“Os privados devem ajudar o Governo a criar novas oportunidades de negócios em África”
Diplomata afirma que Angola e Ruanda poderão rubricar, em breve, importantes acordos, com destaque para o sector aeronáutico e a supressão de visto nos passaportes ordinários. A ideia, segundo o embaixador, é reforçar a cooperação comercial com Angola, que possui muitos produtos que o Ruanda procura, como o peixe fresco e o sal. Considera, no entanto, que o reforço desse intercâmbio dependerá muito do envolvimento do sector privado. Alfred Kalisa fala, igualmente, da experiência do governo ruandês relativamente ao combate à corrupção.
A sua nomeação como embaixador em 2015 marcou a abertura, pela primeira vez, da embaixada ruandesa em Luanda. Quais são os efeitos desse marco na relação bilateral, passados quase três anos?
As relações estão a crescer. O Presidente do Ruanda e o de Angola já efectuaram três encontros que aconteceram em Brazzaville, Adis Abeba e no Ruanda, este último durante a assinatura do Acordo de Livre Comércio entre os países africanos. Há bons indicadores de que essas relações cresçam ainda mais do ponto de vista político e comercial. Antes, já houve muita cooperação na área da segurança e defesa.
Já há algum acordo bilateral no domínio comercial?
Não, ainda não. Mas penso que pode haver acordos nesse âmbito. Pode haver, por exemplo, acordos entre as empresas dos dois Estados que, no caso, poderia ser entre a TAAG e a RuandAir ou com outras empresas do Estado. Em relação ao sector aeronáutico, pensamos que este acordo, até Junho, fica firmado entre os dois Estados. As duas delegações já discutiram amplamente o assunto.
Disse que os dois Estados já cooperaram muito na área da segurança e defesa. Que acordos, em concreto, é que foram rubricados a este nível?
Nessas áreas, existem, até ao momento, reuniões regulares entre os dois Estados para debater, sobretudo, assuntos relacionados com a segurança na região dos Grandes Lagos. Angola chefiou, até ao ano passado, a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos, que agora é liderada pelo Congo Brazzaville. Ruanda é também um dos membros dessa organização e, normalmente, as discussões sobre a segurança nessa região, nomeadamente na RDC, são tratadas por estes países.
Kigali foi recentemente o palco da assinatura do acordo formal da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA). Este é um acordo que veio para vingar, na sua opinião?
Os africanos devem olhar como é que a Ásia ou a Europa cresceram. Os africanos devem perceber que o comércio intra-africano traz mais dividendos para o próprio continente. Permite um desenvolvimento mais rápido.
A eliminação das taxas aduaneiras é um factor crítico na dinamização do comércio intra-africano. É essa a mensagem, certo?
A taxa aduaneira é, de facto, um factor de impedimento dos negócios. São estes aspectos que os Governos de Angola, do Ruanda e de outros países africanos têm de resolver, de modo a que, quando o empresário se desloca a um determinado país africano, não encontre muitas barreiras aduaneiras. O acordo intercontinental de livre comércio defende isso mesmo. Mas a iniciativa, como disse, deve também partir dos homens de negócios.
Já alguma vez Angola e Ruanda terão discutido a possibilidade de adoptarem medidas de supressão de vistos nos passaportes ordinários?
No Ruanda, o angolano não precisa de ter visto no passaporte. Pode ir para lá e será recebido com um visto somente no aeroporto. E essa estratégia que adoptámos é valida para os cidadãos de todos os países africanos que queiram viajar para o Ruanda. Decidimos abrir as portas aos cidadãos do mundo devido ao turismo, que é um dos mais importantes sectores para o PIB do país. Agora, em relação à livre circulação de pessoas, hoje já é possível sair do Ruanda para o Quénia ou Uganda só com o bilhete de identidade. O cidadão estrangeiro não precisa do passaporte. Também entre o Quénia, Ruanda e Uganda há um acordo de livre circulação de pessoas e bens. Por exemplo, se você é professor no Quénia, pode ir ao Ruanda trabalhar como tal; se for médico ruandês, pode ira a Kampala (capital do Uganda) trabalhar como médico. Basta que venha com o seu diploma e é homologado pela autoridade ugandesa. O mesmo ocorre com outras tantas profissões.
E os ruandeses poderão ter as mesmas facilidades de entrada em Angola?
Este é um assunto que deverá ser tratado daqui a uns meses. Estamos a negociar com as entidades angolanas afins para dar solução a este assunto. Consideramos, no entanto, que primeiro deve haver reciprocidade, e porque com isso Angola estaria também a encorajar o turismo.
Sente que há vontade política por parte das autoridades angolanas para se equacionar esse assunto?
