Novas exigências do mercado colocam em risco sobrevivência de fotógrafos da ‘velha guarda’
FOTOGAFIA. Profissionais mais antigos chegam a enfrentar longos períodos sem trabalho, enquanto a nova geração se tem adaptado melhor às exigências do mercado actual. Aumento do custo de vida também é apontado como factor que agrava a situação do mercado.
Com o advento dos smartphones e o surgimento das novas tendências tecnológicas no mercado, ao longo das ultimas décadas, muitos fotógrafos mais experientes e fiéis aos métodos tradicionais de trabalho têm-se debatido com quebras no número de clientes, que optam cada vez por profissionais da nova geração, que apresentam preços mais competitivos, perante o aumento do custo de vida.
No passado, para a captação de um momento especial como casamento, noivados, aniversários, eventos desportivos, corporativos e outros recorria-se apenas a uma câmara fotográfica composta por lentes e flash. Mas, hoje, por conta da proliferação de aparelhos dos smatphones que ostentam câmaras de alta qualidade, os fotógrafos são obrigados a inovar e a investir em materiais mais modernos para fazerem frente a esses aparelhos. Quem não o faz confronta-se com a quebra na procura.
Francisco Paulo, fotógrafo há 27 anos, recorda que, “quando não havia os smartphones, todo o mundo dependia de nós mas, hoje em dia, as coisas mudaram, já há pessoas que casam e nem sequer contratam um fotógrafo para a cerimónia”, observa.
Até 2018, segundo conta, embora com algumas dificuldades, Francisco Paulo conseguia, em um mês, entre dois e três grandes eventos para cobrir, actualmente viu essa média reduzida a um evento ou a nada. “Hoje as coisas apertaram, passei o mês de Setembro em branco. Apenas consegui trabalhar em um baptismo em Outubro, mas o Novembro está a terminar também sem aparecer trabalho”, confere.
Numa situação parecida encontra-se Alberto Augusto, fotógrafo há 26 anos que, há mais de dois meses, não tem conseguido um trabalho rentável para cobrir. “Estou há dois meses sem conseguir fazer um trabalho que renda mais de 50 mil kwanzas e eu tenho escola dos filhos para pagar e uma família para alimentar,” lamenta. “O custo de vida no fundo também tem influenciado na nossa situação. Ninguém escolhe pagar para ser fotografado quando está de barriga vazia. Eu e muitos colegas conseguimos constituir as nossas casas e lares com este trabalho, difícil está a ser sustentá-los”, detalha.
Na generalidade, são considerados grandes eventos pelos fotógrafos os casamentos, noivados, actividades corporativas, aniversários e baptismos, cuja tabela de preço mais praticada é de 200 mil kwanzas para a captura de 250 fotos. Entretanto, trabalhos de tal dimensão têm sido cada vez mais raros.
Para este pacote, os fotógrafos costumam ter uma margem de lucro de entre 40 e 50 mil kwanzas, já que os custos atingem entre os 150 mil e 160 mil, que são terceirizados no cibercafé, desde a edição das fotos, impressão, compra do álbum e a diagramação.
José Ngola, com mais de 28 anos ‘de estrada’, lembra que, antes de 2018, cobravam o pacote de 250 fotos a entre 150 e 160 mil kwanzas, sendo que o nosso lucro variava em entre 50 mil e 60 mil kwanzas. “Na época eu atendia entre cinco a seis eventos no mês”, o que permitia ao fotógrafo fazer uma poupança mensal de entre 150 a 200 mil kwanzas no banco.
A nova geração
Uma outra questão apontada como desafio para os experientes profissionais é a nova geração que tem trazido uma nova roupagem no mercado. Se até à década de 2000, era apenas necessária uma máquina fotográfica com lentes e flashes para cobrir um evento, hoje os jovens profissionais trouxeram o conceito de levar o estúdio para essas actividades, que por sinal tem atraído os clientes.
Ageu Pascoal, fotógrafo desde 2018, que tem um volume de trabalho de três a quatro eventos grandes por mês, conta que o segredo para o sucesso está em inovar sempre. “Por exemplo, levar o meu estúdio até ao local onde esteja a decorrer a actividade”, exemplifica. “Levo todos os materiais necessários para deixar as fotografias com maior qualidade e, para isso, levo até os fundos para alternar os cenários, e isso atrai e transmite confiança aos clientes”, explica Ageu Pascoal, garantindo que consegue viver da fotografia, uma vez que, mensalmente, consegue uma renda de 300 a 400 mil kwanzas.
