ÓSCAR GIL, REALIZADOR E PRODUTOR

“O cinema em Angola pode tornar-se numa indústria”

28 Aug. 2017 Marcas & Estilos

CINEMATOGRAFIA. Aos 65 anos, Óscar Gil considera que, em Angola, não existem bons realizadores de cinema “por falta de formação e de escolas”. O produtor e actor defende a criação de políticas para melhorar o estado da arte. E acredita que o cinema pode gerar receitas para o desenvolvimento do país.

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Que memórias tem do cinema da década de 1960?

O cinema deslocava-se às aldeias e às vilas porque não havia salas. Assistíamos sobretudo, a filmes de ‘coboiada’. A nossa ansiedade era sermos artistas, sonhadores, gostávamos imenso de recriar o que víamos na tela. Foram tempos maravilhosos.

Naquela altura, o cinema já fazia parte dos planos?

Nunca pensei que a minha vida fosse ser virada para o cinema. Até porque ninguém prevê o futuro. O destino é isso, vai acontecendo e nós temos de o acompanhar, não vale a pena contrariar.

Como entra para o cinema?

Era preciso criar novos técnicos, para abrir a Televisão Popular de Angola (TPA). Fui ‘empurrado’ pelas circunstâncias para ser assistente dos portugueses para perceber melhor o mundo televisivo e começar a aprender com eles. Foi uma mais-valia porque não havia escolas, infelizmente. Para ser um bom técnico é necessário passar por escolas, e nós não temos.

Que avaliação faz do cinema que se faz actualmente?

Naquela altura, havia o cinema documental. Não existia o cinema de ficção. O cinema era feito com película, não tínhamos noção nem sabíamos a real diferença entre reportagem e cinema. Para nós, tudo o que fazíamos era cinema. Rui Duarte de Carvalho talvez tenha dado o ‘pontapé de saída’ com o filme ‘Nelitchipa’, podemos considerá-lo o primeiro ensaio de ficção.

Numa entrevista, o realizador Tomás Ferreira disse que “não se faz cinema em Angola há décadas”. Concorda?

Não concordo com ele. Em Angola, já se fez cinema, vou enumerando: ‘Comboio da Canhoca’, de Orlando Fortunato, ‘Cidade Vazia’, de Maria João Nganga, ‘O herói’, de Zezé Gamboa, ‘Rainha Njinga’, feito há pouco tempo, ‘I love Kuduro’ e outros. É um cinema que se vai fazendo à nossa dimensão porque estamos muito pobres.

Não temos bons realizadores porque não temos escolas. Numa reunião com os fazedores de arte e cultura, João Lourenço prometeu dar apoios ao cinema nacional. Vamos rezar que sim, porque o cinema nacional estava a preto e branco e a ficar cinzento. Temos de ter atenção para não banalizar a Sétima Arte. O cinema tem regras.

O que falta?

O que nos falta são apoios institucionais. É preciso criar um fundo para o cinema nacional, porque é uma arte bastante cara. O cinema é uma junção de várias artes e, com essas condições, não se faz cinema só com boa vontade. Temos jovens com vontade de fazer cinema, mas falta formação. Enquanto não tivermos escolas, vamos patinar.

Como o Estado pode contribuir?

O Estado tem de criar políticas para o cinema nacional, criar um fundo no Orçamento Geral do Estado, criar mecanismos para arrecadar receitas para este fundo, por exemplo, taxando os filmes estrangeiros que são exibidos nas salas de cinema em Angola, deixar uma percentagem da bilheteira, usar a Lei do Mecenato. Faltam políticas para o cinema.

Como se pode apoiar a nova geração?

Para já, quero felicitar o Narciso, o Tonton e outros, pela vontade de querer fazer. O mais sensato era ‘agarrar’ nos ‘Narcisos e Tontons’ e dar-lhes formação, porque ninguém nasce ensinado. A realidade do cinema vai além da nossa vontade. O cinema, independentemente de ser entretenimento, também tem a missão de diplomacia e pode levar o bom nome de Angola para o exterior.

O cinema pode influenciar a sociedade?

O cinema é um veículo muito forte e alguns jovens não têm orientação da família que é uma célula da sociedade. Temos ‘n’ famílias desestruturadas, o nível de delinquência é alarmante, é preciso ter cuidado com as mensagens que passamos porque os filmes têm impacto na vida das pessoas.

Teme o desaparecimento de jovens talentosos?

Sempre que tenho a oportunidade de falar com os jovens, incentivo-os a não matarem os seus sonhos, a continuarem a fazer o que estão a fazer, pois é uma aprendizagem em que depois é preciso limar as arestas com uma formação. O cinema pode contribuir para a diversificação da economia? Em Angola, o cinema pode tornar-se numa indústria, temos o exemplo da Nigéria, com a Nollywood, da Índia, com a Bollywod, nos EUA, a Hollywood. Porque não a ‘Angollywood’? Temos aqui tudo. Cenários, grandes escritores, faltam-nos os técnicos e politicas para que, um dia, o nosso cinema se torne numa indústria que gere receitas.

Como vê o cenário eleitoral?

Podemos constatar a democracia, a tolerância e a paz. Há tantos países africanos que, nesta altura, estariam a pegar fogo por todo o lado. Os angolanos deram uma lição de civismo para África e para o mundo.

PERFIL

Nome: Óscar Gil

Data de nascimento: 16 de Março de 1952

Naturalidade: Huíla

Estado civil: Casado

Filhos: Oito

Novelas/séries: Caminhos Cruzados, Vidas a Preto e Branco e A equipa.

Um filme: ‘Ngande’