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Carlos Gomes, coordenador adjunto da Ordem dos Economistas de Angola

“Não me parece que tenhamos muitos motivos para optimismos”

15 Apr. 2020 Grande Entrevista

Embora o país tenha tudo “para dar certo”, o quadro económico apresenta-se “nebuloso” não só por causa da covid-19, “pelo seu efeito devastador”, mas pela excessiva dependência do petróleo. A análise é de Carlos Gomes, para quem o ‘emagrecimento’ do Governo devia ser extensivo aos governos provinciais, de modo a que os recursos poupados fossem aplicados a favor do desenvolvimento comunitário. 

“Não me parece que tenhamos muitos   motivos para optimismos”
D.R

Como analisa o estado da economia, face ao agravamento da crise?

É bastante desafiante, pelo efeito devastador e sem precedente da covid-19. O mundo vive um verdadeiro ‘pesadelo’ económico de desafios desconhecidos, requerendo a tomada de medidas excepcionais, de feição menos ortodoxas, colocando no centro das equações a salvaguarda da vida dos angolanos. O quadro apresenta-se ainda mais nebuloso, devido à excessiva dependência da nossa economia às receitas provenientes do petróleo. Não me parece que tenhamos muitos motivos para optimismos.  

É uma ‘tempestade perfeita’... 

Há uma combinação de dois factores: a covid-19, como pandemia mundial que, em menos de três meses, provocou mais de 64 mil mortes, atingiu 208 territórios – por um lado – e a queda do preço do barril do petróleo para mínimos históricos de 22 dólares, em razão do ‘braço-de-ferro’ entre a Arábia Saudita e a Rússia, que inundaram os mercados e provocaram verdadeira hecatombe à escala global, com a recessão já assumida pelo FMI, estimando perdas de até 2% do PIB global. No caso da Europa, por exemplo, as perdas são estimadas em até 3% do PIB anual, por cada mês de quarentena. E, em África, os ministros das Finanças advogam o perdão total da dívida, pelo impacto negativo da covid-19 sobre as suas economias bastante frágeis.

Que impactos concretos a nível dos programas do Governo?

Algumas metas programáticas do Governo, que já tinham acolhimento no OGE 2020, ficam irremediavelmente comprometidas. Aliás, a esse respeito, já o Governo se pronunciou num comunicado conclusivo, lido pela ministra das Finanças, no qual deu nota dos cortes significativos que incidirão sobre despesas de investimentos e outras consideradas não-essenciais.

Há soluções alternativas?

Quaisquer soluções que pudesse avançar, em respeito ao realismo de recursos escassos, não se afastariam tanto daquelas que já foram anunciadas pelo Executivo. A vantagem que me assiste reside no facto de, na condição de ‘outsider’, puder emitir opiniões ‘descomprometidas’ com as reais disponibilidades financeiras. Como tal, embora possa parecer surreal, a solução que aponto é a de esquecermos o petróleo, lançando mãos a outros recursos que a terra e o mar nos reservam, fazendo jus ao ‘capricho’ da mãe natureza, ao ter-nos brindado com o melhor do que possui.

O Governo ‘emagreceu’ para 21 ministérios. O que lhe parece?

Era um imperativo que há muito se fazia sentir, porque as estruturas dos governos devem ajustar-se ao sistema sociopolítico e económico vigentes. Não se mostra avisado manter uma estrutura de Governo de feição socialista num contexto em que as forças do mercado tenham um grande protagonismo.

Mas o corte foi suficiente?

Antes, importa destacar a necessidade de tornar a máquina mais flexível e livre das amarras burocráticas – fonte privilegiada de acções corruptivas, pelo que o exercício de emagrecimento deveria ser extensivo aos governos provinciais e os recursos poupados reverter-se-iam a programas de promoção social das comunidades.

Voltemos às soluções para a saída da crise. Que sectores elege para alavancar a produção interna?

Dois sectores essencialmente: agricultura e pescas, pela elevada demanda de mão-de-obra (menos qualificada) e jovem, por um lado. Por outro, o facto de se poder retirar da terra e do mar os produtos alimentares para a satisfação das necessidades básicas das populações e para a criação de excedentes para a exportação.

Mas esse é um desígnio antigo. Como concretizá-lo?

É necessária a desburocratização das mentes e a actuação sinergética, cabendo à banca o papel financeiro e promotor do desenvolvimento, desviando o quanto possível o olhar para os lucros elevados de circunstâncias, mas que podem comprometer a sua própria sobrevivência a longo prazo, por ausência de sectores que produzam riqueza, já que não podem existir bancos sem empresas.

E os apoios do Estado, nomeadamente na aquisição de kits para a agricultura?

O Executivo fez avultados investimentos com a aquisição de kits de apoio à agricultura e de intervenção em vias secundárias e terciárias em todos os municípios. Agora torna-se necessário que, a nível competente, sejam tomadas as medidas, para o uso desses equipamentos sem pré-condições.

Ou seja...

Não sendo utilizados para o fim estratégico que determinaram a sua aquisição, não contribuem para o desenvolvimento, não criam emprego nem renda. A julgar pelos exemplos anteriores, não nos admiraria que, mais cedo ou mais tarde, nos venham falar de actos de vandalização, morrendo uma vez mais a culpa solteira...

Parece-lhe que as micro, pequenas e médias empresas são negligenciadas?

Diria preteridas, porque a visão estratégica não privilegiou o surgimento e fortalecimento do tecido empresarial inclusivo, tendo, em consequência, comprometido o surgimento de uma classe média – geradora por natureza de receita fiscal, empregabilidade e renda para o conforto das famílias e satisfação da juventude, cujo nível de desemprego se abeira dos 50% da população activa. Essas circunstâncias, ao não serem esbatidas, podem potenciar o surgimento de tensões sociais circunscritas aos centros urbanos de maior concentração da juventude, ávida por ocupação útil do seu tempo. 

