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HENRIQUES DE SOUSA, VICE-GOVERNADOR DO KWANZA-NORTE

“O empresariado local podia estar mais forte se aproveitasse as potencialidades da província”

O vice-governador do Kwanza-Norte para o sector económico e produtivo, Henriques Jorge do Sacramento de Sousa, lamenta, em entrevista ao VE, a falta de investidores na província “mesmo existindo condições para o surgimento de uma indústria forte”, sobretudo no sector agrícola e do turismo. Do Orçamento Geral do Estado (OGE) aprovado e disponibilizado, o governante declara que a província recebeu apenas perto de 55% do bolo, 50% dos quais são gastos com o pagamento dos salários e subsídios.

 

Como avalia a actividade do sector empresarial na província?

O empresariado do Kwanza-Norte devia estar melhor, mas, devido às crises financeira e cambial, tem vivido momentos apertados. Esta situação não é só do empresário local. É vivida por todos os empresários angolanos. É preciso entender que os centros urbanos que estão próximos, a menos de duas horas, dos grandes centros habitacionais tendem a ser sombras destes. É assim que funciona. Já o resto é o inverso. Quem está no Kwanza-Norte e no Bengo tem mais propensão a deslocar-se ao grande centro populacional, que, neste caso, é Luanda. Todas as pessoas, os quadros e os empresários ou encontram aqui (na província) boas condições de fazer negócio e se fixam, ou vão preferir ir para Luanda. Esta é uma luta que não é só do governo do Kwanza-Norte, mas do Governo central no sentido da redução das assimetrias. Por exemplo, entre um empresário fazer negócio aqui na província que lhe leve 30 dias para vender um saco de arroz ou fazer em Luanda, onde ele vende 10 sacos por dia, de certeza que vai preferir vender em Luanda.Essa é a questão! De qualquer forma, o empresariado local podia estar mais forte se aproveitasse as potencialidades que a província possui, que estão maioritariamente na área agrícola. Não virá aqui um empresário para vender gelados. Não quer dizer que não se vendam, mas o empresário pode produzir diferentes produtos e transformá-los para vendê-los em Luanda.

E que incentivos concretos existem para quem eventualmente pretenda investir no Kwanza-Norte?

Aqui temos dois cenários. Temos o cenário do incentivo à economia, que é praticado pelo Ministério da Economia, pelos órgãos existentes, inclusive pela Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP). É um incentivo legalmente previsto. Estamos a falar da isenção de impostos. Depois temos o lado do governo do Kwanza-Norte que apoia permanentemente os investidores. Não tem havido dificuldades para tratar documentos e conseguir a legalização dos espaços.

O que explica então a ausência de investimentos no sector produtivo, na sua opinião?

Essa é uma pergunta que devia ser feita aos empresários. Eu só vejo potencial aqui, porque sabemos a realidade de outros locais, onde não há energia eléctrica e, mesmo assim, as empresas querem fixar-se. Aqui não falta energia eléctrica e água, principais ‘inputs’ para os investidores. O investidor não gasta dinheiro, portanto, nesses recursos porque são abudantes na província. Outro elemento é a segurança, aqui há poucos criminosos. Tudo depende, portanto, da perspectiva do negociante. O Kwanza-Norte está apenas a duas horas de distância de Luanda e as pessoas devem saber analisar o meio envolvente. De qualquer forma, a situação está a mudar nos últimos dias. Há cada vez mais empresas a mostrarem interesse em investir na província.

Quanto é que a província recebeu, de facto, do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016 para o Programa de Investimentos Públicos (PIP)?

Em relação a 2016, a província recebeu perto de 55 por cento do valor do orçamento aprovado. Temos de ter em consideração que, no ano passado, o OGE foi corrigido, devido às dificuldades financeiras que o país está a viver. Em termos de acesso ao OGE, deve ter-se em atenção três factores. O primeiro é o orçamento aprovado; segundo, o orçamento disponível no sistema, que é o que o tesouro deposita e que normalmente tem sido diferente do aprovado; e, por último, o orçamento executado, que, por sua vez, é diferente do aprovado e disponível. Até no executado, existem discrepâncias com o que é pago, que é o orçamento com o qual emitimos as ordens de saque. Há projectos executados que ficam por ser pagos, por falta de dinheiro, porque o tesouro não disponibiliza no ano da execução, mas são executados e estes foram para os restos a pagar este ano. Por exemplo, aprova-se um orçamento de 10 milhões de kwanzas. O disponibilizado pode não ser igual a este valor e o executado também. São três as fases que se devem ter em atenção.

E, com os ajustamentos, que prioridades foram consideradas no PIP?

