TRÊS ANOS DE GOVERNAÇÃO

Principais indicadores macroeconómicos contra JLo

29 Sep. 2020 Economia / Política

BALANÇO. No comando dos destinos do país desde Setembro de 2017, João Lourenço não tem, a seu favor, os principais indicadores sobre a evolução da economia. Desemprego, perda do poder de compra e agravamento vertiginoso do rácio da dívida, face ao PIB, estão entre os destaques de uma governação reprovada por mais de 80% dos angolanos.

Principais indicadores macroeconómicos contra JLo
D.R

Dados do ‘Inquérito ao emprego em Angola’, do Instituto Nacional de Estatística (INE), indicam que o desemprego atingiu 32,7% no segundo trimestre de 2020, valor superior em 0,7 pontos percentuais ao do trimestre anterior (32,0%) e 4,0 pontos percentuais relativamente ao trimestre homólogo (28,7%). Quando João Lourenço assumiu o poder, em 2017, o índice de desemprego estava na ordem de 20%, ou seja, o Governo acumulou pela negativa 12.7 pontos percentuais.  

Referindo-se a esses indicadores, em declarações recentes ao VALOR, o economista Alves da Rocha notou que,“com uma taxa de desemprego nos 32%, isto pode equivaler, para determinados níveis de produtividade, a uma perda de incremento do PIB à volta de entre 7 e 9 mil milhões de dólares por ano”. E “se a esta taxa de desemprego se junta a taxa de desemprego da juventude, que subiu para 57 ou 58%, segundo os últimos dados do INE, isto é uma catástrofe”, sublinhou o reputado economista.

Justino Pinto de Andrade, político e economista, chegou igualmente a defender que “o aumento do desemprego é também uma consequência de algumas políticas erradas do Governo” ao discursar, na última semana, na abertura da reunião do Conselho Nacional do Bloco Democrático.

Entre os milhões que foram para o desemprego constam, por exemplo, as centenas de trabalhadores despedidos na banca, no ano passado, por força da retirada das licenças dos bancos Postal e Mais, por alegado incumprimento de aumento dos fundos próprios regulamentares. Só no Postal, foram mais de 600 funcionários despedidos, banco que tinha, entretanto, o rácio de solvabilidade nos 53%, muito acima dos 10% exigidos pelo BNA, o que, para determinadas correntes, a decisão do BNA foi politicamente motivada, uma vez que não existia risco de falência.

Saltando do desemprego para a inflação, a tendência de deterioração dos indicadores mantém-se. De acordo com o BNA, em Agosto, a inflação acelerou na ordem de 1,83%, registando-se um acumulado de 23,41% no mesmo mês. Em todo o ano de 2017, a subida acumulada nos preços foi de 23,67%, registo muito superior à previsão de 15,8% para o período entre Janeiro e Dezembro que o Governo inscrevera no OGE.

O pico da inflação, em 2017, foi, porém, registado entre Setembro e Outubro, período em que os preços em Angola aumentaram 2,39%, logo após as eleições gerais de Agosto. No ano anterior, o máximo da inflação registou-se em Julho quando o aumento médio de preços se fixou nos 4%, como reportam os dados do INE.

A instabilidade cambial é apontada como uma das razões para o aumento generalizado dos preços, assim como a implementação do IVA, em Outubro de 2019. Mas o Governo defendia, na altura, que a especulação e o açambarcamento contribuíam significativamente. “A investigação dos factores que influenciaram esta variação evidenciou que 22,34% da variação total não é explicada pelos factores (como escassez de produtos ou divisas), mas da especulação resultante da aplicação indevida do IVA e ao mero açambarcamento e restrição à concorrência por parte de alguns agentes comerciais, sendo que 22,66% é explicado pelo efeito dos factores estruturais, maioritariamente o excesso de liquidez no mercado reflectido na variação da taxa de câmbio”, escreveu o Ministério das Finanças, em nota enviada ao VALOR em Novembro de 2019.

O Ministério acrescentava que “5% da variação é explicada pela elasticidade do preço da procura destes produtos, dado que a sua demanda aumentou, em média, 3% no período em análise, devido ao aumento da população na mesma magnitude”.

