“Não é nada fácil filmar em Angola”
ARTES CÉNICAS. Com mais de 15 filmes realizados, Jorge António revela “não ser fácil filmar em Angola”, pela “falta de estruturas profissionais e competentes”. A crise agravou as dificuldades. Apesar disso, prepara-se para estrear a ‘A Ilha dos Cães’, mas o realizador continua a defender que o Estado tem obrigação de apoiar o cinema.
Como vê uma possível projecção internacional do cinema em Angola?
Desde que fiz o ‘Miradouro da Lua’ em 1992 (1.ª co-produção luso-angolana) acompanhei sempre o cinema angolano. O problema é que, em Angola, não existe ainda uma lei e orçamentos capazes para apoiar produções internas que possam competir nos mercados internacionais com excepção de alguns realizadores. Mas mesmo esses realizadores conseguiram-no com produtores e financiamentos internacionais. Essa é, neste momento, a única alternativa, porque, a nível local, os orçamentos para o cinema e audiovisual são tão baixos que não permitem que os filmes tenham uma qualidade técnica e artística que permitam dar esse salto.
Justifica-se haver uma escola de cinema em Angola?
Sim, justifica-se sempre desde que existam políticas para o desenvolvimento da educação e das artes.
Fazer cinema é caro. O que deve ser feito para não estar dependente de patrocínios?
Não estar dependente de patrocínios é estar englobado numa estratégia de financiamentos estatais e de uma política cultural. O cinema em Angola, como na maior parte dos países, depende dos orçamentos de Estado. Mas, em Angola, ainda se depende de outros factores como a educação, em geral, a formação específica e técnico-profissional, as escolas de arte e de uma política e estratégia para o cinema e audiovisual.
Sembene Ousmane, o pai do cinema africano, disse que “Um país sem cinema é um país sem história”. Concorda?
Sim, claro. E disse-o num contexto específico da cultura e politicas africanas. São as imagens e as histórias que irão perdurar. As artes, em geral, o cinema e a educação são a base intelectual das sociedades.
É fácil filmar em Angola?
Não, pelo contrário. A falta de estruturas profissionais e competentes, aliada às dificuldades logísticas e aos preços elevados no aluguer de equipamentos (até a alimentação e dormidas, para quem vem de fora, por exemplo), podem levar a deslocação de equipas e meios para outros locais mais económicos.
Como é que a crise económica afectou o seu trabalho?
Nesta última produção, ‘A Ilha dos Cães, por exemplo, Angola, que deveria ser um dos parceiros e em cujo território se iria realizar cerca de metade da rodagem, nada disso aconteceu, quase que o projecto foi inviabilizado. Tivemos de alterar toda a produção. Sempre que há crises económicas, a cultura é sempre a primeiro a ser afectada. E o cinema, como uma arte bastante cara, ressente-se bastante.
A ‘Ilha dos cães’ é uma adaptação do romance ‘Os Senhores do Areal’ de Henrique Abranches. Porquê esse título?
Porque, com o desenrolar do trabalho de adaptação e de escrita de guião, nos pareceu mais actual e mais próximo com o que estávamos a escrever. Acontece, muitas vezes, nas adaptações surgirem novos caminhos que levam a títulos mais adequados.
Que custos teve com este filme?
O filme teve o apoio do ICA e da RTP, em Portugal, e do governo de S. Tomé e Príncipe, num orçamento aproximado de cerca de 700 mil dólares. Foi menos do que o custo médio de uma longa-metragem em Portugal (mais de um milhão de dólares) ou de uma longa-metragem na Europa (entre os seis e os sete milhões de dólares).
Onde foram feitas as filmagens?
As filmagens decorreram em Portugal, nos estúdios Cinemate em Lisboa, em S. Tomé e Príncipe e em Luanda e do Namibe.
A equipa é toda angolana?
A equipa tem elementos de várias nacionalidades e alguns actores angolanos, entre eles, Miguel Hurst, Ciomara Morais, Daniel Martinho, Miguel Sermão, Matamba Joaquim, Giovanni Lourenço etc.
Quando vai estrear em Angola?
O filme tem estreia prevista em Portugal, S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique para meados de Setembro.
PERFIL
Jorge António nasceu em Lisboa a 8 de Junho de 1966. Especializou-se na área de produção na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa em 1988. Desde então, está ligado ao cinema e audiovisuais. Em 1991, inicia-se na realização de cinema com a curta-metragem ‘O Funeral’. Em 1993, realiza a longa-metragem e 1.ª co-produção luso-angolana, ‘O Miradouro da Lua’. Entre 2007 e 2009 foi consultor para os assuntos internacionais do Instituto Angolano de Cinema, Audiovisual e Multimédia e membro da Comissão Organizadora do 1.º Festival Internacional de Cinema de Luanda. Desde 1995 é produtor executivo da Companhia de Dança Contemporânea de Angola.
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