o melhor treinador do mundo e não vai funcionar”
FUTEBOL. Antigo internacional angolano a residir temporariamente na Austrália, Vata traça uma dura radiografia do futebol nacional, apontando a falta de organização e as barreiras internas entre as razões do fracasso colectivo.
Está longe, em Melbourne, que tem 10 horas de fuso horário. Acompanha daí o futebol angolano?
Costumo ver os jogos no UTube e a selecção tem bons jogadores. Mas, assim como na construção de uma casa, se não se tiver bases, uma boa fundação, quando a chuva vier, a casa vai continuar a cair. Este é o problema da Selecção. O problema não é dos jogadores, o problema é de organização. Perde 3-1 em casa e ficamos todos à procura de culpados, sejam jogadores, seja treinador...
Trocar de treinador é solução?
O treinador, seja quem for, não joga. Quem executa são os jogadores. Mas, quando a casa não tem fundação, seja quem for que lá vá, não vai fazer nada. O treinador tem de arriscar, ao querer fazer um bom trabalho, escolhe o jogador A ou B, mas é ultrapassado, muitas vezes e obrigado a pegar o C ou D, até porque, apesar de ter bons jogadores alguns nacionais, alguns vêm de fora e aí complica tudo por causa da mistura com a política e com outros interesses. Há muitas influências. Por exemplo, há quem faça dinheiro quando o treinador é estrangeiro. Se ele ganha 10, há alguém também a tirar mais cinco. Agora, no caso de treinador nacional, daquilo que ele ganha, pouco se tira, daí que existam pressões para ir buscar o estrangeiro. Essas são as confusões que não deixam o futebol angolano ir para a frente. É muito triste, porque temos um país em que muita gente que jogava à bola está por aí dispersa, ninguém lhes liga.
Então culpamos a Federação por essas escolhas?
O que está a acontecer na nossa selecção deixa muita gente satisfeita, porque já podem dizer que quem lá está não serve, que apareceu, prometeu e não está a cumprir. O homem que lá está na Federação é uma pessoa que quer fazer melhor, que quer mesmo ajudar o futebol angolano a subir. Mas há sempre pessoas que bloqueiam por trás e que não querem que ele faça melhor para poderem dizer que ele também não serve. Muitas trabalhavam com ele e queriam vê-lo falhar. Há muita inveja. Para se resolver alguma coisa, as pessoas têm de estar juntas. E aí as pessoas não gostam umas das outras. A inveja ultrapassa o bem comum. E não me disseram, eu vi. Este não gosta daquele o outro não gosta deste, estão a comer juntos mas um está a tentar ver o outro mal. E é uma pena, porque, quando procuramos sempre falar mal do outro, nunca avançamos. Ele pode não avançar, mas quem lhe faz mal também não avança e toda a companhia fica parada.
O que mais viu quando esteve em Angola?
Estive aí em 2010 e o tempo todo vi coisas no meio do futebol que são um grande problema. Há muitas pessoas que pensam que só elas ali podem estar. E, enquanto não começarmos todos a pensar que trabalhamos para o nosso país, não trabalharmos em conjunto, vamos continuar assim. A continuar como estamos, não vamos ganhar, é preciso mudar a estratégia.
E que estratégia é essa que sugere para agora? Afinal, mudar mentalidades leva tempo...
A selecção que foi ao mundial foi a continuação de uma formação que Angola fez desde os juniores. Depois do mundial, a selecção quebrou porque não havia continuidade, mais jogadores para irem substituindo e desde aquela altura não se fez mais nada.
Os miúdos que foram agora ao sub-17 é que, bem trabalhados, podem ser o futuro da selecção de Angola. A academia do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, a AFA, também tem lá bons miúdos que, bem enquadrados, daqui a dois, três anos podem dar bons resultados. A selecção sub-17 fez uma boa prestação na taça do mundo e é preciso enquadrar esses miúdos para ser o futuro da nossa selecção. Se isso for feito, daqui a três ou quatro anos a selecção nacional vai subir. Lembro-me quando estava em Angola em 1982, jogámos com uma selecção de CAN com jogadores de 16, 17, 18 anos na selecção, coisa que agora não temos. Temos de voltar a ter essa mistura, o futuro da selecção a jogar. O Miller Gomes também falava muito de formação, também investia muito na formação, era muito bom.
