ANGOLA GROWING
FERNANDO SOLINHO, EMPRESÁRIO

“Por mais que produzamos, será muito difícil substituir as importações”

04 Nov. 2020 Grande Entrevista

Critica a fusão das pescas com a agricultura e espera por uma “inevitável separação” desses dois pelouros. Um dos maiores produtores de sal do país, Fernando Solinho afirma que será muito difícil inverter as importações por causa das ‘comissões’ que ‘engordam’ certos bolsos. E entende que o combate à corrupção ainda nem começou, mas já está a afectar “o pacato cidadão”. Confessa ainda não acreditar na execução dos programas económicos, por falta de fiscalização.

“Por mais que produzamos, será muito difícil substituir as importações”
D.R

O Ministério das Pescas e do Mar voltou a ser agregado à Agricultura. Qual é hoje a sua opinião, sendo que sempre defendeu a separação destes dois sectores?

Mantenho a minha convicção de que esses dois sectores económicos, quando unidos, tendem a fracassar os dois. O nosso país tem muita água atlântica, ou seja, temos uma costa marítima com cerca de 1.600 quilómetros, além dos rios, riachos e lagoas. Temos ainda muito chão (mais de um milhão de quilómetros) do qual, no mínimo, 33% é arável. Assim sendo, está justificada a minha defesa. Só lamento que quem de direito não tenha dialogado com o chefe do Executivo, o Presidente João Lourenço, e explicado o fracasso que se viveu na fase do ministro Pedro Kanga. Mas tenho fé que não tardará e voltaremos à inevitável separação. Vamos devagar!

 

Qual é a dificuldade de se evitar o dispêndio de divisas com a importação de sal?

Importar ainda faz parte de muitos que decidem em nome do país. Lamentavelmente, o Executivo alega que ouve as associações, escuta as populações, mas, na prática, é mero charme de governação. Só assim se justifica a entrada de sal. A Aprosal, uma associação que agrega todos os produtores de sal do país, nunca foi consultada para justificar se, de facto, se impõe a importação de sal. Portanto, os velhos hábitos de exportar capital (euros/dólares) com a simulação de importação de produtos básicos (alimentares e não só) continua. Mas esperemos que essa fase esteja a chegar ao seu fim. Oremos.

 

As importações rendem ‘comissões’?

Exactamente!

 

Mas há capacidade nacional para se inverter o quadro?

Por mais que produzamos, será muito difícil substituir a importação de sal. Um dos maiores consumidores de sal é a indústria extractiva de petróleo, que consome mais de 500 mil toneladas/ano. Nós (produtores nacionais) estamos a lutar para chegar às 200 mil.

 

Que impacto está a ter a covid-19 na manobra das empresas do sector salineiro?

A covid-19, até ao momento, no Namibe, não trouxe alterações negativas. Temos de reconhecer que tal positivismo tem que ver com o alastramento da pandemia que chegou tarde à nossa província. Resumindo, nenhum produtor pode ter a covid-19 como pretexto de baixa de produção. Até porque o sal é um dos produtos indispensáveis à vida animal onde estamos inclusos, onde tudo o que se produz é consumido.

 

Mas a sua empresa não despediu nenhum dos 115 trabalhadores?

Felizmente, mantemos o mesmo número de trabalhadores. Não houve, até ao momento, motivos para dispensarmos algum. Mas, como essa pandemia nos vai surpreendendo ao minuto, tudo pode acontecer de forma penalizante. Cuidemo-nos.

 

Acredita em programas do Governo, como o PAC, Prodesi, e o mais novo, o PIIM?

Por regra e por respeito, nós acreditamos em todos os programas idealizados, aprovados e em curso.

O nosso principal problema está em saber quem fiscaliza a execução dos mesmos. Existe uma máxima que diz: “Em tempo de crise, quem guarda o guarda?”

 

O que isso significa?

Os resultados de todos os programas dependem de uma fiscalização isenta, competente e...honesta. Resumindo, estou céptico em relação à qualidade de todos os programas colocados à disposição da sociedade.

 

Sabe-se que nunca recorreu a financiamentos para alavancar a sua salineira. Onde está o segredo?

O segredo da Saldo Sol, Lda. está no seguinte: somos dois sócios que trabalham em tempo integral para a empresa, não fazemos gastos fúteis, valorizamos a classe de trabalhadores que compõem a empresa. Jamais, em 27 anos de existência, tivemos um salário em atraso. Cumprimos com todos os subsídios a que os trabalhadores têm direito, honramos com todos os impostos a que estamos sujeitos, reformamos todos aqueles que atingem o momento certo. De entre outros segredos, esse nosso comportamento faz com que este empresa seja respeitada por tudo e todos.

