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“O peixe está a sair das nossas fronteiras, quando temos défice no mercado interno”

07 Apr. 2021 Grande Entrevista

Sente-se agastado com a importação de pescado, quando “o mar tem muito peixe que pode chegar às nossas mesas”. Por isso, critica as empresas que pescam, transformam e depois comercializam o produto no estrangeiro. Com investimentos nas pescas na ordem dos 5 milhões de dólares, Miguel Oliveira apela ao Governo no sentido de se inverter a situação.

“O peixe está a sair das nossas fronteiras, quando temos défice no mercado interno”
D.R

Como avalia o desempenho do sector pesqueiro?

Como empresário deste sector, deixa-me perplexo o panorama da importação de muito peixe. Acredito que o Executivo está a envidar esforços para se inverter esta situação. Isso fará parte da política de diversificação da economia.

 Considera que não se justifica, no todo, a importação de peixe?

O nosso mar tem muito peixe, mas vou ser muito breve: o grande problema é de quem se faz ao mar para poder capturar esse peixe. Eu sou empresário nacional, e todo o peixe que capturo é destinado a abastecer o mercado interno. Se calhar, posso estar a ferir alguma sensibilidade, mas a triste realidade é que nós temos muitos empresários nacionais e estrangeiros que apanham o nosso peixe, processam o produto e preferem exportar para os países vizinhos. Infelizmente, o nosso peixe está a sair das nossas fronteiras.

 Quando há um défice no fornecimento interno…

Exactamente! Vou usar a linguagem terra-a-terra: se não consigo meter comida em minha casa, vou pôr comida na casa do outro? Não faz sentido vender o peixe no estrangeiro, quando faz falta às nossas mesas. Isso não é admissível.

 É uma questão de má-fé?

Reitero que não quero ferir sensibilidades, mas acredito que o Governo está a envidar esforços para combater esse problema. Agora temos uma política que prioriza e defende em 80% o produtor interno honesto.

 Voltemos às nossas fronteiras. O peixe a que se refere é o de maior consumo da população…

Todo o carapau e a sardinha que saem das nossas fronteiras saem fora do circuito do controlo do Estado. Do meu ponto de vista, o normal a ser exportado seria o excedente do consumo interno.

 É preciso exportar porque o país precisa de divisas e as empresas de equipamentos, não?

Caso se tratasse de produtos fora da sexta básica, como os crustáceos e moluscos, porque temos províncias com muita escassez de consumo de peixe. No âmbito do Prodesi está bem claro: ‘diminuir as importações e aumentar as exportações dos produtos nacionais desde que respeitem os planos de consumo existentes no país’.

 Mas importação também é permitida, face à necessidade de se preservarem as espécies…Ou seja, o peixe pode acabar, não havendo uma pesca regrada…

O peixe não acaba no mar. Pode é diminuir a biomassa e os estudos são feitos pelo Instituto Nacional de Investigação Pesqueira para que isso não aconteça.

 Se o peixe de maior consumo sai desregradamente, qual tem sido a intervenção das associações?

As associações, como parceiras do Estado, estão para fiscalizar e a ajudar a impor regras do cumprimento da pesca sustentável e responsável.  O nosso interlocutor é o Ministério da Agricultura e Pescas. O que precisamos é que, quando há alguma inquietação, haja uma intervenção oportuna. Se assim não acontecer, estaremos a abandalhar o próprio processo de desenvolvimento do país que deve ser uma tarefa urgente.

“O peixe está a sair das nossas fronteiras, quando temos défice no mercado interno”

 Está a dizer que as inquietações dos armadores não são ouvidas, certo?

Sentimos agora o Ministério do nosso lado. Nós, como armadores, sempre vivemos do pescado, sempre tivémos essa vida e nunca acreditamos no conto de fadas.

 E como vê o facto de as Pescas voltarem a ser agregadas àAgricultura?

A estrutura base do Ministério das Pescas é a mesma. Simplesmente mudou o ministro, e há um secretário de Estado para o nosso sector. Na qualidade de armadores, que vamos ao mar, passamos a colaboradores do próprio Ministério da Agricultora e Pescas, reportando o que passa no nosso dia-a-dia.

 E o que se pesca essencialmente?

