“Não é a crise que nos faz atirar a ‘toalha ao tapete’”
O vice-governador para o Sector Económico do Namibe acredita que “é na crise que se devem encontrar soluções económicas sustentáveis, fazendo muito com pouco”. Em entrevista ao VALOR, Alcides Cabral defende um diálogo entre o governo e o sector privado para se minimizarem os efeitos da crise e faz um balanço do que é hoje o Namibe.
Porque chamam o Namibe ‘terra da felicidade’?
Denominamos como sendo a ‘Terra da felicidade’, porque acreditamos que o Namibe é mesmo a terra da felicidade. É uma província ‘suis generis’ e ímpar em Angola, que é banhada por um Oceano com 485 quilómetros de linha de água. E temos um deserto que é o mais antigo do Mundo – o Deserto do Namibe – situado a sudoeste da província. Não temos grande vegetação. A flora é bastante escassa e temos de conviver com essa realidade. Mas o deserto é um desafio e consideramos como uma oportunidade que deve ser explorada de forma inteligente, muito parcimoniosa para que todos os recursos sejam utilizados de forma mais racional possível.
O país vive um período de crise económica. Como isto afectou a província?
Não estaria a ser ético se dissesse que a situação económica do país não nos afecta. Mas não nos inibe, porque não deixamos de fazer as nossas actividades pelo simples facto de o preço do nosso principal produto de exportação estar a um nível muito baixo. Talvez não estejamos a fazer a 100%, mas não deixamos de fazer. Porque entendemos que é melhor atingir um nível de execução mesmo que não seja a 100%. Não é por isso que vamos cruzar os braços e atirar a toalha ao tapete. Muito pelo contrário. É neste mar de dificuldades que estamos a encontrar alternativas sustentáveis para podermos do pouco fazer o muito.
Foram obrigados a cortar nas despesas?
Há actividades que não podemos fugir delas. Temos um cronograma até ao final do ano. Sabemos o que vamos fazer até Dezembro. Não esperamos que as coisas aconteçam. Essa é a nossa realidade no Namibe. Porque o governo é que tem de ser o promotor, dinamizador e incentivador de toda a acção. Então, temos de ir à luta.
Como vai aliviar a pressão da crise?
Temos conversado com os nossos parceiros, camponeses e criadores de gado tradicionais. Se cada um der um cabrito, um boi, uma ovelha, uma galinha e até um ovo, vamo alimentar-nos e realizar a nossa actividade com a barriga cheia. Este é o ponto de partida. Depois é a vontade e o querer de cada um de nós. Por isso, é que dizemos no nosso ‘slogan’ e que é a bandeira que ostentamos: ‘Namibe – Terra da felicidade’. No Namibe, não há infelicidade para ninguém. Para nós, nada é impossível. Tudo é possível, desde que nos empenhemos e arregacemos as mangas.
O Namibe consta do grupo de províncias com alto potencial de criação de gado. Já é autossuficiente na alimentação?
Neste momento, podemos ombrear com as províncias onde já se produz tudo o que se consome. Não importamos nada do campo. Temos um efectivo pecuário que, ao nível do gado bovino, é o terceiro maior do país, e ao nível de caprino e ovino, temos o maior efectivo do país. Sem medo de errar, estamos com um efectivo avaliado aproximadamente em três milhões de caprinos e ovinos e à volta de um milhão e meio de bovinos. Desde a carne aos legumes, produzimos tudo de que precisamos para a nossa subsistência, sem necessidade de importar rigorosamente nada. Temos condições, ao longo dos vários vales da província, atendendo que não temos nenhum rio de caudal permanente. Todos os nossos rios são de caudal periódico.
Onde buscam alternativas?
A nossa água é rigorosamente extraída do subsolo. Ainda assim produzimos para o consumo interno e exportamos para as outras províncias, nomeadamente Huíla, Benguela e Luanda. Temos também conhecimento que os nossos produtos têm sido comercializados no Norte, mais concretamente no Uíge e Zaire. Quer dizer que o nosso deserto é rico, não é pobre. Não podemos ver o deserto como uma desgraça. Mas sim uma oportunidade e potencialidade que temos de gerir com sabedoria, de forma mais inteligente possível. No deserto, podemos ir buscar tudo de que precisamos para a nossa subsistência.
