objectivas o seu país está disposto a dar a Angola?
Em primeiro lugar, é Angola que tem de pensar qual é o melhor jeito para si mesmo. Por outro lado, o país tem de aprender como todos os países fizeram quando estavam numa situação grave como esta. Sabemos que a situação económica e financeira é muito grave por causa da queda do preço do petróleo, o que significa que, quando se fala agora na diversificação da economia, Angola precisa também de ajudas das empresas internacionais com conhecimento neste domínio e que podem trabalhar junto com o Governo.
Há uma linha de crédito exclusiva a Angola para os próximos anos?
Não trabalhamos assim. Se o país tiver projectos interessantes e que os angolanos gostassem de ver realizados, podemos financiar estes projectos, sem nenhum problema. Mas não damos créditos em branco. Tem de haver um projecto concreto. No sector da energia, por exemplo, se tiver um projecto concreto, com as empresas suecas que gostariam de fazer esses investimentos, a entidade de financiamento do governo sueco pode fazer esta operação. Mas tem de ser projecto concreto. Se tiver isto, como foi com o projecto da barragem de Cambambe, que financiámos, o dinheiro é libertado.
Que outro investimento a Suécia aplicou em Angola?
Tem várias outras coisas, mas este [a barragem de Cambambe] é o projecto mais óbvio.
Nestes primeiros dias do novo Governo, que prioridades sugere ao novo Presidente?
O novo Presidente, com a sua equipa, precisa mesmo é de implementar os desafios e ideias que tem nos programas do MPLA. Como disse, temos agora um novo Governo e é nesta fase em que gostaríamos de aumentar a nossa relação com Angola, não só no Comércio, mas também em outras áreas. A Suécia, por exemplo, faz parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas e sabemos que há vários lugares em África onde todo o mundo tem de trabalhar e é uma das coisas em que também o governo sueco está muito interessado, não só na relação bilateral entre a Suécia e Angola, mas também no que Angola está a fazer na situação do Congo, que passa por uma fase muito complicada. A Suécia também gostaria de colaborar com Angola neste aspecto, para procurarmos, juntos, uma solução de paz. Acho que temos vários aspectos em que a Suécia e Angola podem cooperar.
O programa de governação do novo Executivo dá destaque à diversificação económica para reduzir a dependência no petróleo. Que experiências Angola pode receber da Suécia nesta matéria?
Tenho de ser um pouco realista. Realmente estão a implementar a diversificação económica, o que não se faz de um dia para o outro, mas o Governo precisava, realmente, de começar com este trabalho, porque, obviamente, não dá para viver só do petróleo. Acho que Angola precisa de fazer é investimento nas áreas que antigamente eram muito boas para o país, como na agricultura, que, por exemplo, já exportava café, além de outros produtos que já produzia localmente. Precisa-se de começar com isso.
Está a sugerir um regresso à produção do café…
Eu não sou a pessoa que sabe o que é o melhor para Angola. Mas acho que já começam a pensar nas diferentes áreas com possibilidades de se apostar, não só para vender entre angolanos, mas também vender para outros países, porque será um dinheiro a entrar para Angola. Acho que isso deve fazer parte de uma estratégia de longo ou curto prazo. Todas estas coisas resultam quando se aposta na Educação e Saúde. Todos os angolanos têm de estar envolvidos com as organizações e com as empresas internacionais, mas são fundamentalmente os angolanos que se devem sentir parte deste projecto. Com a Suécia, sempre há um dialogo que envolve o governo, faculdades e entidades não governamentais.
A agricultura é um investimento de médio e longo prazos e Angola precisa de recursos financeiros urgentemente. Em que medida a Suécia apoiaria o país, face à crise de divisas que enfrenta?
Há também um trabalho que Angola precisa de fazer mais: a reforma nos bancos.
De que tipo de reformas concretas carecem os bancos angolanos?
Uma das coisas que está hoje um pouco difícil para o Governo angolano é obter dinheiro que vem de fora. Para concorrer a isso, o país precisa de mostrar que os sistemas dos bancos funcionam bem, para que se tenha confiança de outros bancos internacionais. A confiança não é só boa para os bancos, mas para todas as pessoas, sejam os angolanos, o próprio Governo e todos os outros.
Falta confiança dos bancos internacionais na banca angolana?