Sim, há vontade. Por isso é que afirmo que, daqui a uns meses, essa questão deverá estar resolvida.
Está a falar de um novo encontro entre o Presidente angolano e o ruandês?
Sim! Essa possibilidade existe, mas depende do calendário dos presidentes. Hoje, o presidente Paul Kagame é o presidente da União Africana e tem muito trabalho. Também o Presidente João Lourenço está muito ocupado com as tarefas do país nesse momento. Ainda assim, acho que, no futuro próximo, essa visita poderá ocorrer. Mas, a nível bilateral, existem delegações ministeriais que mantêm encontros. Penso que os dois presidentes poderão encontrar-se quando houver muito acordo de cooperação já rubricado e muito negócio entre os dois Estados.
Há muitos ruandeses em Angola?
Temos cerca de 70 ruandeses que trabalham em Angola, 20 dos quais fazem negócios. Há também 100 ruandeses que estiveram aqui em Angola na condição de refugiados. Estes ruandeses já regressaram ao país graças ao acordo com a comissão dos refugiados. Não há muitos ruandenses a trabalhar em Angola. Por isso é que estamos agora a encorajar para que esse fluxo aumente.
Participou recentemente num fórum de negócios no Namibe, onde manifestou o interesse do seu país em importar peixe de Angola. Como está esse processo?
Eu, pessoalmente, já comuniquei à federação ruandesa para o sector privado que há oportunidades de negócio aqui em Angola. Já enviei o nome de algumas empresas do Namibe. Mas, como disse, é preciso que se encoraje os empresários angolanos a irem ao Ruanda para fazer propostas de negócios, mostrando a qualidade do seu produto. E quem vai ao Ruanda pode depois também seguir para o Uganda, Quénia. Portanto, aqui o papel do Estado seria somente o de criar um bom ambiente de negócio e estável.
E quais seriam as melhores vias de transporte do produto angolano para o Ruanda, caso haja já esse interesse por parte dos empresários angolanos?
Angola pode exportar para o Ruanda o peixe, o sal e o cimento. São produtos com grande carência na África do Leste, que inclui o Ruanda, Burundi, Uganda, entre outros. Os produtos podem ser transportados via terrestre a partir de Luanda ou do Namibe, passando pela África do Sul, Dublin, onde há dois portos que servem de interland para a África do Leste, onde há países encravados, que são o Ganda, Tanzânia, Uganda. Daí podem ser transportados via terra ou caminho-de-ferro. Portanto, a região dos Grandes Lagos é uma zona apetecível para o consumo desses produtos. Repare que vivem nessa região cerca de 100 milhões de habitantes. O circuito comercial é do porto de Dar es Salaam (na Tanzânia) para Kigali ou do porto do Mombassa (Quénia) para Kigali também.
Além do turismo, que outras áreas aponta com potencial no Ruanda?
Temos o sector da indústria. Ruanda está a apostar forte no sector das novas tecnologias. Algumas fábricas já começam a fazer montagem de computadores e de televisão. Penso que é um sector que está em franco crescimento sobretudo no que respeita à produção de hardware. Há também bons sinais para o desenvolvimento de softwares com soluções bancárias, para a produção de cartão de crédito. Portanto, esse é um processo que o governo está a acompanhar de perto. Temos também a agricultura, onde se destaca a produção do café e do chá que são produtos que o Ruanda exporta muito. O nosso chá é exportado a um preço mais alto devido à sua qualidade. Por exemplo, o café para ser vendido daqui a dois anos é solicitados por grandes marcas, como a Nestlé, que compra o produto com um ano de antecedência.
Hoje, o Ruanda vive sobretudo de importação ou há já muita produção interna?
No sector agrícola, o Ruanda é mais ou menos auto-suficiente. Mas continuamos a importar também alguns produtos como o açucar, o qual temos uma produção limitada, e o sal, que não temos. Temos indústria de substituição, mas o problema dessa indústria é que, para a mantermos, temos de importar primeiro a matéria-prima e isso é consumo de divisas. Mas esse é um processo. Estamos no bom caminho e nós não temos problemas de disponibilidade da moeda estrangeira.
Como avalia o actual momento político de Angola?