Mas sem dinheiro como se faz isso?
Talvez tenha de se parar, dizer “não vamos jogar”, deixar a ambição e a pressão de procurar ganhar, sem protecção e sem organização. Talvez devamos pegar esses miúdos bons que temos e jogar enquanto se procura ter o dinheiro necessário para começar uma prestação da Selecção. Mas isso depende muito da vontade das pessoas. Quando se tem essa base fica mais fácil para todos compreender o que há e como se programar. Há muitos países que fazem pausas e não sei por que razão temos vergonha de fazer isso. Pegar esses miúdos que estão a jogar, programar e trabalhar com eles para não termos depois com eles os problemas de dinheiro que não deixam funcionar a selecção sénior. Agora essa lógica de vamos jogar e chegamos lá perdemos e queremos matar os jogadores não funciona, e é uma pena.
Diz que depende da vontade das pessoas...
Temos problemas de dinheiro. A nossa federação não tem dinheiro. Basta ver o campeonato, que tem problemas financeiros, o que também complica a selecção. Não sei se, entretanto, ficou resolvido, mas havia muita gente que trabalhava na federação e não recebia o salário. Tudo isso faz parte da fundação da casa, que é preciso resolver antes de se sair para fora e mostrar o que se é capaz.
Sem pagar os jogadores...
A política de pagamento dos jogadores da selecção só funciona quando as promessas são cumpridas. Ultimamente, ouve-se que a selecção queria ir jogar contra outra equipa enquanto estava em Portugal, mas não tinha dinheiro. O presidente da federação tem de andar por ali e por aqui à procura de dinheiro e isso não funciona, traz dívidas. Quando o outro presidente saiu, deixou dividas, este chega encontra a dívida, mas tem de ter resultados e é obrigado a pôr mais dívidas em cima das dívidas que encontrou e nada depois pode funcionar. Não o culpo nem às pessoas que trabalham na federação porque elas estão a fazer o esforço no sentido de obter resultados. Por exemplo, se a selecção vai a uma final da Taça de África, é quando é bom para a federação. Toda a gente fica a falar porque “não ganham nada, estão a comer dinheiro, estão a comer dinheiro”. Coitadinhos dos homens não estão a comer nada porque não têm. De fora não se sabe o que acontece lá dentro, eu já estive lá e vi. A FAF precisa de arranjar uma boa fundação. Quando não se tem dinheiro, tem de se procurar, primeiro, uma forma de resolver essa parte porque, caso contrário, tem de dizer aos jogadores que não há, promessas que não se cumprem. É assim que se começam a acumular dívidas.
Mas se o presidente não tivesse pressa de procurar resultados, conseguia organizar-se primeiro, ter um orçamento, para depois então ter resultados. Mas ele nunca teve esse tempo, sempre precisou de ganhar qualquer coisa para toda a gente ficar contente e pôr dinheiro na federação.
No seu tempo, havia essa organização financeira?
Não gosto de fazer essas comparações porque, no meu tempo, quando íamos à selecção, não recebíamos nada e quando caía qualquer coisa era assim 80 dólares. Regra geral era nada mesmo, mas tínhamos prazer de ir lá jogar. Os jogadores agora ganham algum dinheiro, mas não são culpados, têm direito, é-lhes prometido e deve ser cumprido. Os problemas começam quando se promete e não se consegue dar. Começa a acumular dívida. O jogador chega lá para jogar e pensa “ah, também não estamos a receber nada”. Não sei como estão os prémios agora mas é preciso encontrar formas de moralizar os jogadores. Às vezes, pagando menos aos mais miúdos eles jogam muito. Assim como está, o dirigente tem de enganar os jogadores, fazer promessas para ver se ganham e se depois consegue algum. E o que está a acontecer é que nem o jogador ganha, nem dirigente consegue dinheiro. E o povo quer resultados, não quer ver uma selecção que já foi ao mundial perder em casa e perder completamente o estatuto.
