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Offshore ‘engole’60% do dinheiro pago por Angola à lobista americana

24 Feb. 2021 Economia / Política

RELATÓRIO. Empresa registada em Malta é a única na lista de consultoras externas da Squire Patton Boogs e recebeu cerca de 625 mil dólares. Contrato com Angola foi renovado por mais um ano.

Offshore ‘engole’60% do dinheiro pago por Angola à lobista americana
D.R

O Governo pagou, no último semestre de 2020, cerca de 1.042 mil dólares à empresa de lobby norte-americana Squire Patton Boggs (SPB) que, por sua vez, pagou 625 mil USD, ou cerca de 60% do valor em consultoria externa, cuja única beneficiária é a empresa Erme Capital, uma offshore criada em Malta.

Segundo o relatório de actividade da SPB, do último semestre de 2020, consultado pelo VALOR, a SPB recebeu cinco pagamentos de pouco mais de 208.333,34 USD cada um e efectuou seis pagamentos de 104.166,67 USD cada um para a Erme Capital que, entre os registos da criação, tem o nome de Pedro Nuno Gomes Pinto Ferreira, filho de Carlos Pinto Ferreira, muitas vezes citado como próximo do ex-vice-Presidente, Manuel Vicente. 

Angola contratou a SPB, em Junho de 2019, para “elevar o sistema financeiro de Angola aos padrões internacionais”, bem como para “aumentar as trocas comerciais e o investimento americano em Angola” e “melhorar a imagem de Angola nos Estados Unidos”. Nesta mesma altura, ficou acordado que a Erme Capital seria subcontratada pela SPB como se pode ler numa carta enviada pelo representante da empresa para as relações com Angola, Robert Kapla, ao secretário do Presidente da República para os assuntos diplomáticos e de cooperação internacional, Victor Manuel Rita da Fonseca Lima, que assinou o contrato em representação de João Lourenço.

Contrato renovado e governo com dívida

Ao pagar pouco mais de 1.042 ml dólares no segundo semestre de 2020, o Governo não honrou o preceituado no acordo que define a que em cada semestre Angola pagaria um total de 2.050 mil USD, repartidos em prestações mensais de 341.667 USD que devem ser pagas antecipadamente. Ou seja, terminou o ano com uma dívida de 1.007,8 mil USD com a empresa norte-americana.

No primeiro semestre de 2020, o Governo pagou a totalidade dos 2.050 mil previstos, mas, no relatório consultado pelo VALOR, não foi possível apurar os valores que foram pagos para a consultoria externa, ou seja, para as contas da Erme Capital no referido período.

A SPB foi contratada, em Junho de 2019, por 4.100 mil dólares para um período de um ano, renovado por mais um ano, desde que uma das partes não manifestasse o interesse de rescindir até Junho de 2020. E foi renovado netes termos.

O contrato entre a Squire e a Erme Capital, de resto, é um dos que supostamente está em investigação nos Estados Unidos por envolver uma empresa norte-americana a efectuar pagamentos a uma offshore sediada em Malta, de acordo com o relatório da Pangea Risk.

No referido relatório, a consultora lembra que, a fim de estabelecer a sua jurisdição sobre as supostas violações, a investigação dos Estados Unidos concentra-se em transacções envolvendo interesses dos Estados Unidos, como o uso da moeda e de bancos sediados nos Estados Unidos, bem como o envolvimento de empresas sediadas ou listadas nos EUA, que seria o caso da SPB.

No entanto, na sequência da divulgação do referido relatório, a Squire Patton Boggs disse desconhecer qualquer investigação às autoridades angolanas em curso nos Estados Unidos. “Não fomos abordados por nenhum investigador dos EUA”, salientou o chefe do grupo de políticas públicas da companhia de advogados e representante das relações com Angola, Robert Kapla, garantindo que a empresa é transparente na sua actuação.

O que já foi feito

No período em análise, a SPB estabeleceu cerca de 70 contactos em nome do Governo angolano através de correio electrónico e chamadas telefónicas. Entre os nomes contactados, destaca-se o da embaixadora americana em Angola, Nina Fite, enquanto o Departamento norte-americano do Comércios se destaca entre as instituições mais contactadas.