Aqui temos de fazer duas avaliações. Numa primeira avaliação, temos de olhar para o nosso programa do ano passado reajustado. Ao senhor governador, José Maria Ferraz, ao tomar posse, foi-lhe incumbida a missão de reajustar o programa da província de 2016 a 2018, com o início de execução este ano. Os três principais eixos para o desenvolvimento da província previstos, neste programa reajustado, são o desenvolvimento da agricultura, da agro-indústria e do turismo. Estes três eixos fazem parte do projecto da sustentação do desenvolvimento da província. A aposta na agricultura deve-se ao facto de a província do Kwanza-Norte ser eminentemente agrícola. Aliás, as províncias do norte de Angola são maioritariamente agrícolas e o Kwanza-Norte não foge à regra. Grande parte dos produtos da indústria vêm da agricultura. Se desenvolvermos a agricultura, teremos uma indústria sustentável. Dai fazer parte do programa a continuação do eixo agricultura, a agro-indústria para desenvolver a indústria através dos insumos da agricultura, no sentido de reduzirmos as importações de matérias-primas. O terceiro eixo é o do turismo. Precisamos de ter um turismo sustentável. A província tem imenso potencial turístico. São esses potenciais que queremos apresentar ao país e ao mundo.

Mas de que forma se aposta na agricultura, se a predominate é a agricultura familiar?

A província conta com 159 mil famílias que desenvolvem a agricultura familiar. Esta agricultura familiar, em alguns casos, é feita por cooperativas, enquanto outras formas de agricultura continuam na sua génese antiga. Temos 920 pequenos agricultores, 720 associações de camponeses e 133 cooperativas. Temos 179 fazendas de café, mas nem todas produzem. Sabemos que a produção não se faz valer como queríamos, porque são pequenos agricultores. Um dos suportes deste eixo é a criação das brigadas de mecanização mistas. Mais de 95% da produção agrícola, no Kwanza-Norte, vem dos pequenos agricultores. Sendo pequenos agricultores, precisam de vários apoios e o principal é a mecanização agrícola, com a qual temos feito a desmatação e a preparação da terra. O agricultor vai apenas semear.

Como se processa a mecanização mista?

São brigadas mistas, porque não podemos só produzir. Produzir a mandioca e deixá-la na lavra, por o local ser de difícil acesso, ninguém ganha com isso. O misto vem exactamente para garantir a abertura de vias e o escoamento dos produtos. As vias são reparadas por estas brigadas. Temos registado assim a redução da produção por falta de vias e mecanismos de escoamento de produtos.

Quais são as estatísticas da produção agrícola na província?

Por falta de dados de 2016, podemos basear-nos nos dados de 2014 e 2015 em que a produção agrícola, referente a este período, atingiu 900 mil toneladas de mandioca, 1.000 toneladas de amendoim, 14.109 mil toneladas de milho, 25 toneladas de batata-doce, cinco mil de batata rena, 24 mil de batata iame, 10 mil toneladas de feijão, nove mil toneladas de hortícolas e 54 toneladas de frutas diversas. Não estamos a falar da produção de carne que também tem sido elevada. A produção de carne deve ser analisada em dois momentos. Um é o da abertura do matadouro de Camabatela, pertencente ao Ministério da Agricultura, com uma capacidade de abate de mais de 200 animais por dia. Foi construído como uma plataforma para suprir as necessidades de importação de carne.

E, em relação ao sector da indústria, qual é o quadro geral?

A província tem grandes condições para ter muitas indústrias. Tem água disponível; energia 24 horas ao dia; beneficia dos caminhos-de-ferro; facilidades de terras, e temos o pólo industrial do Lucala, com 630 hectares disponíveis. O pólo tem apenas uma empresa a funcionar que produz plásticos e cartões, mas o espaço tem capacidade de instalação de mais 24 empresas. Este é um projecto que depende do Instituto do Desenvolvimento Industrial de Angola (IDIA) e que já emprega 124 trabalhadores. Do outro lado do Cambambe, temos a fábrica Vinelo, que processava frutas e tinha capacidade para transformar 40 toneladas de ananás por dia. Produzia vinhos, frutas, enlatados e outros. Trata-se de um projecto do Governo central e está parado sem sabermos os motivos. Quem deve dar mais explicações pode ser o empresário Melo Xavier ou o Ministério da Indústria. Também temos, em termos de grandes indústrias, a Satec, que aguarda a entrada em funcionamento, fabricava tecidos. Temos a fábrica de cervejas EKA, o café Cazengo, que foi bem-recebido nos Estados Unidos da América, na sua primeira exportação. Temos as fábricas de água Cristalís e Santa Isabel, a empresa Angola Afrilage, as gráficas Salvador e Nambwa e temos algumas indústrias do ramo mineiro.

Em relação ao turismo, como a província tem aproveitado o potencial existente para fomentar esta actividade?