Que outras actividades sustentam a economia do Namibe?
O sector das pescas. No Tombwa, renasce das cinzas, tem vida, com novas unidades de capturas, congelação e de farinha e óleo de peixe. O Tombwa está a atrair, actualmente, pessoas de outras províncias que vêm à procura de emprego no Namibe e usufruir das condições que a província vai oferecendo. São situações que surgem pelo benefício de crescimento e de melhoria das condições de vida que estamos a dar. E isso aumenta na população estudantil. Temos de construir mais escolas, dar melhores condições de Saúde, porque a população aumentou e temos de dar mais água.
Quantos empregos directos foram criados com a recuperação das fábricas?
O nosso grande problema era mesmo o desemprego, fundamentalmente na zona sul. Temos três zonas: a Norte, na Lucira, a do Centro, no Namibe, e à zona Sul que é o Tômbwa. Qualquer uma dessas áreas são muito produtivas no domínio das capturas e transformação do pescado. Algumas fábricas estão ainda em fase de reabilitação, mas há outras que já estão a produzir em larga escala, estando a abastecer algumas províncias , e a diversificar a dieta alimentar.
Que números justificam estes avanços?
Há um ano, no Tombwa, não havia nenhuma unidade a funcionar. Neste momento, já estamos acima de quatro mil empregos directos. Quer dizer que são mais de quatro mil famílias que estavam desempregadas e que não tinham como ter o seu sustento, mas hoje já têm. Além dos que estão a trabalhar directamente nessas ‘n’ [várias] unidades, há aqueles que também completam o seguimento da comercialização ou em mais diversos domínios. São aqueles que compram e os que levam mais além. Quer dizer que isso funciona como uma ‘bola de neve’ e esse número de trabalhadores vai aumentando à medida que o nosso peixe vai chegando às outras províncias.
Faz muita referência à exportação de peixe a outras províncias. Tem registo do número de famílias que consomem peixe do Namibe?
Se formos a contabilizar, apesar de não termos a estatística presente, o número de pessoas que dependem neste momento do peixe produzido no Namibe é capaz de chegar aos milhões. Sem exagero. Acredito que, à mesa de casa cidadão, deve chegar pelo menos um carapau, uma sardinha, ou uma corvina pescada no Namibe. E à sua mesa também, não é? (risos).
Que zona da província é mais abundante em peixe?
O Tômbwa representou, por altura da independência, 66% do esforço de pesca de todo o país, concorrendo com Cabinda, Zaire, Bengo, Kwanza -Sul, Benguela (…). No cômputo geral, só o Namibe representava 66% do esforço de pesca. É para dizer que o Tômbwa é um potencial, é um ‘monstro’ que está semi-adormecido. Vamos contar com as pescas como a base económica do desenvolvimento do Namibe.
Que outros proveitos a província tira do mar?
O Namibe é um dos maiores produtores do sal do país. Temos aproximadamente quatro salinas, uma das quais é a que mais produz ao nível do país (não vou aqui fazer publicidade da empresa), além de outras que paulatinamente vão aumentando os seus níveis de produção. Esperamos que, brevemente, se venha a criar uma fábrica de higienização, refinação, iodização e empacotamento do sal. Desde sal de cozinha ao sal de mesa. Tudo feito localmente com investimento privado.
Esses projectos de pesca têm ‘mãos’ privadas. Onde é que o Estado actua?
O Ministério das Pescas tem programas devidamente direccionados, não só para o aumento da produção, mas também para a recuperação e ampliação das salinas. O que pressupõe também o aumento da produção de sal. Neste momento, está em execução a recuperação de todas as salinas que estavam abandonadas e desactivadas, por várias razões, e que agora estão a ressurgir, assim como no Tômbwa aquelas pescarias todas que estavam abandonadas estão a ser requalificadas e modernizadas. Aqueles equipamentos obsoletos estão a ser removidos, a ir para siderurgias em Luanda, para fundições e, em substituição, são colocados novos equipamentos para a produção de conservas de peixe.
