“Preocupamo-nos muito com o imediatismo”
MÚSICA. Feliz pelo reconhecimento internacional, Jack Nkanga, vencedor do prémio no festival ‘Le Rêve Africain’, em França, entende que pessoas ainda não conseguem compreender seu estilo musical. Mas isso não o perturba. Gosta de actuar para público mais eclético e não só para angolanos.
O prémio do festival ‘Le Rêve Africain’ é sinal de que está a ser apreciado por um público mais vasto?
Não foram os votos que determinaram a minha vitória. O voto é necessário para que a organização veja a sua popularidade. Foi mais pelo júri.
O que representa este prémio?
Fico feliz pelo facto de ter sido reconhecido, não por mim, mas pela compreensão das pessoas que acharam que tinha qualidade para vencer. E essas pessoas conseguiram transmitir às que não compreendem o que faço, essa é a minha maior felicidade.
Sente reconhecimento em Angola?
Não tenho nada que cobrar a Angola. A minha visão é tanto quanto incomum, tenho interesse na natureza em geral. Existo não somente para Angola. O que me interessa é o facto de as pessoas poderem ouvir a minha música e identificarem-se, não interessa que sejam angolanos ou estrangeiros.
Porque não aparece em concertos das multidões?
A sociedade é baseada em ciclos. Existem artistas que já são de um certo ciclo e não pertenço a esse ciclo. Tudo é comercial. E não faz parte de que ciclo? Não gosto de rotular as coisas, porque, depois, separamos, e não sou a favor da separação. Há necessidade de nos unirmos. Alguns preferem as particularidades e isso não nos leva a lado nenhum.
Já foi ao encontro deles?
Toda a vontade tem um limite. No ciclo das massas, o que se busca são as músicas que tocam em rádios, a que chamamos música popular.
Não faz música comercial?
Faço música calma. Não é minha intenção que a minha música não seja comercial, porque tudo é comercial. Mas o que acontece é que o mundo é caminhado com base numa mecânica. Existem códigos totalmente comerciais. Vou mais pela humanização.
O que pretendia dizer com a frase “não é qualquer um que chega a Nova Iorque e canta”?
Disse isso quando fiz a primeira apresentação em Nova Iorque, nalgumas salas de música. Todo o mundo sonha em cantar em Nova Iorque, mas nem todos têm capacidade de cantar e encantar.
Existem cantores que recebem convites para actuar em discotecas e dizem que estão em tournée?
Nunca saí de Angola para cantar para a comunidade angolana, talvez pela identidade da minha música, talvez porque é tida como música universal. Quando vou, canto para o público residente, em festivais e salas reconhecidas e, na maior parte, não há angolanos.
A que se deve a falta de convites?
Se semeares batata não colhes mandioca. A maior parte dos artistas preocupa-se mais com o mercado angolano. Em Nova Iorque, cantei em Silvana, Harlem entre outros espaços, onde passam músicos de todo o mundo.
O seu estilo já é respeitado?
É uma música em compreensão.
Como assim?
Não é algo ainda tão entendido como devia ser. Tudo porque falta valorização e mais divulgação, não da minha parte. Fazemos parte de uma sociedade e ninguém faz nada sozinho, cada um tem de fazer a sua parte. Faço a minha e alguém tem de divulgar.
Como se descreve?
Sou artista eclético, alguém que é apaixonado por tudo quanto seja som, produzido pelo motor ou de forma natural, desde que goste e ache que deva fazer parte da minha música.
Como vê a música angolana?
Preocupamo-nos muito com o imediatismo. Precisamos de explorar mais as nossas coisas do interior.
PERFIL
Nkanga Jack Fernando, conhecido como Jack Nkanga, é compositor, autor e produtor. Canta e toca sobretudo soul e funk rock, tem um único CD e já recebeu dois prémios. Em 2014, venceu a ‘Balada do Ano’, no Top Rádio Luanda e, este ano, venceu o festival internacional ‘Le Rêve Africain’, em França. Na música, Teta Lando, David Zé, Lokua Kanza, James Brown, Bob Marley são referências suas. É fundador da produtora Konono Soul.
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