Estamos direccionados para capturar o carapau e a sardinha que serve o cidadão comum. Portanto, 90% é pescado para a população. Os outros 10% são de espécies graúdas que são encaminhadas para a classe média e alta e comercializadas nas grandes superfícies comerciais.

 Há um entreposto a ser inaugurado nos próximos dias…

Sim, será inaugurado na segunda quinzena de Maio e vai aliar-se ao pensamento do Executivo de combater a fome, o desemprego e a pobreza. Estamos num panorama de crise e por isso vamos dar o pescado a crédito para aquelas pessoas que não têm o fundo mínimo para começar o negócio. É uma inovação. Por exemplo, a peixeira vai receber o peixe a 10 mil kwanzas, vai vender e, no final do dia, procede ao pagamento. Logo, o lucro da peixeira é o excedente dos dez mil kwanzas. A minha ideia é que o produto seja entregue a baixo preço dos custos praticados no mercado.

Há quem pense que a distribuição do peixe é umsegmento ainda pouco explorado. Concorda?

Não diria pouco explorado, talvez não haja dados concretos de quantas entidades fazem esse negócio. Pode ser que não se note muito, ou seja, o seu impacto não se faça sentir. Mas a distribuição de pescado no nosso país é muito antiga. Mesmo no tempo do conflito armado, já havia muitos nesse trabalho. Mas, com o aumento de pessoas nesta actividade, começou também a escassez do produto.

 A sua empresa investe praticamente em toda a cadeia do sector. Porquê?

Investimos em toda a cadeia desde a captura à distribuição para vender o produto a baixo preço. Ou seja, com essa estratégia, o peixe chegará ao consumidor final 30% mais acessível. Se vender aos grandes distribuidores, não vamos alcançar a meta. Claro que isso implica empatar muito dinheiro, mas com isso teremos maior rotação no processo de comercialização e retorno de capital. Reitero que o nosso objectivo vai no sentido de aliviar o bolso do consumidor.

“O peixe está a sair das nossas fronteiras, quando temos défice no mercado interno”

 Quanto aos investimentos?

Podemos dividi-los em duas partes: primeiro, temos estruturas em terra avaliadas em 2,5 milhões de dólares. Depois temos estruturas flutuantes, que são os barcos de captura nos quais investimos mais de 2 milhões de dólares. Estamos agora com quatro barcos, mas, no próximo ano, pretendo adquirir mais uma embarcação de 40 toneladas.  Devo acrescentar que até aqui todo o investimento tem sido feito com recurso a fundos próprios.

 É um bom negócio?

Como todo e qualquer negócio é rentável, desde que haja uma estrutura sólida, uma organização eficaz e profissionais abalizados. Com esses três elementos devidamente ajustados, chega-se longe.

 A pandemia não atrapalha?

Seria irónico se dissesse que a covid-19 não influenciou o nosso trabalho. Tal como outras empresas, sejam elas nacionais ou internacionais, sofremos também. Só para citar alguns exemplos, tivemos grande baixa na produção, a começar pelo cumprimento do Decreto Presidencial que ditou a redução em 50% do pessoal que vinha a trabalhar na nossa estrutura. Devido aos dias alternados de venda do pescado, tivemos grandes prejuízos nos dias em que não se podia vender. O nosso produto é destinado, em grande parte, ao mercado informal. Além disso, com a cerca sanitária, tivemos a impossibilidade do escoamento do pescado para algumas províncias vizinhas, aonde uma pequena parte dos nossos produtos tem sido canalizada. Refiro-me ao Bengo e ao Uíge.

 Despediram trabalhadores?

Não, pelo contrário, devido à necessidade de corresponder e abastecer o mercado nacional, tivemos de aumentar a força de trabalho em mais de 20%. Ou seja, apesar da covid-19, não baixamos a guarda. Redobramos esforços, fizemo-nos diariamente ao mar, porque temos um objecto muito importante: abastecer o mercado.

 Qual é o peso da sua empresa, a Mileomar, no mercado?

No passado, limitámo-nos a capturar e a vender no mercado informal. Logo, quando se trata do mercado informal, não se tem aquele impacto como tendo investimento numa estrutura sólida. Por exemplo, nos últimos três anos, investi na fábrica de processamento da Ilha e agora tenho este empreendimento em Viana que começa a operar já no próximo mês de Maio. Como se pode depreender com isso, a empresa terá um peso ainda maior na distribuição e influenciar positivamente o mercado.