“Não há como sermos enganados por falsos investidores”
Na primeira entrevista exclusiva, desde que foi empossado, em Março, o PCA da Agência de Investimento e Promoção das Exportações (AIPEX) revela o estado em que encontrou a instituição e os desafios que tem pela frente. Assegura que o critério de avaliação de projectos que impera no órgão é dos mais fiáveis que existe, descartando, no entanto, qualquer facilidade para investidores ‘caloteiros’ e defende um papel mais actuante do Estado na promoção e apoio aos empresários nacionais.
Como encontrou a casa e que desafios vai ter?
O sistema de investimento privado mudou. Com a criação da AIPEX, voltou a concentrar-se numa só instituição, que faz parte da administração directa do Estado, a função de tramitação, promoção do investimento privado a todos os níveis e também das exportações. Ou seja, deixou de haver a dispersão dessas unidades nas chamadas UTAIP, que estavam distribuídas pelos vários ministérios. Com esta nova unidade, foi também aprovada a nova Lei do Investimento Privado, que ainda não foi publicada. Deve estar a sair da promulgação pelo Presidente da República. Sem a lei publicada, não teremos o novo sistema a funcionar.
Em que ‘dossier’ tem estado a trabalhar?
Desde que fomos empossados, estamos a fazer actos correntes, no sentido de dar tratamento a algumas situações a investimentos passados. Não aprovámos nenhum investimento novo até ao momento. Estamos a atender aquelas situações normais, como a emissão de declarações para a renovação de visto do investidor, entre outros processos.
Há muitos processos que ficaram ainda por ser observados?
Fizemos um balanço e encontrámos, de facto, processos que estavam em transição, quer na anterior UTIP, quer nas UTAIP sectoriais. E m transição na UTIP, existiam pouco mais de 25 projectos dispersos pelos vários sectores. E nas UTAIP, todas elas consumadas, podemos dizer que cerca de 55 projectos estavam em curso e são esses projectos que vão agora ser tratados com base na Lei do Investimento Privado. O balanço foi feito. Foi feita a transferência dos projectos e dos arquivos das UTAIP para a nova agência e já foi remetido ao Executivo para apreciação.
Já é possível aferir o número de postos de trabalho e o volume de investimento dos processos que transitaram para a AIPEX?
Vamos dar essa informação ao público em Julho, quando tivermos concluído os nossos programas. Nessa altura, vamos dar os números do que esperamos alcançar em volume de investimento, número de empregos a gerar por sector e em poupança de divisas.
O mandato da anterior direcção ficou praticamente manchado, após um suposto grupo de empresários tailandeses ter sido considerado pela PGR como falsos investidores. Como a actual direcção está preparada para fazer face a eventuais situações do género?
Primeiro, a agência tem de ter um procedimento de tramitação que deve deixar já em alerta quando um dado investidor tem procedimentos anormais. Do histórico que temos da ocorrência que faz referência, notamos que todos tiveram um comportamento atípico e poderiam ter sido denunciados mais cedo. Tendo em conta os nossos critérios de avaliação, não tem como ser enganados. Nenhum desses episódios que foram alvo de actuação por parte da PGR foram tramitados. Foram apenas intenções de investimentos, mas nenhum foi tramitado.
E que requisitos a AIPEX exige aos investidores ainda na fase de intenção?
Quando o investidor vem cá, tem já um processo de investimento suficientemente preparado para dar tramitação. Nesta casa, não se negoceia financiamento. O normal é o financiador vir já com o seu financiamento interno ou externo negociado e aqui vem buscar outros apoios. Mas, conhecendo a situação do mercado interno, temos dado também apoio a alguns investidores e promotores, sobretudo nacionais, informando quais as facilidades financeiras e onde é que podem socorrer-se para financiar um ou outro projecto. Mas o normal é o promotor vir cá já com o financiamento resolvido.
Que sectores a AIPEX dá prioridade?
