ANGOLA GROWING
YOLA SEMEDO, CANTORA E COMPOSITORA

“Não há nada que possa justificar o tão fraco empenho da nossa cultura”

08 Jan. 2018 Marcas & Estilos

MÚSICA. Uma das vozes mais sonantes da música angolana, Yola Semedo prepara-se para lançar um álbum duplo este ano. Em entrevista ao VE, a ‘rainha’ do carnaval 2018 apela ao resgate do ‘Carnaval da Vitória’. Condena a violência contra as mulheres e lamenta a linguagem em algumas músicas. E critica o Governo pelo “fraco empenho” na cultura.

thumbnail Yola Semedocantora20171213Isced9258

É o rosto do carnaval 2018. Como está a preparar-se para enfrentar este desafio?

A partir deste mês, vou apurar a minha dança na rebita, o meu toque ao som do quissanje, e vou fazer o meu melhor para ter um bom desempenho no carnaval. Para além de estar envolvida na musicalidade, é importante a interacção com o público e com a nossa sociedade. Muitos de nós deixámos de olhar para o ‘carnaval da vitória’ como uma data importante para a nossa cultura, nossa nação e irmandade. É importante resgatarmos esse carinho que todos devemos ter pelo que é nosso.

Como vê a música angolana actualmente?

A música está a dar passos saudáveis. Cada coisa no seu tempo. Claro que há muitas coisas positivas e negativas. A música está a crescer e, com esse crescimento e força de vontade, é também importante que comecemos implementar aspectos como mais escolas de música, mais incentivo para que a população se possa virar para esta arte, principalmente a juventude porque, através da música, podemos evitar que vá para as ruas praticar crimes. Se quisermos, podemos tirar bons proveitos da música.

Os músicos têm cumprido o seu papel?

Isso é difícil. Há coisas boas e más. Mas nada está perdido. Uns dos aspectos que mais me preocupa é a linguagem que se está a mostrar. O músico também é um professor e tem a grande tarefa de educar. E isso é um apelo a todos os fazedores de música. É muito importante termos cuidado com o que cantamos, pois a nossa sociedade está a colher.

E o Ministério da Cultura?

Devia estar a fazer mais. Muitas desculpas são formatadas, muito se é dito. O que fazem é muito pouco. Não há nada que possa justificar o tão fraco empenho da nossa cultura.

É considerada ‘diva’ da música angolana. Como vê esse título?

Considero-me uma artista que teve a grande sorte de cair na graça dessa comunidade e, por causa disso, tenho a sorte maior de ter o meu trabalho aceite pela sociedade. ‘Diva’ é uma palavra muito pesada e, às vezes, as pessoas pensam que estou a exagerar. Uma ‘diva’ é uma deusa e, para me considerar uma deusa, tenho de estar no mesmo patamar da Lurdes van Dúnem e ainda falta muito para lá chegar. Um dia, se continuar a trabalhar de forma saudável, com qualidade e a fazer música que possa ficar nesta sociedade, aí sim, vão poder chamar-me ‘diva’. Por enquanto, ainda falta muito.

Como avalia a exposição de artistas nas redes sociais?

Não gosto muito de julgar os seres humanos. Há vários factores que fazem com que as pessoas tenham tais atitudes. Para julgar alguém tinha de ser um ser humano 100% recto. Há muitas coisas que faço que não são correctas, muito antes de julgar tenho de melhorar o que faço de errado e, aos poucos, vamos tentar mudar a forma de pensar. É necessário estudarmos os motivos que levam as pessoas a tal exposição e, a partir daí, podemos ajudá-las a superar. Pode ser uma doença psicológica, pode ser uma necessidade de chegar ao estrelato o mais rápido possível.

Têm crescido os casos de violência doméstica. Como se pode evitar este problema?

Devemos ter em conta o factor desemprego e as necessidades por que todos passamos. Tudo isso acaba por gerar essa necessidade de violência. É uma acção que vamos sempre reprovar e devemos ter em mente que a violência não acontece só com as mulheres. Acontece com crianças e com os homens. Se um ser humano sai à rua à procura de um emprego e é humilhado, não tem como chegar à sua casa e passar amor e compaixão aos seus. É um problema para cuja solução a sociedade devia empenhar-se mais. Podemos ter prédios bonitos, construções de ponta, mas, se a sociedade não estiver preparada e se estiver doente, de nada nos vai valer este desenvolvimento.

É muito caro ter a Yola Semedo num espectáculo?

Como qualquer outro emprego, quando nos organizamos, é possível viver do nosso emprego e com a música não é diferente. Organização quer dizer respeito pelo contratante, respeito pelo público. Quando mostramos respeito pelo nosso trabalho é possível viver da música.

Factura mais com espectáculos ou com campanhas publicitárias?

Uma coisa complementa a outra. Não temos défice de nenhum desses itens. Tudo dá e tudo factura (risos).

Tem algum disco a caminho?

Sim. Um álbum duplo, para o princípio deste ano.

Como tem sido a experiência com a sua filha adoptiva?

Não foi uma situação em que eu e o meu esposo tivéssemos ido a um lar. Foi uma situação de uma fotografia na internet através da qual descobrimos a localização da criança. Senti que a minha filha Weza estava a pedir para ir buscá-la. E hoje sinto que eu é que preciso dela. A Weza é um anjo que veio para as nossas vidas.

PERFIL

Yola Moutofa Coimbra Semedo nasceu a 8 de Maio de 1978, em Benguela, mas foi criada em São Tomé e Príncipe. Actualmente, vive em Luanda. Começou a carreira musical em 1984 no projecto Impactus 4, criado pelos irmãos. Tem quatro álbuns e prevê lançar o quinto ainda no primeiro trimestre deste ano. Yola Semedo é das cantoras angolanas mais premiadas. Em 2007, foi nomeada ‘Diva da Musica’ e ‘Diva do Momento’. Em 1995, ganhou o prémio de ‘Voz de Ouro de África’.