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“O Governo não deve organizar feiras”

17 Mar. 2021 Grande Entrevista

Defende que o Governo deve retirar-se dos eventos que apenas dizem respeito aos privados, justificando que “são estes que criam emprego”. Carlos dos Santos quer mais disciplina no sector e critica os “paraquedistas” que querem fazer feiras sem conhecimento. “O problema é que todo o mundo quer fazer, mesmo sem parâmetros”, contesta.

“O Governo não deve organizar feiras”

 

Defende que o Governo deve retirar-se dos eventos que apenas dizem respeito aos privados, justificando que “são estes que criam emprego”. Carlos dos Santos quer mais disciplina no sector e critica os “paraquedistas” que querem fazer feiras sem conhecimento. “O problema é que todo o mundo quer fazer, mesmo sem parâmetros”, contest

Trabalhou mais de uma década na Feira Internacional de Luanda (FIL). É daí que surge a criação da sua empresa?

Com a entrada do Grupo Arena na Filda, em 2016, e o desaparecimento da Fil, decidi criar a CCALAS com o mesmo objectivo do negócio de promoção de feiras. Portanto, 14 anos a trabalhar para a Fil, foi tempo suficiente para aprender. 

E que resultados alcançou até agora?

Somos os promotores das feiras provinciais do Uige, do Kwanza-Sul, do Kwanza-Norte, de Malanje e ainda da Expo-Hotel em parceria com a Ahra, em Luanda. Temos outras feiras por realizar, como a Expo-Negócios no Norte do país e a Expo-Negócios da região Sul. Temos de saber que as feiras são o barómetro da economia e daí a necessidade desta nossa luta, porque Angola não deve ficar de fora.

Em tempo de pandemia, como vai o negócio?

Dependemos dos eventos. Estamos há um ano parados. Com essa crise, tínhamos de reinventar o nosso posicionamento empresarial e estamos a sobreviver para não fechar as portas e colocar os empregos em risco. Estamos a fazer a nossa parte.

Como, concretamente?

Tivemos de avançar para uma gráfica e manter os trabalhadores efectivos porque os eventuais são a maioria e estes só aparecem com os eventos. Mas, a partir de Maio, cremos que o ambiente de feiras voltará ao normal. Ou seja, mesmo com a covid-19, as feiras não devem parar, porque se não também pára a economia. Além disso, devo acrescentar que, mesmo com a pandemia, temos solicitação de empresários da Alemanha, da China e da Índia que querem investir em Angola.

Pode falar-se de concorrência num mercado com apenas duas empresas?

Era necessário acabar com o monopólio de uma única empresa. Tem de haver equilíbrio das empresas. Veja que, desde que entramos no negócio, há quatro anos, o balanço é positivo. A procura é tanta e uma única empresa ditava as regras. Desde que surgimos, por exemplo, baixámos os preços dos stands. O metro quadrado para montagem de um stand de 18 ou 19 metros quadrados fica por 35 mil kwanzas. Somos bem aceites e só espero que voltemos ao trabalho o mais cedo. Quando estamos no mercado e sabemos fazer as coisas, nada há a temer. Temos a consciência do que estamos a fazer, portanto, vale é o profissionalismo.

O que estas feiras representam em termos de volume de negócios? 

Estamos a falar de uma média de 200 milhões de kwanzas por cada evento, num calendário com 10 feiras por ano.

Há espaço para mais empresas do género?

O que se deve disciplinar? O problema é que todo o mundo quer fazer feiras sem conhecimento.  Há trâmites a observar. Nos últimos tempos, vemos até paraquedistas a realizar feiras. As feiras têm parâmetros. Somos a ligação da entrada do investidor estrangeiro. Por isso o Governo não deve ser organizador de feiras. Há gente formada para esse objectivo. O que vemos é que o Governo quer ser jogador e árbitro ao mesmo tempo. Assim não vamos conseguir criar empregos.