Não posso dizer isso. Mas, obviamente, há outros bancos internacionais que têm um pouco de receio em investir agora [em Angola]. Para que se restabeleça a confiança, é importante que os bancos angolanos tenham de trabalhar mais nessa área e os recursos que Angola tem de investir. Não sei qual é o melhor caminho, mas há que se decidir em fazer investimentos que realmente tenham um rendimento a curto ou a longo prazo. E até agora foi muito fácil só pensar no petróleo, mas, de agora em diante, terá de haver maior criatividade. É isso que Angola precisa de fazer.
A reforma a que se referia a nível da banca tem que ver, por exemplo,com a mudança de gestão, ou cumprimento das exigências internacionais?A que se referia de concreto?
Não sou especialista nisto. Acho que é importante sublinhar que não sou especialista, mas, realmente, a Suécia tinha também, no início de 1990, a crise dos bancos. Tínhamos, naquela altura, juros que eram de 500% por dia. Foi preciso um trabalho muito forte do governo para fazer reformas, no sentido de melhorar a situação dos bancos na Suécia. E acho que todos os países chegam numa situação em que as coisas não funcionam. Este é um trabalho que os angolanos têm de fazer. Claro que há países que ajudam neste sentido. Acho que há muitos exemplos que Angola pode tirar. Não sou especialista nisto, mas acho que, por exemplo, deviam fazer como fez a Suécia no início de 1990, quando passámos pela nossa crise da banca. A coisa mais importante é que os angolanos têm de ver realmente como vão sair desta crise, e implementar as coisas e fazer reformas. E não é só falar sobre as coisas, mas também implementá-las. Isso é fundamental.
A Suécia está disposta a partilhar com Angola a sua experiência de reforma dos anos 1990?
Com certeza. Podemos partilhar a experiência que tínhamos e as reformas aplicadas na Suécia naquela época, pelo menos, para dar uma ajuda. Isto se os angolanos acharem que este é um bom caminho a seguir. Mas é importante ver também outros casos por que passaram outros países.
Disse atrás que “Angola precisa de aplicar mais, em vez de falar mais”. Era sobre aplicação das leis a que se referia?
É muito fácil. E isso vem da Suécia e de outros países. Os políticos têm grandes ideias e muito boas, mas, por outro lado, estas ideias têm de ser realizáveis. E realmente fazerem o que dizem. Não pode ser uma coisa que só fala quando está em campanha [política]. É importante que, quando se está no Governo, se faça o que se prometeu [nas campanhas eleitorais]. A democracia é assim: se você fala uma coisa, mas não faz essa coisa, provavelmente as pessoas não voltam a votar na mesma pessoa. Porque o povo gosta de votar em pessoas que falam e fazem.
Esteve em Angola por altura da campanha eleitoral?
Não. É a primeira vez. Não sei como é que foi a campanha.
Assistiu à cerimónia de posse do Presidente eleito João Lourenço.Acha que o programa apresentado é realizável no curto prazo?
Várias coisas com certeza têm realização. Mas acho que esses programas e ambições que o Presidente tem precisam de ser feitas uma coisa após outra. Não dá para fazer todas as coisas ao mesmo tempo, porque não há infra-estruturas para fazer isso.
Quais são, para si, os pontos que o Executivo deve ‘atacar’ primeiro?
Acho importantíssimo, numa democracia, ser o país a decidir o que é prioritário. Angola deve decidir por ela. Mas acho que, obviamente, o que falta é, e como fizemos na Suécia, mais investimentos na Educação e Saúde. Foi isso que, há 50 anos, a Suécia fez. Muitos investimento na Educação e Saúde. Com isso, as coisas ficariam ainda mais fáceis. São coisas que são feitas no longo prazo. Ter um povo educado ajuda bastante. Isso é uma das coisas importantes que Angola precisa de fazer. Se olhar para os grandes países do mundo, verá que são países que colocaram muito investimento na Saúde e na Educação, e hoje são países muito competitivos no actual contexto de globalização que estamos vivendo. Acho que a Educação é fundamental.
No actual contexto de crise, acredita que as empresas suecas viriam a Angola investir?
Uma das coisas que é característica nas empresas suecas é que, normalmente, quando investem, fazem-no para colher a longo prazo. As empresas suecas não entram para o país apenas quando as coisas estão boas, e quando já não estão abandonam o país. Não. Não é isso. Por isso, se vir bem, temos cá em Angola empresas há mais de 30 anos.