 

Quanto já investiu na empresa, visando a sua modernização?

A empresa, todos os anos, faz dos seus lucros um investimento na melhoria do nosso produto e das forças vivas que a ladeiam. Portanto, todos os anos investimos mais de 85% dos lucros na nossa organização. Tanto na renovação de equipamentos como ‘dampers’, electrobombas, meios de trabalho de sacaria e demais. Podem chegar a atingir valores razoáveis à nossa comercialização.

 

Que não estão quantificados?

Acho que isso é irrelevante.

Qual é a vossa capacidade de produção?

Somos uma pequena empresa no universo nacional. Produzimos pouco mais de cinco mil toneladas ano (2,5% da produção nacional), com uma e única diferença das demais: produzimos com qualidade, presença comercial e com muito rigor.

 

Tem sido crítico do afastamento dos empresários namibenses do Governo. Porquê?

A classe empresarial, nessa fase da covid-19, está mesmo divorciada dos governantes, literalmente. Vamos gerindo com métodos virtuais e outros de manter a máquina em funcionamento. A título de exemplo, o actual ministro da Agricultura e Pescas e demais altos responsáveis do superministério já visitaram parte da costa marítima várias vezes e ainda não chegaram ao Namibe. Enfim...

 

Mas o Namibe, além de sal e peixe, tem também um deserto subaproveitado. Concorda?

Devem responder os governantes.

 

O que acha do combate à corrupção?

O combate à corrupção tomaria um verdadeiro caminho de solução se tivesse a mesma atenção que temos ao combate à covid-19. Acreditem que, se a envolvência massiva no combate ao vírus fosse a mesma ao combate à corrupção, o país estaria livre desta pandemia chamada corrupção em tempo recorde. Resumindo, esse combate ainda não se iniciou e já desgastou até o pacato cidadão que engraxa sapatos. Vamos fazer mais como…

 

Portanto, admite um fracasso?

Como a pandemia da covid-19 serve para tudo...tudo pode acontecer, só não temos um horizonte temporal. ‘Ngana Nzamby we gia’, ou seja, que Deus nos ajude.

 

O porto do Namibe é dos mais caros do país. Isso não interfere negativamente no desenvolvimento económico da região?

O porto do Namibe é uma empresa pública a ser gerida com métodos privados, cujos gestores estão mais preocupados em ganhar milhares do que melhorar a gestão de custos. Fica assim...Vamos esperar para crer num futuro melhor.

 

Voltemos às importações. É um sonho adiado a substituição das importações?

Exportar tem sido um ‘slogan’ de muitos dirigentes que, em clima climatizado, fazem confusão com quilos e toneladas, além de certas equações. Só Deus sabe onde eles vão buscar tais resultados. No nosso país, contam-se os produtos alimentares em condições de exportar. Entrem na real. Sou apologista que deveremos produzir muito, mesmo sem a qualidade de excelência, inundar os mercados e calmamente entrarmos na produção com qualidade, diminuindo as quantidades. Se assim o fizermos, acreditem que, dentro de 10 anos, teremos o nosso espaço internacional. Agora injectam milhões hoje e pedem exportação amanhã. Estamos em que planeta?

 

Foi criado recentemente o Conselho Económico Social. É uma boa ideia?

A ideia é extraordinária, mas existem pacatos cidadãos anónimos que são detentores do conhecimento do país e sem compromissos morais que deveriam também ser escolhidos. Conheço alguns dos escolhidos e só pelo facto de serem membros deste conselho já mudaram o seu comportamento. Assim não vamos lá e os resultados a que o Presidente da República gostaria de atingir estarão comprometidos. Mas quero estar errado...

 

UMA VIDA DEDICADA AO SAL  

Nasceu em Malanje, mas identifica-se mais com as terras da ‘welwitchia mirabilis’, onde há mais de duas décadas decidiu investir na produção e comercialização do sal. Considerado muito dedicado à sua actividade na província, não gosta de falar de si. “O meu perfil? Dispenso! Espero que sejam os outros a destacar ou criticar a minha acção”, rebate o empresário que tem “muitas sugestões” e que já chegou a chamar atenção ao chefe do Governo “sobre muita coisa que deve ser corrigida”, para tocar o país para frente.