Na captação de investimento, vamos dar prioridade aí onde o país mais rapidamente substitui as importações e, depois, onde o país mais rapidamente promove as exportações. Na agricultura, vamos destacar os cereais, pecuária e produtos da floresta. Vamos priorizar também a indústria transformadora que trabalha a montante e a jusante desses sectores, como rações para as aves, instrumentos para a agricultura camponesa, entre outros. As pescas terão também prioridade. Não somente a pesca de mariscos e peixe, mas também ao processo de transformação do pescado em farinha e óleo de peixe. Também vamos prestar alguma atenção aos têxteis e vestuários, sectores em que já se ficou por se fazer alguma substituição de importação. São as áreas que têm que ver com o consumo massivo da população e são áreas que têm que ver com fornecimento de matérias-primas que produzimos internamente.
Que avaliação faz das intenções de investimentos em Angola?
Há muito interesse por parte dos investidores? Sim! E muitas delas resultantes da digressão que o Presidente da República, recentemente, fez, primeiro, em África, na Zâmbia e Namíbia, e depois na Europa, em França e Bélgica. Temos tido muitos empresários a solicitar informações sobre o clima de investimento e, como já é regra, os investidores portugueses e de outros países da Europa, China e EUA continuam a liderar as intenções. A agricultura tem sido, de facto, uma das áreas com mais pedidos, seguida da indústria transformadora. Temos também algumas intenções ligadas às pescas e aos serviços de apoio ao sector produtivo.
Outra questão muito recorrente tem que ver com o ambiente de negócios em Angola, considerado por algumas agências internacionais, como o Banco Mundial, como dos piores no mundo. Que avaliação faz?
O ambiente de negócios não está ainda no seu melhor, mas faz progressos. A primeira grande variável que influencia a existência de um bom ambiente de negócios está relacionada com as infra-estruturas, pontes, estradas, energia, água e telecomunicações. Esta é uma variável que tem um grande peso na atracção de investimento privado. O relatório ‘Doing Business’ do Banco Mundial junta 10 variáveis em que inclui a obtenção do crédito, electricidade, facilidade de registo de propriedade, enfim. Nas variáveis ligadas aos serviços de justiça, como a protecção de contratos ou a execução célere das decisões dos tribunais, ainda existe algum atraso. E isso dá a sensação de impunidade aos investidores. Porque, se os serviços de justiça são lentos, dá a entender que não se cumpre uma deliberação do tribunal no que deveria ser cumprido. Apesar de alguma melhoria, há ainda o registo de algum atraso nas variáveis ligadas à protecção da propriedade e na execução de sentenças. Embora se reconheça que o país, nesta altura, carece ainda de pessoal suficiente na justiça.
São só esses factores que condicionam o bom ambiente de negócios em Angola?
Não! Um outro problema é a disponibilidade de mão-de-obra qualificada. Ainda é um problema dispor de mão-de-obra qualificada na produção, como mecânicos, electricistas, engenheiros electromecânicos, pessoas ligadas às fábricas e à construção de pontes. Uma quarta variável, que tem grande influência no ambiente de negócios, são as cadeias produtivas que, embora já tenham estado bem encadeadas no passado, hoje perderam-se por causa do ambiente que vivemos no passado. Quem produzir, por exemplo, ovos tem de ter um aviário. Não precisa de produzir milho para produzir ração para alimentar o aviário. Tem de comprar a ração. Então, quem quer produzir ovos precisa que haja alguém que produza milho, para fornecer alguém que produza ração e este último forneça ovos e frangos. Não temos ainda toda essa cadeia alinhada, mas estamos a trabalhar nesse sentido.
E qual deve ser o papel do Estado no meio de todo este cenário?
Essa seria uma quinta variável. E aqui resumo em dois aspectos. Primeiro, a protecção aduaneira e a produção local. O Estado tem de proteger a produção que já existe contra a concorrência externa e depois priorizar a produção local. Ou seja, o Estado tem de fazer políticas de compra interna de produção local, por um lado e, por outro, estimular o consumo dessa produção local. A lei das micro, pequenas e médias empresas estabelece, por exemplo, que as unidades orçamentais do Estado devem dedicar, pelo menos, 25% dos seus orçamentos anuais em compras a elas. Se fizéssemos cumprir esse preceito, seria uma grande ajuda às empresas nacionais.
O facto de a nova versão da Lei do Investimento Privado excluir a obrigatoriedade de se fazer parcerias com angolanos não coloca em desvantagem o investidor nacional que, muitas vezes, está desprovido de recursos?
