O último adeus a um jornalista digno
Há duas décadas, a vida deu-me o privilégio de conviver com um
jornalista que, nessa qualidade, não assumia lados, nem tomava partido
do ponto vista emocional. Era capaz de se apagar para ver o outro
brilhar.
Infelizmente, só quando a morte nos priva dele é que tomamos
consciência da sua importância.
Conheci-o na redacção do jornal 'Independente', quando fui convidado
para remodelar e exercer as funções de director daquela publicação
semanal, que após uma nova cara passou a ter na ficha técnica nomes
que na década seguinte iriam pertencer à galeria dos mais respeitados
profissionais da comunicação social: Gilberto Neto, Evaristo Mulaza, Mariano Quissola, Estevão Martins, Custódio Cassiano, Irineu Mujoco, Lourenço Pascoal, Carlos Augusto,
Pedro Nicodemos, Fortunato Ramos, além de exímios colunistas como Mia
Couto, Alcides Sakala e Nando Jordão. Ele desempenhava as funções de
editor de Cultura.
Era uma personalidade discreta, solidária, mas exigente e que, por
isso mesmo, se colocava num patamar de qualidade elevado, capaz de
escrever longo textos, como fez em determinados períodos, quando tinha
sob sua responsabilidade seis páginas semanais.
Homem de convicções firmes acerca dos valores e princípios da sua vida
profissional, fez do horário de trabalho rígido e dos fechos das
edições em tempo útil, quais actos sagrados, as suas imagens de marca,
pelas quais se bateu, com determinação, entusiasmo, saber e rigor nas
diversas redacções por onde passou. E foram muitas! Do 'Folha 8' ao 'Independente', passando por 'Valor Económico', 'Expansão', 'Novo Jornal', 'Economia & Mercado' até ao 'País'.
Apesar de ter tido opções melhores e outras certamente menos felizes,
primou sempre por um jornalismo que não faz cedências à informação
sensacionalista, gratuita e menos fiável.
Nos últimos tempos, traído por questões de saúde, perdeu o fulgor de outrora.
Mas nunca se vergou diante de quem não compreendia a sua nova condição.
O que mais detestava nas redacções era a trica jornalística e o enredo
rasteiro que há muito minam o ambiente dos jornais angolanos. No
entanto, jamais se mostrou vulnerável a tentações ou provocações
vulgares, situações para as quais, dizia, não tinha paciência.
No passado dia 25 Março morreu, aos 41 anos. Em Luanda.
Com ele, vai parte das minhas melhores lembranças de alguém que foi
capaz de fazer um jornalismo com uma linguagem não insultuosa, não
panfletária. E uma imensa gratidão.
Honrar a memória dele é procurarmos, todos e cada um, sermos iguais a
nós próprios, meditarmos nas obrigações que temos. Principalmente
afugentarmos a cobardia, sermos firmes e determinados. Por um
jornalismo cada vez melhor.
Chamava-se António Franco Nogueira.
Por: Pedro Narciso, jornalista
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