Quais são estas empresas?
Temos a Erickson e a Volvo e outras mais. Uma coisa que diz muito sobre as empresas suecas é que, quando investem, investem para longo prazo. E hoje em dia, elas estão muito interessadas em continuar a investir em Angola, sobretudo na área da energia, que é um sector muito importante é necessário em tudo o que se faz.
Há uma empresa sueca do sector energético que quer entrar em Angola?
Temos empresas que fazem parte da construção das barragens hidroeléctricas no Rio Kwanza e também temos muitas outras na área dos transportes aqui em Luanda.
Que empresa sueca está em Luanda nos transportes?
Temos a Auto sueco, que tem um plano de como Luanda pode acabar com o problema de trânsito. Temos também empresas com ideias na área das TIC como é o caso da Erickson, que gostaria muito de aplicar aqui, caso tivesse esta possibilidade, e outras no sector da reciclagem de lixo.
As empresas que cita já investem estas ideias ou pretendem aplicar?
Se tivessem possibilidade, e for do interesse dos angolanos, é claro que investiriam. Estamos abertos a fazer este tipo de investimento.
O que falta para aplicarem estas ideias no país?
É necessário que os angolanos se manifestem e mostrem interesse nesses investimentos das empresas suecas em Angola.
Não há abertura da parte das autoridades angolanas?
Tem muito que ver com as províncias ou mesmo o Estado. Se há uma coisa boa que tem a Suécia, que o Governo angolano sabe um pouco, pelo menos, tem que ver com os financiamentos. Por exemplo, no sector da energia, temos uma entidade sueca que pode conceder dinheiro e garantir que as empresas façam o que quiserem fazer. É um método de financiamento muito bom para o Governo angolano. E isto é uma das vantagens da Suécia, porque poucos países têm Governo que podem ter estas garantias de pagamentos. São contratos que não são feitos de um dia para outro. Têm as suas discussões. Acredito que os sectores dos transportes, energia e reciclagem são muito importantes para Angola. E são sectores em que, realmente, a Suécia tem muito a oferecer.
Como os empresários do seu país olham para a legislação empresarial angolana?
Acho que todas as empresas que gostariam de fazer negócios aqui, em Angola, queriam ter a oportunidade de reinvestir no país, mas também queriam ver salvaguardada a possibilidade de tirar parte dos lucros ganhos em Angola e investir noutro lugar. Isso é fundamental para empresas internacionais. Este é um dos problemas. Há também o problema das divisas para pagamentos às empresas que vêm de fora. Mas este é um caso em que o banco central angolano terá de trabalhar muito. Porque o negócio da banca é um negócio de confiança. Se as empresas suecas têm confiança no Governo angolano, porque os empresários suecos pensam a longo prazo, é também importante que os governos angolano e sueco discutam quais são os melhores caminhos para solucionar estas questões. Pois, Angola é um dos países com prioridade na agenda do governo sueco. Aliás, em África, só são três países prioritários.
Quais são os outros países com prioridade na agenda do seu Governo?
A África do Sul e a Nigéria. Angola é o terceiro país.
Tem havido diálogo entre as autoridades angolanas e os empresários suecos no capítulo do repatriamento de capitais?
Não sei exactamente como é que a lei [do investimento privado] funciona aqui. O que é importante pelo menos é que todos os países tenham os mesmos sistemas. Hoje em dia, as empresas que trabalham em vários países precisam que estes países tenham sistemas comparáveis a todos os outros. E uma destas coisas importantes para todos os países é fazer uma legislação que ajuda os investimentos de outras empresas que vêm de fora. E a Suécia é um exemplo muito bom.
Que exemplo concreto o seu país daria a Angola em matéria de legislação empresarial?
Mais ou menos 40% do povo sueco trabalha em empresas internacionais na Suécia. Empresas que criam empregos para os suecos. Se não tivéssemos, na Suécia, empresas que vêm de fora a operar no país, realmente a Suécia viveria uma situação muito difícil. E isso é importantíssimo.
A legislação de investimento angolano tem travado novas iniciativas suecas?
A legislação tem de facilitar as empresas que queiram entrar no mercado angolano. Eu não sei exactamente como é que a lei funciona ou não funciona, mas todos os países têm de ter uma legislação que atraia o investimento estrangeiro.