O desemprego vai aumentar mais de certeza...

Como ficou subentendido atrás, podemos concluir que o desemprego não se combate (porque nunca aconteceu), com diplomas meramente administrativos. O desemprego combate-se com a oferta de postos de trabalho, que produzem bens e serviços que, no seu conjunto, constituem a renda nacional. 

A questão coloca-se sempre no plano prático. Como fazê-lo?

O que nos resta é lançarmos mãos à obra, para que brotem da terra e do mar os alimentos e as matérias-primas necessárias à afirmação das micro, pequenas e médias empresas, cujos produtos consigam conquistar mercados de diversas latitudes, começando por África.

Com os problemas existentes, não considera um abrandamento no designado combate à corrupção?

Nem pensar. Quando se está num contexto angustiante, ocorrem-nos interrogações sobre as causas que concorreram e nos conduziram à tal situação. Aliás, a sua pergunta exprime justamente esse sentimento. É com base nessa explosão do ‘inconsciente’ que nos remetem à identificação das ‘culpas’, daí que, por mais que procuremos evitar, nos assiste o direito de exigir a recuperação, por todos os meios legais, de todo o património ainda possível de ser recuperado. Aliás, verdadeiros patriotas não poderiam encontrar oportunidade melhor de manifestar a sua ‘solidariedade’, como agora.


Apoia a decisão de suspender-se, para já, a subida do preço dos combustíveis, com o fim dos subsídios?

Diria que é necessário ponderar-se sobre a melhor oportunidade do seu ajustamento, sem adensar o nível de ‘stress’ que a economia e as famílias vivem no actual contexto de crise.

“Não me parece que tenhamos muitos   motivos para optimismos”“Não me parece que tenhamos muitos   motivos para optimismos”
Voltando à agricultura, o que falta para se efectivar um programa de produção em grande escala que perspective, a prazo, a substituição da importação de produtos tão básicos como a cebola e a batata, só para exemplificar estes?

Permita-me dar-lhe um exemplo, fazendo uma inconfidência para anunciar o projecto-modelo que estou a desenhar, sob a sigla ESP – economia sem petróleo, (com reserva de patente). Deixo o repto para as instituições que se queiram associar à mesma, por ser de fácil implementação, em linha com as políticas de desenvolvimento, no quadro do Programa de Desenvolvimento Nacional.

O turismo tem sido apontando também como uma das saídas da dependência do petróleo e como factor de desenvolvimento económico. Outra vez, peca-se na prática...

O turismo, contrariamente à agricultura, é um segmento com fortes dependências de outros sectores. O turismo está no final da cadeia de valores dos demais sectores.

Mas é possível alavancá-lo?

Não basta termos recursos turísticos, precisamos de criar todas as condições a montante de atracção turística interna e sobretudo externa. Não é possível a promoção turística sem um ambiente atractivo de negócios, sem infra-estruturas rodoviárias, sem energia eléctrica e água potável ininterruptas, sem linhas de transportes seguras, sem preços hoteleiros competitivos, com custos ‘absurdos’ de telecomunicações, tarifas aéreas elevadas e limitações desnecessárias na circulação de turistas, etc.

De qualquer forma, concorda que seja uma hipótese para a diversificação?

Depois da agricultura e pescas, o turismo é um terceiro sector que pode contribuir fortemente para a criação de emprego e captação imediata de receitas externas para o país. É certo que não abriremos portas ao turismo após criação de todas as condições julgadas suficientes nas 18 provinciais, não. Precisamos, sim, de iniciar aí onde seja possível, como já vem acontecendo ‘step by step’ (passo a passo), já que a economia nunca mais será como dantes. 

Com todos esses constrangimentos, como olha para o futuro?

Futuro de trabalho, trabalho e mais trabalho é o que resta após vencermos a ameaça da covid-19, que impôs uma quarentena a nível planetário. Temos tudo para vencer e dar certo. Tal como aprendemos a viver agora confinados em quatro paredes, também deveremos aprender a sobreviver e viver sem pensar no petróleo, que passará a ser fonte das reservas internacionais líquidas, para fins de investimentos de elevada envergadura e não para a cobertura de encargos correntes.

Acha que a resposta à covid-19 está a ser eficaz?

Seria injusto se me arrogasse a ajuizar como ineficaz a resposta que tem sido dada à covid-19. Até agora, o Executivo tem feito um trabalho digno de se lhe tirar o chapéu, no quadro das nossas limitações. Todos os sectores, sem excepção, forças políticas, militares, policiais, sociedade civil, igrejas e todas as forças vivas da Nação têm feito o seu melhor, sendo que os resultados nos colocam na cauda das estatísticas mundiais tanto em número de infectados, de recuperados como de mortes. Não é mero resultado do acaso como muitos pretendem insinuar, como que se eles também não fossem vulneráveis à essa terrível pandemia, que definitivamente marcou já pela negativa o século 21.

Perfil

Domingos Francisco António Gomes é licenciado em Economia e actual coordenador adjunto da Ordem dos Economistas de Angola. Antigo assessor para os assuntos económicos e sociais de Marcolino Moco, o economista guarda más lembranças desse tempo, como a forma “pouco elegante” como o então primeiro-ministro fora exonerado. Mas também conserva bons e hilariantes momentos, como a visita de Jacques Chirac a Angola, que ficou marcada por os serviços protocolares se terem esquecido do então ministro dos negócios francês no aeroporto, o que justificou uma “reprimenda diplomática” de Venâncio de Moura ao seu assessor Pedro Fançony.