“Poucos clientes para muita produção”
ARTESANATO: Fazer peças a mão é profissão informal, mas não ilegal. É das artes milenares que sustentam famílias e que geram empregos. Mas é muito irregular. Em princípio, só têm pagamentos mensais aos mercados para poder expor. Não há créditos por ser de risco. Mesmo assim, artesãos não desistem.
De acordo com o livro ‘Zungar pela Cidade, jovens actores na economia informal em Luanda’, de Floruival Raimundo de Sousa, “o sector informal pode ser caracterizado como um conjunto de unidades empenhadas na produção de bens e serviços, tendo como principal objectivo a criação de emprego e rendimentos para pessoas nelas envolvidas. E funcionam normalmente com fraco nível de organização, com pouca ou nenhuma divisão entre trabalho e capital, operam em escala reduzida e baseiam-se na maior parte das vezes por grau de parentesco.” Os artesãos fazem parte deste grupo que se junta para um serviço não ilegal, mas informal, que garante o sustento das famílias e, de forma indirecta, a divulgação da cultura nacional.
A ‘palanca negra gigante’, o ‘pensador’ e o ‘mapa de Angola’, feitos em madeira, são das peças mais solicitadas tanto por nacionais, como por estrangeiros. Os adereços decorativos e domésticos como cestos, tapetes, bases, bandejas, abanos, sacolas de compras, entre outros, produzidos em ramo de mateba, também estão entre os artigos de artesanato. O preço mínimo ronda os mil kwanzas e podem ser mais caros, dependendo do estilo, tamanho, tipo de pau e até do possível cliente interessado.
A mateba normalmente é adquirida no mercado das palmeirinhas e ramiros. Já a madeira preta, a mais solicitada, vem principalmente do Tomboco, Zaire, e, em Luanda, é comercializado nos mercados dos ‘Kwanzas’ e do Kikolo. Um tronco de madeira de um metro pode custar até 15 mil kwanzas. Já o atado de mateba, com 100 ramos, vende-se por três mil kwanzas.
As principais dificuldade dos artesãos passam por conseguir um ponto estratégico de vendas, como locais muito frequentados por turistas, os principais clientes. Sentem também dificuldades na divulgação das peças, já que não recebem convites para participar em exposições internacionais e nacionais, “que valorizem mais a cultura, porque a cultura não é só música e comida”.
Na ilha do Cabo, há artesãos que pagam cerca de seis mil kwanzas mensais à administração comunal pelo espaço de exposição. No Benfica, mensalmente, os comerciantes e artesãos pagam dois mil kwanzas cada um à administração do mercado e, em Cacuaco, não se paga nada para expor.
Os artesãos passaram a produzir também adereços decorativos como porta-guardanapos, chaveiros, lembranças de aniversários e casamentos, pulseiras, brincos entre outros. Os preços são muito discutíveis, tudo tem que ver com a quantidade, tamanho e pessoa. Exemplo de uma manada de elefantes de seis elementos, na Ilha do Cabo, pode custar a partir de 10 mil kwanzas. Um cesto grande no Benfica pode custar entre quatro e cinco mil kwanzas.
Janeiro, Junho e Dezembro são os meses mais rentáveis, muito por causa dos turistas nacionais que vão de férias e preferem levar alguma peça de recordação dos hábitos e costumes dos angolanos.
Domingos Pires, de 56 anos, é artesão há mais de 35 anos e trabalha na ilha de Luanda há sete. O seu foco está na escultura em madeira e acessórios de beleza como missangas, pulseiras e brincos. Todo o rendimento provém da venda de peças de arte com a qual sustenta a família de oito membros. A produção de uma peça pode levar mais de um dia.
Domingos Pires gostaria que, tanto as empresas como as pessoas, valorizassem mais a arte, comprando mais e incentivando os fazedores. Tal como os outros artesãos que falaram ao VALOR, apela ao bom senso dos jovens, para aprenderem a arte no sentido de garantirem a sua continuidade. “Caso contrário, daqui a 20 anos, poderá não haver artesãos capazes de dar continuidade ao legado”, receia. “A arte vem do espírito criativo, por isso temos de inovar todos os dias”, declara Maketeca Lussala, de 45 anos, que justifica o porquê de ter feito o Pensador com uma estrela na cabeça.
Os artesãos devem estar inscritos na Aproart, para poderem fazer exposições internacionais, aconselha Lussala, que vive da arte há mais de 25 anos e já passou pela praça do Benfica, São Paulo e, hoje, se encontra na Ilha do Cabo. As peças que representam símbolos de Angola são as mais solicitadas, principalmente por estrangeiros.
Em Cacuaco, há um enorme busto da rainha Njinga Mbandi, calculado em 100 mil kwanzas. Os artistas do município pretendem criar uma associação, faltando apenas o apoio da administração para concluir o processo, além de apoios financeiros.
Afonso António, de 55 anos, vive desta arte há 25 anos, mas confessa que “não é fácil” conseguir crédito para o negócio, reconhecendo que tem muitos riscos. “Há semanas em que só se vendem cinco peças e há outras em que não há vendas. Há muita produção para pouco clientes”.
Outro vendedor de Cacuaco, Kissunda Enriques, de 45 anos, trabalha na arte há 30 anos e lamenta ser “pouco valorizado” enquanto artista, principalmente por quem não conhece a arte. Acredita, entretanto, que, se o Ministério da Cultura e as empresas apostassem mais na publicidade e divulgação desta arte, “poderia ter maior aceitação”, principalmente entre os jovens.
A vender na praça do Benfica, Helena Constantino, de 42 anos, moradora no bairro da Sapu, trabalha em artesanato há 20 anos, e sempre a produzir cestos de roupa, bases e bandejas com ramo de mateba. Para comercializar, procurou fazer economias e juntar-se à tia, para alavancar o negócio.
No mercado, o expositor paga semanalmente 500 kwanzas à administração. As vendas são muito irregulares. O maior número de clientes são as decoradoras e donas de casa. Há dias em que não aparecem clientes, mas a força, persistência e o gosto pela profissão são maiores.
Por dia, pode produzir dois a três cestos. Helena Constantino adquire o material nos mercados dos Ramiros e das Palmeirinhas.
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