“Os discos não dão fortuna”
MÚSICA. António Paulino, 63 anos, canta desde 1969. Foi companheiro de David Zé, Artur Nunes e Urbano de Castro. Esteve na frente de combate e foi capturado pela polícia portuguesa quando tentava fugir para o Congo-Brazzaville. Autor do sucesso ‘Pontapé’ e ‘Kamba ba laumba’, diz que o semba está bem entregue à nova geração, mas aconselha a que aperfeiçoe o kimbundu. Está à espera de patrocínio para lançar o quarto álbum.
O que é feito de si?
O António Paulino não está desaparecido da música e está a fazer novos trabalhos, tem uma ocupação além da música, o que faz estar longe dos palcos.
Onde busca inspiração?
Em princípio, o meu compositor era o meu primo falecido e este deixou-me uma fortuna de letras que até agora não terminou. E com os seus ensinamentos continuo a compor algumas letras.
Quem escreveu a música ‘Pontapé’?
Fui eu com ajuda de Calili (viola ritmo), Juventino (baterista) e o Marito (viola solo).
Como viveu no período colonial?
Nos anos 1960, tinha 18 anos e era um jovem que abraçou a carreira musical porque não tinha nada para fazer. Andei com um senhor chamado Moutinho que me ensinou a profissão de pintor de construção civil e fiquei mestre e comecei a trabalhar. Vivia na altura próximo do Ngola Cine, no Rangel, e houve um concurso de música e quem cantasse melhor tinha como prémio uma grade de cerveja. Abracei a arte em 1971, quando fui convidado a participar numa das edições do festival Kutonoca e gravei o primeiro disco ‘Joana uaue’ que teve muito sucesso. Gravei o segundo ‘Balabina’ e ‘Gi henda dia mama’ em 1973 que incluía o sucesso ‘kamba ba laumba’.
A música dos artistas da sua época foi determinante para a independência de Angola?
Claro que sim. E quem diz o contrário não sabe ou então não viveu aquela realidade. Nós cantávamos e também havia muita censura e outras passavam na rádio, sem nenhum problema, e não davam conta, porque eram cantadas em kimbundu sobre política.
Foi preso devido à música?
Não estive preso, mas fui apanhado pela Pide (polícia política portuguesa) em 1973 quando tentava deixar Angola em direcção ao Congo Brazzaville, porque fui pelo caminho errado em direcção ao antigo Zaire. Também fui combatente da antiga FAPLA no Chongoroi, em Benguela, e no regresso e, por falta de um irmão de sangue, tive de escrever uma carta ao Ministro da Defesa para trabalhar em Luanda e em 1977 fui transferido para Marinha de Guerra.
Sempre cantou em kimbundu?
Sim. Tenho duas a três músicas em português.
A que se deve a ausência nos espectáculos?
Tenho tido convites para espectáculos, mas não com maior frequência.
Como vê o semba hoje?
O semba já esteve em baixo, mas com a força da nova geração, o estilo está a ser bem executado e voltou ao seu lugar. Alerto os jovens que cantam o semba a melhorar mais o kimbundu e estou aberto a ajudar estes músicos como se deve cantar nesta língua e entender melhor a letra.
Porque leva muito tempo a lançar um disco?
Lançar um disco de semba custa muito dinheiro. Um músico, que pretende lançar um bom álbum e ter sucesso, necessita de mais de 50 mil dólares. O disco não dá fortuna. Tenho três discos ‘Hima’, ‘Kangila’ e ‘Mana Colela’. Estive no estúdio a preparar o quarto álbum com 11 faixas cantadas em kimbundu e português. Os estilos são a rumba, semba e bolero, mas falta apenas o dinheiro para a sua materialização em Portugal. No período colonial, lancei 14 discos de vinil.
Fez parte de um grupo musical?
Não. Tive algumas participações nos Kiezos, mas agora faço parte da Banda Chamavo.
Sente-se valorizado?
Sinto. Não estou bem, mas também não estou mal e o pouco que recebo, é sempre bem-vindo. Sou membro da União dos Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC) com o número 185. Sou reformado e pago quota.
Onde esteve antes do 25 de Abril de 1974?
Estava em Luanda, onde sempre vivi, apesar de ter nascido no Quela, em Malanje. Quando se deu o 25 de Abril, ficámos alegres e os meus companheiros que militavam comigo, como Urbano de Castro, David Zé, Artur Nunes, tiveram de fugir para Congo Brazzaville, mas perdi o caminho em Belize, Cabinda, devido à fome que se registava na zona fronteiriça.
Considera o kuduro uma música de marginais?
Não. Nem todos se envolvem em delinquência. O kuduro é um estilo de música que apareceu e teve a adesão de muitos jovens e não tenho nada contra. Mas atenção!: o semba é o cartão-de-visita de Angola.
O samba nasceu do semba?
Não sei. Esta é a política do meu colega do Don Caetano. Talvez seja verdade. Lulas da Paixão, Bonga, Elias dya Kimuezu são músicos que nutro um carinho muito especial, por serem bons executores do semba.
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