De agricultura nada se pode dizer…
Em 2014, quando foi aprovado na terceira sessão da reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, no Namibe, o programa directo de apoio às famílias camponesas, com um total inicial avaliado em mil milhões de kwanzas, arregaçámos as mangas e lançámos mãos à obra.
O que fizeram de concreto se a província não tem condições para a prática da agricultura devido à seca?
Nunca lamentámos da seca, porque o Namibe é uma província desértica e o deserto é sinónimo de seca. O deserto existe por ausência de água. E é a única província no país que tem deserto. Estamos habituados a conviver com o deserto.
E que destino deram ao financiamento do Estado?
Estruturámos o programa, definimos prioridades, fizemos as aquisições em função das prioridades que definimos e lançámos os pólos de desenvolvimento agrícola que, numa primeira fase, deram origem a três polos em cada município. Temos cinco municípios , contando com a sede, e estamos neste momento com 15 polos agrícolas. Do universo de aproximadamente quatro mil famílias que estavam engajadas nesses polos agrícolas, temos actualmente uma demanda que nos obriga a alargarmos já os polos, de modo a poder abranger mais pessoas. Não é que a população tenha crescido exponencialmente. É mais pelas condições que foram criadas na província, para as pessoas produzirem para si, e atraiu as populações de províncias vizinhas, nomeadamente Huila, Cunene e Benguela. E instalaram-se na periferia dos polos, agregando-se aos que fomos criando. Numa região onde havia, por exemplo, 400 famílias, hoje já há entre mil e 2.000 famílias a trabalharem nos pólos. Então isso também nos cria algumas dificuldades pelas condições óptimas que o Namibe possui e oferece aos seus cidadãos. E isso não acontece só na agricultura.
Já há estatísticas dos resultados dos polos agrícolas?
Melhor do que falar é ir visitar os polos e ver como é que essa população vive feliz. Acabámos com a desnutrição. O Namibe saiu da lista da emergência da seca e da fome. Hoje, produzimos excedentes para exportar para outras províncias. Agora com os novos pólos de desenvolvimento agrícola, a ideia de que a população autóctone apenas se dedica à pastorícia está a ser contrariada.
Além do peixe, que produtos locais são vendidos noutras regiões?
A batata, a cebola, tomate e todas as hortícolas. Também temos estado a investir na produção da vinha e do olival, para, num futuro muito em breve, produzirmos vinho aqui da província e seus derivados e a produção do azeite de oliveira. Temos campos vastos construídos de raiz que já estão a produzir. Muito brevemente, tão logo as condições estejam criadas, vamos ter também uma indústria de produção de oliveira. O sector privado vai assumir a produção. No domínio público estarão os projectos da área social. Isso acontece [também] na Saúde e Educação .
Que projectos são já assinaláveis nas águas?
Neste momento, temos um programa centralizado e que tem à frente o Ministério da Energia e Águas, através da Direcção Nacional das Águas, que é o projecto de ampliação da rede de captação, transporte, armazenamento e distribuição de água potável, ao qual se associa a componente do saneamento básico e das estações de tratamento de resíduos sólidos urbanos.
Quando é que esses desideratos saem do papel?
Já estão em execução. A esta altura, a nossa cidade está meio ‘destruída’, mas é um mal que vem para o bem. Temos de fazer abertura para a passagem dos esgotos, a tubagem de água, etc. E vamos viver ainda durante algum tempo com as ruas assim meio descaracterizadas, mas dentro de muito pouco tempo vamos colher os benefícios desse sacrifício a que nos estamos a submeter agora.
Qual é a participação do privado na economia do Namibe?
O que é responsabilidade do Governo nós [a administração] não abdicamos: Saúde, Educação, Água, Energia. Até na habitação social. Neste domínio, temos já construídas quatro mil residências, nas duas centralidades do Namibe, com duas mil residências cada uma. Já estão concluídas em termos físicos, faltam os complementos que temos estado a trabalhar, que tem que ver com a água, energia, saneamento básico e tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Quando é que a Centralidade do Namibe recebe inquilinos?