Qual é o volume de investimento da Suécia em Angola?
Não tenho estes números. O que eu sei é que caiu bastante entre 2012 e 2013. Mas este ano começou melhor. E está a subir de novo.
Quanto estimam fechar até Dezembro na balança comercial entre os dois Estados?
Não sei dizer. Os dados podem estar bem errados. Mas é importante que todos os países criem um ambiente bom para os negócios.
O que Angola vende para Suécia?
Angola vende muito pouco. Acho que tinha alguma coisa que ver com o petróleo. Não sei exactamente como anda isso. O que há, realmente, é mais exportações da Suécia para Angola.
Há espaço para Angola exportar mais para Suécia?
Angola precisa de começar a exportar mais em geral, porque, neste sentido, pode ganhar dinheiro. Eu gostaria muito que Angola exportasse mais para a Suécia. Mas, hoje em dia, a maioria dos negócios que são feitos no mundo normalmente começa com os vizinhos, porque é mais fácil. Na Suécia, por exemplo, o país com o qual temos mais contacto no domínio da importação e exportação é a Noruega, porque é vizinho e é mais fácil. Acho que os países como é o caso de Angola deviam começar com isso, com os vizinhos.
Dos recursos que Angola possui, o que podia exportar mais, por exemplo, para a Suécia além do petróleo?
A embaixada de Angola em Estocolmo tem mais conhecimento sobre isso, assim como eu sei sobre as coisas que a Suécia pode exportar para cá.
O seu país tem escassez de tomate. Acha que é um ponto por onde Angola deve iniciar a exportar para Suécia?
É verdade. As frutas e outros vegetais são difíceis para nós, suecos, por causa do frio. São coisas boas para Angola exportar para a Suécia. Antes de Angola começar um trabalho como este, é preciso fazer pesquisas e ver quais são os mercados e preços. Mas com certeza, e depois de uma pesquisa, são sim coisas boas para exportar para Suécia. Os suecos são muito abertos a novos produtos, especialmente sobre comidas. Eu não sei quanto de tomate Angola produz, mas pode ser uma dessas coisas.
A Volvo é originária da Suécia. Acha que, no futuro, Angola pode ter uma fábrica de montagens desta marca de automóveis?
Quando se fala de carros, acho complicadíssimo, no sentido de que normalmente num carro há peças que vêm de 50 países, por exemplo. Isso significa que, quando se está na área dos automóveis, é complicadíssimo. E hoje em dia, a Volvo tem produção em vários países e coloca peças para fazer carro no Brasil, China e vários outros lugares. E isso também tem muito que ver com o preço de exportação. Hoje, por exemplo, é mais favorável produzir carros no Brasil do que exportar para China. E a Suécia depende um pouco do comportamento do mercado internacional.
Este modelo não podia ser aplicado em Angola?
Se houver um mercado aqui, acho que há sempre esta possibilidade. Para realizar isso, precisam-se de pessoas que saibam fazer tudo isso, e aqui voltamos ao campo do investimento na Educação. Noutros países, há pessoas com essa formação, por isso dá para fazer. Mais uma vez, formação e educação são base para tudo.
Que outros investimentos a Suécia estaria disposta a fazer em Angola?
Gostaria de sublinhar o sector da energia, porque a energia é também uma coisa de queAngola precisa, mas também dá para exportar a outros países. Por exemplo, as hidroeléctricas, com um bom sistema de transformação, o país pode exportar para a África do Sul, Namíbia e outros lugares.
O seu país é auto-suficiente em matéria de energia?
Sim. Porque nós temos água. E, às vezes, exportamos também energia. Para nós, precisamos mais de energia na época do inverno, quando faz bastante frio, para aquecer as casas. Aqui, em Angola, é mais para sustentar os aparelhos de ar-condicionado, devido ao calor.
No domínio da banca não há empresários suecos a investir…
Não. Não temos. Acho que muitos dos bancos hoje trabalham juntos, não abrem novos bancos. Trabalham entre bancos. Mas, se os bancos suecos ou nórdicos acharem que há um negócio em Angola, acredito que eles viriam ao país. Todas as coisas que tenham que ver com empresas têm de estar baseadas num plano de negócio. Se tiverem a possibilidade de fazer bons negócios, eles investem.
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...