 

Mas a CCALAS organiza feiras em parceria com os governos provinciais, não?

É através dos governos provinciais que estamos a avançar. Neste país e particularmente nesta altura de crise que se arrasta já desde 2014, não se faz feira sem apoio do Governo. Mas o que queremos é que o Governo entenda que são os empresários que devem fazer por serem conhecedores. O que notamos é que, em algumas províncias, encontramos administrações que, por algum motivo, também querem realizar feiras sem chamar entidades abalizadas. Isso é preocupante.

O que terá acontecido com a Fil na gestão da Filda?

A que faliu a Fil na Filda não é senão a ambição dos homens. A luta de colossos de querer ficar à frente das coisas. O que acontece muitas vezes em Angola é que nós não fazemos e não queremos que os outros também façam.

Não pode ser mais explícito?

Na transferência da gestão da Expo-Angola para a Fil, não houve transparência na passagem de pastas. Depois da Expo-Angola de José Severino, veio a Fil de Matos Cardoso que fez crescer o negócio de feiras. E quando sobe a fasquia, ou seja, o negócio, então houve pessoas que tudo fizeram para travar a progressão, porque achavam que estava a entrar muito dinheiro, o que também é normal porque o gestor era inovador.

“O Governo não deve organizar feiras”

As instalações da Filda estão em avançado estado de degradação…

Aquelas instalações são do Governo e este não deve admitir a perda desta grande infraestrutura de exposições. É triste o que se está a passar. 

A CCALAS aceitaria um eventual desafio de organizar as feiras naquele espaço?

Sem dúvida nenhuma. Temos capacidade e poder de organização. Não porque somos melhores, mas por sermos diferentes e especializados.

Dizia-se que a Filda estava a tornar-se pequena e não suportava mais a procura. Por isso, exigia-se um novo cenário, certo?

Foi uma política que nunca aceitei mesmo estando por dentro da Fil. As instalações da Filda são as maiores do país e havia muito espaço por ser explorado. Quando se dizia que as instalações eram pequenas, ali havia interesses que faliram o negócio. Então vejamos: se as instalações da Filda eram pequenas, quem me garante que ali onde estão na Zona Económica Especial são maiores? 

O que acha?

É preciso assumir a verdade: são instalações sem condições. Prejudicam o próprio gestor da Filda. Aliás, todas as feiras que por lá se passaram não tiveram sucesso de público como era de esperar por causa do difícil acesso. Fica muito longe. Por isso é que, volta e meia, a empresa promotora da Filda realiza feira na marginal, porque acha que há eventos que não podem ser levados para lá.

Mas a CCALAS não precisa de espaço próprio de exposições?

Temos um acordo com o Governo para fazermos as feiras ao redor do estádio 11 de Novembro. É também uma forma de dinamizar a área.

Mas as feiras cumprem mesmo o papel de serem janelas abertas para o mundo?

De alguma forma cumpriram porque, se não estou errado, 90% de empresas estrangeiras que actuam no mercado entraram em Angola por via das exposições em feiras.

A ideia foi sempre de alavancar a indústria ou a agricultura sectores que até hoje não descolam. Ou seja, estão atrasados. Fala-se muito e faz-se pouco, ou não é esta a sua percepção?

O problema é das políticas. Há alguma abertura, mas o Governo deve definir bem as coisas, porque ainda temos alguns monopólios que devem ser desmontados. Não é só procurar alguns e dizer que estamos a dar financiamento. É capacitar para que haja boa gestão. Por isso é que as feiras da CCALAS estão mais voltadas para a produção local, porque entendemos que, se produzirmos localmente, melhor será para reduzir as importações, o que é benéfico para o próprio processo de desenvolvimento do país.

 

As metas ficam longe?