Acreditamos que ainda este ano iremos abrir inscrições para os da província se candidatarem à aquisição dessas quatro mil residências. O Namibe também liderou todo o processo de construção das casas da juventude, ou seja, dos bairros sociais da juventude. A província executou a 100% o número de casas que estavam previstas no bairro social da juventude, com um total de 200 vivendas. Neste momento, temos um bairro, com orgulho e sem medo de errar, que é um bairro na verdadeira essência da palavra. É um bairro social com 200 vivendas, devidamente organizadas, estruturadas e respectivos arruamentos. Já temos água em todas as residências e energia eléctrica. Agora vamos trabalhar na asfaltagem das ruas e na preparação dos passeios, lancis, etc.
Em que município está situado o bairro da juventude e quando recebe famílias?
Está no município do Namibe (sede da província), no bairro Sacomar, a norte da cidade. É um projecto do Governo virado a toda a juventude do Namibe. Já está toda habitado, servindo o papel para qual foi criada.
“O Namibe não tem número exagerado de alunos”
Que outros indicadores fundamentam o lema ‘Terra da Felicidade’? No domínio da Educação, temos três núcleos universitários: o Instituto Superior Pedagógico, o Instituto Superior Politécnico e o Instituto Superior Gregório Semedo, que é privado, sem contar com a Academia de Pescas e Ciências do Mar, que, brevemente, será inaugurada. Ao longo deste ano, vamos inaugurar a Academia de Pescas, que é uma das academias maiores de África e do mundo. E vai servir não só a população estudantil do país e da África e quiçá de outros continentes. Na Saúde, somos privilegiados porque, felizmente, começa pelo estado de higiene e salubridade da nossa cidade. Podemos orgulhar-nos de viver num ambiente limpo, sadio, onde todos nos esforçamos diariamente para manter a cidade limpa. Além disso, temos centros hospitalares em todos os bairros , não só na sede, mas também noutros municípios. Temos centros médicos no Virei, no Tômbwa, Camucuio, Bibala e naquelas comunas mais densamente povoadas.
Quando é que as infra-estruturas foram erguidas?
Estamos sempre a construir. Começámos a construir desde a independência, para cobrir o défice das infra-estruturas que não tínhamos, desde então nunca parámos. Até hoje continuamos a construir porque a população não pára de crescer. Com o aumento da população, vimos a necessidade de construir mais escolas do segundo ciclo, ensino médio e do ensino técnico profissional. Não temos aquele número exagerado de alunos nas escolas.
Então o Namibe não tem ninguém fora do sistema de ensino…
Não vou dizer que não temos crianças fora do sistema de ensino. Poderá haver crianças que, sazonalmente, fiquem sem estudar. Essas crianças, por uma razão ou outra, não estão inseridas, porque temos uma população que ainda é um pouco itinerante, nómada, que faz a transumância do gado. Não é por falta de estabelecimento escolar em si, é devido à transumância, à movimentação que os pais vão fazendo com o gado e arrastam consigo as famílias. E isso faz com que, muitas vezes, os filhos sejam deslocalizados do seu ‘habitat’ normal, onde têm escola, posto médico e centro de saúde. Então ele pode ficar fora do sistema de ensino devido à transumância dos encarregados de educação, devido à procura de melhores condições de pastagens do gado, considerando também que a nossa população autóctone é sobejamente conhecida como uma população pastoril.
E como são acolhidas quando voltam à terra de origem?
Depois de regressarem ao seu ‘habitat’ normal, essas famílias encontram as condições da prática da agricultura. Agora com os novos polos de desenvolvimento agrícola, está a ser uma realidade.
O Namibe saiu da lista da emergência da seca e da fome. Hoje, produzimos excedentes para exportar para outras províncias. Agora com os novos pólos de desenvolvimento agrícola, a ideia de que a população autóctone apenas se dedica à pastorícia está a ser contrariada.
"Nunca lamentámos da seca, porque o Namibe é uma província desértica e o deserto é sinónimo de seca. O deserto existe por ausência de água. E é a única província no país que tem deserto. Estamos habituados a conviver com o deserto. Se formos a contabilizar, apesar de não termos a estatística presente, o número de pessoas que dependem neste momento do peixe produzido no Namibe é capaz de chegar aos milhões. Sem exagero".
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