A lei diz que o investidor privado é livre de, sozinho, fazer investimentos no país. Mas temos registado que muitos investidores privados fazem questão de fazer parcerias com nacionais. E muitos até questionam se não é possível ter uma participação do Estado num ou noutro projecto por causa de alguma facilidade institucional que supõem existir se o Estado fizer parte do projecto. Em Angola, e assim diz a lei, todos os investidores têm os mesmos direitos e obrigações e terão a mesma atenção do Estado. Agora, é verdade que não temos ainda uma classe empresarial numerosa e suficientemente rica ou detentora de recursos financeiros. E aqui defendo que deva haver um papel mais actuante do Estado em fazer políticas de promoção e de apoio desses empresários nacionais que precisam de fazer investimentos no mesmo pé de igualdade com os estrangeiros.
Uma das principais tarefas da AIPEX é a promoção das exportações. Qual é a estratégia, em termos práticos?
Isso foi operado da seguinte forma: os ministérios sectoriais, como o da Economia e Planeamento, Pescas e Indústria, fazem fomento da produção. O nosso trabalho está centrado naquelas produções onde já existe alguma produção local e que já se começa a exportar. Vamos analisar e avaliar que constrangimentos têm estes pequenos exportadores para depois então prestar-lhes algum apoio para que consigam exportar em maiores quantidades e maior conforto.
Já há produtos nacionais identificados para eventual promoção e exportação?
Temos uma lista de alguns produtos que quer o Ministério do Comércio, quer o da Economia e Planeamento têm divulgado no PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações). Por exemplo, café, sal, rochas ornamentais, águas e outras bebidas naturais, frutas naturais, ferro gusa que têm sido exportados para a Europa, mas ainda em quantidades indesejáveis e que podia ser mais bem aproveitado.
Há já alguma estratégia para que os constrangimentos identificados possam ser dirimidos?
Estamos na fase de conclusão de um diagnóstico e vamos depois fazer auscultação aos exportadores. Podemos já apontar algumas das dificuldades. Um primeiro grupo de dificuldades tem que ver com a necessidade de consultoria para penetrar em mercados externos. Alguns produtores simplesmente necessitam de informações sobre quais os requisitos para exportar, os requisitos de certo mercado, de certa organização económica para receberem produtos agrícolas. Outro aspecto tem que ver com facilidades financeiras, ou seja, a existência de produtos bancários adequados para que os nossos exportadores tenham esse auxílio para fazerem chegar a produção lá fora. Estamos a falar de algum investimento que os nossos produtores têm de fazer em termos de embalagem, em termos de melhorar o rótulo do produto. Temos alguns produtores de mel. Se estes poucos produtores forem apoiados com uma melhor limpeza do mel, melhor embalamento, com rótulos em português e em inglês em função do mercado, temos a certeza de que vamos conseguir fazer chegar o nosso mel mais longe. Estamos numa fase em que temos de fazer a poupança de divisas e isso faz-se, em parte, com a substituição de muita importação pela produção local. E numa segunda fase, começamos a gerar receitas em divisas de produtos que hoje produzimos e que podem ser exportados.
Angola aderiu recentemente à Zona de Livre Comércio de África. Os angolanos terão capacidade para competir, tendo em conta essas dificuldades?
É de esperar que, com a adesão de Angola à Zona de Livre Comércio de África, se melhore o clima de investimento. O que tem de acontecer, em primeiro lugar, é que haja políticas que preparem os angolanos para serem melhores beneficiários dessas aberturas, para que o país não seja um lugar favorável somente para o investimento externo e não para o interno. Estamos a fazer referência a produtos adequados que favoreçam o investimento nacional e favoreçam também os produtores nacionais.
Licínio de Freitas Vaz Contreiras é casado e pai de cinco filhos. Formado em Economia pela Universidade Agostinho Neto, entra, pela primeira vez, no mercado de trabalho nas vestes de professor de matemática. Integra, mais tarde, o grupo de quadros do Ministério da Indústria, onde trabalhou no gabinete de estudos, projectos e estatísticas. Já foi também funcionário do Banco Nacional de Angola, tendo-se transferido, mais tarde, para o Ministério da Economia, onde, durante muitos anos, desempenhou a função de consultor do então ministro da Economia Abraão Gourgel. Actualmente, é o presidente do conselho de administração da Agência de Investimento e Promoção das Exportações (AIPEX), cargo que desempenha desde Março deste ano.
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