O que é que o Vata e outras grandes referências nacionais podem fazer pelo nosso futebol?
Quando estive aí, comecei a aposta no futebol de praia e fundei a associação da modalidade em 2014. Comecei com algumas pessoas que convidei para trabalharem comigo e, nessa altura, apareceu imensa gente a dizer que eu não ia conseguir concretizar o que estava a fazer porque ninguém ia deixar. E eu tentei até conseguir e fiz as selecções de futebol de praia. Depois apareceram pessoas a dizer-me que, se não trabalhasse com elas, o projecto não ia a lado nenhum. Eu trabalhei nessa altura com o Artur de Almeida e Silva e com a mulher dele que me ajudaram com os espaços para trabalhar. E muita gente ficou chateada. Eu expliquei que não estava a fazer aquilo para ganhar dinheiro, mas porque era uma coisa que gostava mesmo de deixar feita. Fiz o campeonato, procurei sponsors, e convidei toda a gente. Depois começaram a pôr em causa e a perguntar onde foi que arranjei dinheiro para fazer aquele campeonato todo... Quer dizer, não ajudaram, mesmo quem até tinha alguma obrigação e vinham com essa conversa. Ainda assim, consegui fazer. Esse é só um exemplo que mostra como não valorizamos quem trabalha.
Na sua ausência e em momento de crise, o seu projecto de futebol de praia tem continuidade sendo que está fora do país?
Continuam a fazer os torneios na ilha. Estão a funcionar. O campeonato tem o patrocínio da cerveja Tigra. Eu gastei dinheiro para criar aquela associação mas o meu objectivo foi fazer uma coisa para nós todos com continuidade. Não faço confusões de quem vai ser presidente da associação, não fiz para mim. Agora não estou, mas o que fiz está feito e continua mesmo quando não estou, está aí e é para todos.
Para muitos, o primeiro pensamento é “quanto é que vou ganhar com isto?” Também se pode ganhar, mas tem de se trabalhar primeiro, e nós, no nosso futebol, queremos resultados primeiro. E assim não vai haver valorização.
Vive de momento na Austrália, que projectos tem aí?
Estou aqui por motivos familiares. Os meus projectos são aí, com coisas como o futebol de praia. Aqui dou apoio a umas equipas de jovens locais. Não me quero também comprometer com coisas mais sérias porque não tenho planos de cá ficar, espero regressar ao país.
Então tenciona voltar para o futebol nacional?
Vou voltar para continuar o que comecei no futebol de praia. Eu estive no Santos, no campeonato e tive de lidar com pessoas cuja cabeça não funciona, não é bem o que queria fazer. Estive lá, tentei ajudar no que podia, mas é difícil não entrar em choques com as pessoas que estão no futebol. Como no futebol de praia essas influências são menores, é melhor. Podia trabalhar, como já fiz, com o Artur, porque já me ajudou muito, mas estar lá dentro é difícil, até porque a própria situação não está boa. Pode ser que melhore se conseguirem resultados... Mas é o nosso país e o problema é de todos e temos de procurar fazer o melhor, tentar apoiar da forma que for possível.
Perfil
Nasceu no Uíge, ingressou no futebol no Progresso do Sambizanga e cumpriu um total de 65 convocatórias para a Selecção Nacional. Foi para Portugal em 1983. Pescado do Varzim, tornou-se melhor marcador da Primeira Liga Portuguesa e campeão pelo Benfica na época de 1988. Mas a História fará sempre lembrar o dono da mão de Vata que deu a vitória ao Benfica, frente ao Marselha, aos 81 minutos e apurou o Benfica para a final europeia. Vata, que garante não ter sido com a mão, explica que “talvez teria sido a mão de Deus”. Reformou-se do futebol aos 38 anos na Indonésia depois da passagem pelo Persija Jakarta, equipa que co-treinava e venceu a liga como treinador do Mitra Kukar. Enquanto treinador, deu aulas no Instituto de Futebol Europeu, já na Austrália a equipas profissionais séniores e de reserva.
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