“Não estou preocupado em agradar ao público, faço o que me inspira”
ARTES PLÁSTICAS. Vencedor da 14.ª edição do Ensa Arte, na categoria de Pintura, foi premiado com 1,5 milhões de kwanzas. O artista descreve o momento como “único” e aconselha que se estude políticas culturais para a criação de um museu de arte contemporânea. Este mês vai estar na residência artística, Etinause not dy what you, com a curadora Sónia Ribeiro, em Lisboa.
O que o inspirou a conceber a obra com a qual venceu o Ensa Arte?
Foi concebida em três semanas e a grande motivação foi, na altura, o caso Net, já que o vídeo estava a rolar nas redes sociais; os ataques à Síria, a venda de homens negros para os brancos. Naquela altura, fiquei muito triste e procurei exteriorizar para as telas e deu nesse resultado, que é o grande prémio de pintura, ‘Os desejos da menina’, porque ela quer respeito, igualdade e tolerância.
Não é a primeira vez que concorre?
A primeira vez não fui seleccionado. A segunda vez venci o prémio da Alliance Française e, desta vez, sou o grande vencedor. Não tenho palavras para expressar os sentimentos e a satisfação. É um momento de muita felicidade.
Vê melhoria nas artes em Angola?
O mercado está a crescer. Temos mestres e novos artistas. Há quem esteja preocupado em abordar o que o inspira. Uns estão preocupados em satisfazer o comprador; outros com a estética decorativa; outros não se preocupam em vender, simplesmente querem deixar uma mensagem de educação, confronto e debates entre outros temas ligados à política e à sociedade. Estamos numa época contemporânea.
E, no seu caso, está preocupado com quê?
Não estou preocupado em agradar ao público, faço o que me inspira e os problemas sociais inspiraram-me bastante. Passei por uma fase dos guiadores, em que a galeria de Paris comprou quase todas as obras. Nesta fase, usava a parte frontal das motorizadas para as personagens. E que, por acaso, teve muito sucesso, vendi todas as séries. Quando comecei com a nova fase, a mesma galeria não mostrou interesse nenhum, simplesmente disse não estar interessada.
Qual das amostras mexeu com o seu ego?
A nova fase mexeu mais com o meu ego, porque me vejo dentro do trabalho e da mensagem que passo. Por exemplo, quando pintei a obra a que chamei de ‘riquezas africanas, foi falar um pouco de mim e da cultura. Nele dizia que não podemos apegar-nos só ao petróleo e aos diamantes e que devemos olhar e pensar noutros potenciais, como a pesca e agricultura.
As suas obras apresentam uma problemática. O que pretendeu com a obra ‘Resistência’?
Dei conta que não havia muito respeito entre o ser humano, que começa internamente e termina externamente. Temos muitos conflitos sociais e políticos. A Europa e a América consideram-se a ‘mãe das nações’ e África, a filha. Mas, se formos ver a história da humanidade, o osso mais antigo foi descoberto em África. Estamos a ser pisados.
Tem alcançado os objectivos?
Sim! Porque o meu trabalho educa, acorda as pessoas, reivindica e pode ser usado como trabalho didáctico ou ainda de pesquisa.
Como é que o país ganha com a produção de artes plásticas, sendo que boa parte das obras são compradas por coleccionadores estrangeiros?
A primeira coisa seria estudar as políticas culturais e, em Angola, ainda não foi estudada. Até agora não temos um museu de arte contemporânea. Países como a África do Sul e o Zimbabué têm museus de artes. O museu vai favorecer e chamar turistas ao nosso país. Turismo não são só as Quedas de Kalandula. No turismo, perdemos muito por falta de um museu de artes e todas as empresas saem a ganhar, as companhias e os hotéis. É triste quando vamos para uma exposição internacional e perguntam se existe algum museu de artes em Angola!
Há coleccionadores e críticos suficientes?
Temos apenas, nos críticos, o Adriano Mixinge, a Susana e a Paula do Nascimento. E poucos coleccionadores, além das empresas. O crítico deve também escrever sobre arte.
O artista deve pintar segundo os critérios do mercado, clientes ou as suas inspirações?
O artista é uma pessoa livre e deve pintar segundo o seu intuito e depois materializar.
PERFIL
Cristiano Mangovo Brás, de 35 anos, é natural de Cabinda. Obteve o diploma de graduação da Faculdade de Belas Artes, em Kinshasa. Acumula cerca de 40 exposições entre individuais e colectivas. Em 2014, foi premiado pela Mirella Antagnolli na embaixada da Itália e da França; no mesmo ano, ganhou o prémio Alliance Française. Representou o pavilhão de Angola, em 2015, na Expo de Milão. Em 2017, foi premiado e uma residência artística com uma exposição individual em Harare. Já expôs em Portugal, França, Itália, África do Sul, Zimbabué, RDC, Bélgica, Angola e EUA.
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