O câmbio flutuante…

Em 2017, João Lourenço encontrou o câmbio fixado em 165 kwanzas, mas, em Fevereiro de 2018, introduziu o regime de câmbio flutuante, o que levou o kwanza a derrapar bruscamente, face às moedas de referência estrangeiras. Na última semana, o dólar esteve a ser transaccionado acima dos 620 kwanzas no BNA, não variando muito nos bancos comerciais. O euro, que estava cotado em 199 kwanzas, em 2017, atingiu os 700 kwanzas nos bancos comerciais e mais de 900 kwanzas no mercado informal, batendo análises mais optimistas como a do Centro de Investigação de Temas Políticos e Económicos da África Austral (Cedesa), que considerou, em Agosto, que, “com os níveis de Reservas Internacionais actuais, não se deve esperar por uma forte depreciação da taxa de câmbio formal, nos próximos meses”.

A análise concluía que, com o ajustamento cambial registado entre 2019 e 2020, a taxa de câmbio formal já estava muito próxima dos valores de equilíbrio de mercado e que o diferencial entre a taxa de câmbio de referência (a que o BNA negoceia com os bancos comerciais) e a informal não tem origem no mercado formal.

Rácio da dívida também disparou…

Nos últimos três anos, também é notável a tendência do aumento do rácio da dívida pública. O stock da dívida pública, em 2019, aumentou em termos nominais 48,7%, passando de 23 para 34,3 biliões de kwanzas, equivalente à 71,9 mil milhões de dólares de acordo com o relatório de execução do Orçamento Geral do Estado de 2020 do Ministério das Finanças. Com o referido aumento, o rácio da dívida sobre o PIB passou de 84% para 110%, depois de já ter saído de 65% para 84% entre 2017 e 2018.

Falando ao VALOR sobre a temática, em Junho deste ano, o economista Alves da Rocha defendeu que a viabilidade da dívida dependia “das condições em contratação, como as condições da forma, tempo e o modo em que a mesma foi adquirida, ou seja, condições com as taxas de juros e de onde ela vai ser aplicada”. E acrescentou “ser altamente prejudicial” um Governo “contrair dívida para comprar veículos para ministros ou deputados, ou ainda para construir edifícios de utilidade duvidosa”.

No caso de Angola, entretanto, encontram-se alguns gastos com recursos a financiamento que se questionam. Por exemplo, ainda este mês de Setembro, o Presidente da República aprovou um acordo de financiamento no valor de 108 milhões de euros com o britânico BSBC BankPlc e outras instituições financeiras para a aquisição de bens e equipamentos móveis para o governo de Luanda.

E sobre a corrupção…

Tido como o principal activo da governação de João Lourenço, o combate à corrupção, à impunidade e ao clientelismo continua, entretanto, por reunir consensos quanto aos resultados alcançados. O tema da independência da justiça, da transparência dos processos e da selectividade da agenda continua a dividir as opiniões. E casos mais recentes, como o de Edeltrudes Costa, são agora apontados como verdadeiros testes à consistência e à transparência de João Lourenço.

O político Sapalo António, por exemplo, entende que o desfecho do ‘caso Edeltrudes Costa’ será determinado pela “conveniência de João Lourenço porque não há instituições autónomas”. “Temos de entender a jogada de João Lourenço”, reforça, salientando que “todos os indivíduos que são do agrado de João Lourenço estão assegurados” neste combate à corrupção, que considera “selectivo”. Para Sapalo António, o chefe do gabinete de João Lourenço pode ser protegido, visto tratar-se de “um dos maiores carrascos das eleições”.

Na última semana, uma investigação da estação portuguesa TVI revelou que João Lourenço terá favorecido o seu chefe de gabinete, através de contratos públicos milionários com a empresa EMFC. Enquanto isso, a sociedade continua sem ter números sobre os valores alegadamente recuperados no âmbito do repatriamento coercivo de capitais ou dos dinheiros eventualmente entregues com o repatriamento voluntário.

Maioria esmagadora dos angolanos reprova Governo de JLO

Mais de três quartos dos angolanos (78%) consideram “mau” ou “muito mau” o desempenho do Governo na manutenção da estabilidade dos preços, outros 75% dão a mesma nota negativa na criação de emprego e na melhoria da condição de vida dos pobres, ao passo que 71% reprovam a gestão geral da economia.

As conclusões, divulgadas na última semana, são da Afrobarometer, uma rede de pesquisa pan-africana e não partidária que coloca Cabinda e Luanda como as províncias mais descontentes com o Governo de João Lourenço.

Na capital, o nível de descontentamento chega mesmo aos 90% quanto à estabilidade dos preços, ao passo que 88% reprovam a inacção na criação de emprego. Números quase semelhantes ao descontentamento em Cabinda: 90% contra a incapacidade do Governo de criar emprego e 89% contra a instabilidade dos preços.

O inquérito abordou 2.440 angolanos adultos entre 27 de Novembro e 27 de Dezembro de 2019.