Temos muitas fábricas paradas, algumas das quais eram das melhores e maiores em África mas, por causa da ambição de alguns, estão paradas. Às vezes, pensamos que somos bons empresários, mas, se não tivermos formação, não iremos a lado nenhum, ou seja, estaremos a atirar dinheiro ao ar. No domínio da agricultura, por exemplo, é preciso saber quais e onde estão os camponeses e fazer chegar os insumos, com supervisão. Nas províncias onde realizamos feiras, debatemo-nos sempre com essa problemática da fiscalização dos insumos. Isso está em falta. É preciso rever a política dos insumos aos agricultores.

 

Mesmo com uma produção familiar residual…

No passado, quem fez a agricultura foi o sector familiar, os camponeses. Se não potenciarmos o pequeno agricultor, o grande não cresce. O estrangeiro não planta mangueira, mas o milho porque, daqui a semanas, vai colher. O nativo planta a mangueira, porque tem esperança de colher manga num horizonte de dois a três anos. Às vezes, queremos tudo rápido e erramos. Por isso é que a nossa empresa surge não simplesmente para ganhar dinheiro. Fazemos e damos a conhecer o que é uma feira, porque o empresário está na feira e o que dela espera no final. Depois fazemos o balanço. Portanto, o nosso papel tem sido também pedagógico.

O ambiente de negócios tem sido muito criticado…

Quando fecham empresas, por exemplo, isso depende muito das políticas do Executivo. Nós estamos aqui para sermos os grandes contribuintes da AGT. Se não pagarmos impostos, não estaremos a fazer nada. No passado, no nosso país, os grandes contribuintes não pagavam impostos e eram sacrificadas as pequenas empresas. Hoje, o cenário é diferente e penso que, neste domínio, alguma coisa tende a melhorar e por isso há muita queixa, mas temos que procurar a razão.

Estamos a partir de um bom pressuposto?

O ser humano tem o carácter de criticar, mas somos nós que depois quando vemos as coisas a acontecer aplaudimos. É bom dar o benefício da dúvida a quem está a caminhar. 

O que isso significa?

As políticas podem ser boas, mas, enquanto uns puxam para frente, outros fazem o contrário. Portanto, o país está a ser conduzido desta forma. É uma pena, porque um líder, se não tiver uma boa equipa, não ganha.

Está a referir-se ao Governo?

Podemos ter o melhor líder do mundo mas, se a equipa económica falha, complica tudo. A equipa tem falhado, mas ainda assim também podemos encontrar alguns resultados positivos. Refiro-me, por exemplo, às feiras. Ontem, era apenas a Arena, mas o mercado está aberto para todos e hoje também estamos no mercado. O problema, volto a dizer, é que não é só fazer feiras, porque temos amigos no Governo. É preciso ter projecto e empresas vocacionadas. Veja, por exemplo, que o Ministério da Indústria e Comércio, que é o regulador, está com a feira do campo. A ideia é boa, mas acho que não seria o ministério a fazer a feira. Qual é o balanço que vai fazer? Deve dar isso aos privados especializados que criam emprego. 

Qual tem sido o vosso apelo?

Às vezes temos medo de entregar os nossos projectos aos ministérios. Você entrega um projecto de uma feira mas, porque quem o recebe tem influência neste ou naquele departamento governamental, quando assusta, o seu projecto está a ser executado e mal por uma outra entidade. Isso é doloroso.

Já aconteceu convosco?

Muitas vezes. O que nós fazemos é dar a conhecer para termos o aval do ministério, mas depois somos surpreendidos com outros a fazer. O mercado funciona assim, infelizmente.

Perfil

Gestor de feiras

Formado em Portugal e no Brasil, Carlos dos Santos Calas é licenciado em gestão e planificação de feiras e em Relações Internacionais e faz parte de um reduzido grupo de 20 gestores de feiras do país.  “O nosso foco é fazer feiras lá onde se deve produzir, porque entendemos que a vida se faz no interior. Para lá levamos o investidor estrangeiro”, afirma, agradecendo a Matos Cardoso por ter sido o impulsionador da sua formação no estrangeiro.