A expectativa é positiva. No seu discurso oficial de tomada de posse, o Presidente João Lourenço deixou claro que o comércio com a região, com a África, é uma prioridade de Angola. Mas penso que o sector privado deve também ajudar o Governo para que sejam criadas novas oportunidades de negócios entre Angola e outros mercados africanos. Só na África do Leste há muito turismo. São muitos cidadãos que visitam o Quénia, a Tanzânia e o Uganda. E estes turistas consomem muitos frutos do mar, nomeadamente peixe. O grande problema é que não há capacidade interna para satisfazer esse mercado, assim recorremos à importação desses produtos a partir da Coreia do Sul e da China. É por isso que defendo também que os homens de negócios em Angola podem igualmente exportar o peixe congelado, a farinha do peixe, entre outros frutos do mar para a África do Leste. Mas, repito, esse papel não é exclusivo do Governo. São os empresários angolanos, que actuam nesse sector, que devem ir para esses mercados fazer acordos de parceria, tal como fazem os chineses e os sul-coreanos. Outro exemplo, na África do Leste, Ruanda incluído, consome-se muito açúcar do Brasil. Mas essa relação ocorre através do sector privado brasileiro, que vai a estes países africanos para fazer contratos com cervejarias, indústria alimentar, entre outros, para vender o seu açúcar. E, em Angola, há empresas que produzem açúcar e que podem também vender nessa região. O mesmo acontece com o cimento, produto de que a África do Leste também padece muito e que os empresários angolanos deveriam igualmente aproveitar para exportar.
E em relação ao combate à corrupção, o que Ruanda pode ensinar a Angola?
A corrupção impede o investimento directo e indirecto. No caso do Ruanda, porque não temos recursos naturais para explorar, há 20 anos que o governo decretou uma campanha rigorosa contra a corrupção e, até ao momento, essa campanha continua. A corrupção é um mal que deve ser combatido. Temos um clube universitário que discute o problema da corrupção. O investidor estrangeiro pode, por exemplo, fiscalizar se o dinheiro que investiu foi bem utilizado ou não. Se você é detentor de um cargo político, seja embaixador ou ministro, não tem direito de assinatura para o desembolso de dinheiros. Somos apenas supervisores para fazer o controlo. A nível dos ministérios, por exemplo, temos uma comissão independente de compras. O ministro não intervém. Essas comissões existem também a nível das embaixadas, nos municípios. O responsável político não intervém na actividade financeira da entidade que dirige. Portanto, é só aplicarmos as medidas exactas. Quando você chega ao aeroporto de Kigali, há uma publicidade em destaque com os dizeres “For Deveploment Fight the Corruption” (Para o Desenvolvimento, Lute Contra a Corrupção). Portanto, esse combate é algo que deve ser feito todos os dias. Porque este é um mal que enferma qualquer sociedade, quer estejamos em África, quer na Europa. E, como resultado dessas políticas, Ruanda tem estado a crescer muito do ponto de vista económico. Não diria que tudo está bem, mas devo assinalar que estamos a fazer muito progresso. Repito, esta é uma batalha de todos os dias.
África é conhecida como um continente com muitos conflitos internos. Que estratégia o governo ruandês estará a aplicar, na qualidade de actual presidente da União Africana, para termos um continente com uma melhor imagem externa?
Temos mesmo partilhado a nossa experiência de conflito, lembrando aos dirigentes africanos que os conflitos só estragam a vida dos cidadãos e os seus respectivos bens. Portanto, é algo dispensável. O melhor mesmo é dialogar e fazer o desenvolvimento. Temos também alguns países, como Angola, que conheceu a guerra, que estão a fazer o mesmo discurso. E, de facto, felizmente, muitos países africanos chegaram à conclusão que os conflitos não são bons. Mas há também muito progresso. Hoje, já não são muitos os países africanos que enfrentam grandes problemas internos. No caso do Lesoto, a situação já está melhor com a intervenção de Angola. No caso da RCA, temos já tropas da missão da ONU que incluem tropas ruandesas. A RDC caminha para as eleições e, ao que tudo indica, há cada vez mais certeza de que estas eleições finalmente vão ser realizadas. Na Somália, há também muito progresso, com muitas instituições do Estado já a funcionar. Acho que é também importante os africanos fazerem a publicidade do que é bom em África. Hoje, o Médio Oriente é mais inseguro que África. Acho que agora é muito importante enfatizar o progresso e o desenvolvimento económico mais positivo e criativo dos jovens africanos. África tem uma população de jovens criativos, mas que os políticos devem orientar e ajudar para realizar os seus sonhos. Porque África tem tudo: recursos naturais, terra arável. Falta apostar mais no sector da formação técnica.
E, no caso específico do Ruanda, como olha hoje para os efeitos do seu passado de conflito?
O povo ruandês aprendeu as lições de um conflito interno, entre irmãos. Houve um processo de reconciliação nacional e de desenvolvimento. Agora, estamos no bom caminho, porque o povo já viu o resultado da reconciliação. Os benefícios estão à vista e hoje ninguém mais quer pensar nessa política de divisão para atingir o poder.
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...