O profissional explica que também só é possível alcançar essa renda, evitando terceirizar alguns trabalhos, como o da edição das fotografias. E acredita que, se os mais experientes se capacitassem mais com formações e pesquisas, entenderiam o mercado actual e teriam trabalhos mais atractivos e clientes.
Com estúdio aberto desde 2019, Orstânio Martins, tem, por sua vez, uma renda média de 20 mil kwanzas/dia e considera que os fotógrafos com mais estrada no mercado “ficaram presos no tempo”, por alegadamente não quererem adaptar-se às novas tendências e à evolução tecnológica. “Muitos sequer têm, pelo menos, redes sociais para postar os seus portfolios. Então é muito difícil serem notados por possíveis clientes, uma vez que, hoje em dia, se faz tudo no mundo digital. E esses fotógrafos prenderam-se, até agora, apenas no uso da máquina fotográfica, lente e flash”, observa Orstânio Martins.
Entretanto, Francisco Paulo, rebate. “Hoje a juventude usa muitos materiais, mas por moda, apenas. Por exemplo, eles usam a soft box, em tudo quanto é lado, mas esse aparelho serve mais para usar nos estúdios, no sentido de aumentar e ajustar a luz. Mas usam até em lugares sem necessidade.” O profissional garante que, com apenas uma máquina composta de uma lente e flash consegue fazer um trabalho de qualidade, independentemente, do local.
O preço actual das máquinas fotográficas e de alguns acessórios de apoio também é outra ‘dor de cabeça’ pela qual se debatem os profissionais, tanto para os novos no mercado quanto para ao mais antigos.
Por exemplo, a máquina fotográfica Canon 5d Mark II, que em 2018 custava cerca 370 mil kwanzas, hoje está a ser comercializada por cerca entre 700 mil e 1 milhão de kwanzas. A soft box 90 cm saiu de 60 mil para cerca de 75 mil kwanzas. Já a lente de 50 mm, anteriormente a 70 mil, agora custa em média 150 mil kwanzas, um aumento de 114, 28%. O preço do álbum para a diagramação também quase que dobrou dos 8 mil para os 15 mil kwanzas,
“Desde que eu abri o meu estúdio há cinco anos, gastei perto de 1,5 milhões de kwanzas em materiais e acessórios, com o aluguel do espaço e com o seu apetrechamento”, contabiliza Orstânio Martins, analisando que hoje poderia desembolsar quase o dobro devido à instabilidade cambial e ao aumento de preço das rendas dos imóveis.
Já Alberto Augusto, outro fotógrafo, recorda que, entre as décadas de 1990 e 2000, as máquinas fotográficas tinham o preço médio de 150 dólares (136.647,30) kwanzas no câmbio actual), o que foi suficiente para começar o negócio.
Actuamente trabalha com uma câmara adquirida em segunda mão, em 2016, a 180 mil kwanzas. Agora augura investir em um modelo mais actualizado, mas nãos sabe como conseguir o dinheiro. “As câmaras com modelos mais actuais custam mais de 200 mil, em segunda mão, já as novas custam perto de 400 mil kwanzas, como conseguirei comprar sem trabalhos para fazer?”, questiona-se.
A reinvenção dos mais experientes
Para o pesquisador de fotografia Nambi Wanderley, citado na edição do ‘Jornal de Angola’, de 19 de Agosto de 2019, o ‘boom’ da fotografia no país, particularmente, em Luanda, deu-se em 1992, quando “médicos de nacionalidade vietnamita que trabalhavam em Angola viram no grupo de jovens de idade activa, concentrados em Luanda, a oportunidade de investirem na fotografia”. Conforme recordava, esses médicos “importaram laboratórios fotográficos, máquinas semi-profissionais e profissionais e instalaram-se em pontos estratégicos da cidade”.
De lá para cá, muitos desses fotógrafos que se mantém fiéis ao uso da máquina, lente e flash para o trabalho, por verificarem uma queda na clientela, têm abraçado outras actividades. “Com o pouco serviço que aparece, hoje em dia, tive que começar a fazer táxi quando um amigo meu disponibiliza o seu veículo. Porque viver somente da fotografia hoje é como desistir da vida”, compara Alberto Augusto. Por sua vez, Francisco Paulo optou pelo trabalho de segurança de loja, exercendo a profissão de fotógrafo quando está a gozar folga.
Tal como desde os anos 90, hoje esses profissionais ficam nos principais pontos turísticos da capital, em volta das conservatórias e cibercafés, esperando que surja uma oportunidade de trabalho, inclusive os mais básicos, como o de uma foto rápida captada a uma pessoa que esteja a passar na rua. O preço varia entre os 700 e mil kwanzas, por cada imagem que, logo em seguida, é impressa no cibercafé no valor de 250 a 300 kwanzas.
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