Não podemos esquecer que a primeira capital de Angola, e que a maior parte das pessoas não sabe, foi a região do Massangano. Fizemos recentemente uma visita à zona, os edifícios que lá estão datam de 1604. Tem a primeira câmara municipal, o tribunal, a fortaleza e a praça da venda de escravos. Aquilo é um património histórico nacional. Temos de trabalhar com o Ministério da Cultura para incentivar o turismo naquela região. É muito interessante fazermos o turismo, porque temos muita história naquela região que precisa de ser divulgada. Temos a história da rainha Ginga que se cruza com a chegada dos portugueses, dos escravos que eram apanhados, baptizados e colocados em barcos para serem transportados. Então nós, governo da província, temos de fazer uma investigação sobre a história da região, para além de outros investimentos que são necessários, nomeadamente no ramo da hotelaria. Hoje os turistas preferem o agro-turismo, em acampamentos de modo a estarem ligados à natureza.

Falar do desenvolvimento do turismo requer também falar da reparação das estradas degradadas. Que tratamento o governo tem dado a este aspecto, em particular?

São serviços agregados. A província tem vários pontos turísticos. Começamos no Massangano, com base no projecto do Ministério da Construção, que é o de reabilitação da estrada do Zenza Itombe/Dondo e vice-versa. Há a intenção de so Ministério da Construção reabilitar também os 24 quilómetros que saem da ligação da estrada principal até à região. É preciso entendermos que o orçamento da província não prevê a reabilitação ou a construção de estradas. As estradas principais são da responsabilidade do Ministério da Construção, através do Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA). Mesmo as estradas secundárias, dependendo do volume da obra, ultrapassam completamente as nossas capacidades financeiras. Fazer uma estrada de cerca de 30 quilómetros não fica menos de 20 milhões de dólares. O governo do Kwanza-Norte não tem essa capacidade financeira para suportar as obras, muito menos em tempo de crise, mas não estamos parados por causa destes obstáculos. Defendemos a filosofia de que nem todas as estradas devem ser feitas de asfalto.

Quer dizer com isso que a maior parte dos acessos às zonas potencialmente turísticas é de terra batida?

Em relação às estradas, estamos a fazer abertura de picadas, mas, em alguns pontos, como chove muito na província, abrimos uma picada e, seis meses depois, a picada desaparece, porque a mata fecha novamente a estrada. Precisamos permanentemente de fechar as ravinas e abrir picadas. É preciso entender o que realmente o turista pretende. Por isso estamos a elaborar o Plano Operativo do Turismo (POT). A direcção provincial do turismo está a fazer os levantamentos de todos os pontos turísticos da província, da natureza, das fazendas e outros. Este levantamento é que nos vai dar acesso aos locais turísticos. Além de Massangano, já fomos às furnas do Zanga, em N’dalatando. É um local turístico que precisa de tratamento. Só que não pode ser o governo a criar os hotéis, as hospedarias ou pensões. Primeiro é que não temos orçamento e, segundo, tem de ser o empreendedor a ver a oportunidade de negócio. Este é um dos motivos pelos quais temos convidado os empresários locais, nacionais e internacionais a virem investir na província, porque a economia se faz com empresários e não com o Estado a investir. Para a economia ser diversificada, precisamos de empresários fortes e que aceitem desafios.

O que prevê, concretamente, o Plano Operativo do Turismo?

Um dos aspectos principais que o POT prevê é a elaboração do roteiro turístico da província do Kwanza-Norte. Mas, para se chegar a esse roteiro, temos de ir a todos os locais turísticos da província e fazer um levantamento fotográfico, para identificar as atracções turísticas existentes, ou seja, os pontos de acomodação, alimentação, de saúde, primeiros socorros e os postos de polícia. O turista nacional ou estrangeiro que se desloque para a Banga tem de conhecer o roteiro turístico existente nesta região e identificar os serviços existentes. O trabalho de levantamento está a ser feito com as comunidades residentes para indicarem os locais.

Este plano prevê um turismo fluvial ao longo do rio Kwanza?

Sim, prevê, sobretudo, para a região do Massangano, porque, de uma ponta da província à outra, sem sair das suas fronteiras, podemos andar de barco ao longo do rio Kwanza. Se pudermos tirar as pessoas de Luanda, durante o final de semana, para as colocar, por exemplo, num ‘resort’ feito às margens do Kwanza, no Massangano, estaríamos a promover um turismo histórico, porque vamos mostrar a primeira capital de Angola e vamos contar a história desta região. Com esta oportunidade, as pessoas podem aceitar sair de Luanda, mas precisamos que os operadores turísticos trabalhem connosco. Neste momento, temos, aliás, alguns, através da associação dos hotéis, a trabalharem no plano. Este trabalho exige a participação de todos, porque não será o governo do Kwanza-Norte a criar os serviços que aí deverão estar disponíveis. O Governo vai apenas criar condições para o acesso aos outros serviços de apoio ao empresariado. Pretendemos fazer um turismo como o que é feito no Douro, em Portugal. Poderá gerar emprego para as populações residentes e economia para o país.

PERFIL

Henriques Jorge do Sacramento de Sousa é formado em Economia, na especialidade de Gestão de empresas, pela faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto (UAN) e concluiu os estudos na Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal. Foi nomeado vice-governador do Kwanza-Norte para o sector económico e produtivo, em 2016.