“Queremos uma relação directa, sem intermediários”
Há um ano e meio a liderar a embaixada em Angola, faz uma avaliação positiva das relações entre os dois países, mas acredita que, quando a economia internacional recuperar, Angola e Uruguai vão cimentar as áreas de cooperação com destaque para a agricultura e turismo. Garante que, no próximo ano, acontece o fórum de negócios entre os dois estados. No entanto, defende as parcerias empresariais e afirma que Uruguai e Angola não precisam de intermediários, nas relações comerciais.
Que avaliação faz da cooperação Angola-Uruguai, quase dois anos depois da abertura oficial da embaixada uruguaia em Luanda?
É uma avaliação positiva. Tudo isso não é resultado de um curto tempo. Temos muitos anos de relações de trabalho e, nestes anos, desde 1987, as relações têm aumentado nos diversos domínios, desde as questões políticas e económicas. Temos passado por várias etapas. Nas relações diplomáticas, posso referir que o Uruguai passou por um período de ditadura militar entre 1973 e 1985. Quer dizer que, pouco tempo depois de retomada a democracia no Uruguai, em Março 1987, estabelecemos relações com Angola e, a partir daí, tudo se intensificou. Em 2004, foi nomeado o cônsul honorário para o Uruguai, o diplomata angolano Manuel Duque, que tem feito um trabalho fantástico.
Este estabelecimento de relações traduziu-se em que resultados concretos?
No início, criámos brigadas de apoio aos diferentes sectores de actividade, nomeadamente professores, médicos, contabilistas, mecânicos e padeiros. Tiveram uma participação muito activa no lançamento da Universidade Agostinho Neto. Trabalhámos no redimensionamento da língua espanhola em Angola, junto com outras embaixadas Ibero-americanas que estão aqui. Em 2014, abrimos a embaixada residência, porque, antes desta data, toda a movimentação diplomática era feita a partir da África do Sul. Ainda quero lembrar que já tivemos um encontro com o ministro das Relações Exteriores no ano passado, em Nova Iorque, e tratámos de questões bilaterais. Chegaram a Angola duas missões empresariais do Uruguai para reuniões oficiais e com grupos empresariais angolanos fortes para identificar áreas de negócios e criação de parcerias. Tivemos, no início de Setembro, a visita do ministro angolano da Relações Exteriores. O intercâmbio tem sido intenso neste um ano e meio e temos tido contactos com vários ministros no sentido de identificar mais áreas de cooperação.
Mas o que permitiu, concretamente, essa visita do ministro angolano?
Esta visita permitiu a criação de condições para preparar a reunião de altas autoridades que, penso, venha a acontecer, se tudo correr bem, em Fevereiro de 2017, para tratar de temas políticos e de interesse comum. Mas tudo depende dos cenários. O ministro angolano teve reuniões com os empresários uruguaios. Penso que foi uma visita realmente produtiva na relação entre os dois países. Os empresários angolanos que fizeram parte da delegação tiveram a oportunidade, num encontro, de tomar conhecimento das potencialidades do Uruguai. Além disso, estamos a trabalhar para a criação da comissão bilateral de cooperação económica, cultural, científica e técnica. Temos quadros angolanos a capacitar-se no Uruguai e estamos a trabalhar com as universidades Agostinho Neto(UAN), Gregório Semedo(UGS) e Católica(UCAN), no sentido de reforçar a cooperação. Os contactos estão a ser desenvolvidos no sentido de que uma universidade pública uruguaia abra, em Angola, com cursos de pós-graduação.
Em que áreas o Uruguai pensa desenvolver a formação de quadros angolanos?
Estamos a trabalhar com instituições públicas e privadas e as áreas são aquelas que nos pediram, nomeadamente medicina, agricultura, engenharia e veterinária.
Para quando um fórum de negócios Angola-Uruguai?
Em Novembro, o ministro angolano da Agricultura vai deslocar-se ao Uruguai para conhecer a realidade uruguaia, em termos de produção agrária e de investigação. Pensamos que, com a realização da reunião da comissão bilateral, estaremos em condições de dizer que, em Fevereiro de 2017, vai acontecer o fórum de negócios. Já tivemos, em Angola, duas missões empresariais dos diferentes sectores e, fruto desta visita, o Uruguai iria participar pela primeira vez na Feira Internacional de Luanda (Filda) 2016 com um stand institucional. Lamentavelmente foi adiada. Nesta nossa tarefa de representantes, abrimos também temas económicos e sociais em que estamos a trabalhar, incluindo soluções criativas para a saída da crise financeira internacional que afecta os nossos países. Somos dois países que, neste momento de crise, devemos aumentar o intercâmbio para a estabilidade dos nossos povos.
A Fil anunciou o cancelamento da Filda também por falta patrocínios. Parece-lhe razoável?
Não sei nada. A acontecer é muito triste. Não se cancela uma feira 15 dias antes da data prevista. Os nossos empresários tinham o desejo de entrar no mercado angolano, apresentando o que de bom se faz no Uruguai. Ainda assim, penso que há países que criaram condições para que as suas empresas estivessem em Luanda em Novembro, conforme tinha sido anunciado. O cancelamento da Filda pode gerar desconfiança dos investidores em relação ao mercado. Vamos respeitar a decisão e vamos esperar o próximo evento.
Como estão as trocas comerciais entre os dois países?
As trocas comercias, Angola-Uruguai, ainda são limitadas e, basicamente, se buscarmos o histórico entre os dois países, Angola exporta para o Uruguai petróleo e, em sentido contrário, a procura angolana vai desde produtos diversos que varia geralmente de ano a ano. Os produtos do meu país chegam a Angola através de navios brasileiros ou europeus. E o que a embaixada está a fazer é estabelecer as trocas comerciais de forma directa de tal forma que as empresas angolanas e uruguaias trabalhem juntas, sem passar pela intermediação de outros operadores. Essa é uma ideia que queremos materializar no curto espaço de tempo.
Está a falar em parcerias empresariais?
Estamos a trabalhar para que haja um envolvimento, de modo a que Angola possa interagir com produtos africanos no mercado da África austral e o meu país possa fazer um trabalho semelhante no Mercosul.
Quanto valem as trocas comerciais entre Uruguai e Angola?
Vamos falar dos últimos três anos. Em 2013, Angola exportou para o Uruguai 30 milhões de dólares em petróleo. Já em 2014 e 2015, só exportou 10 milhões de dólares também em petróleo. Quanto às exportações do Uruguai, durante o período em referência, Angola importou 2,5 milhões de dólares em produtos agropecuários. No ano passado, apenas um milhão de dólares. Isto é o que se chama de entrada directa de bens. Mas acredito que, a partir de outros países, muito mais produtos entram em Angola e como não estão registados, então, não entram nas estatísticas. Isso acontece também com o petróleo angolano.
Nesta cooperação entre nações, qual é o maior interesse do Uruguai?
Temos as coisas muito claras. Sabemos que são duas economias complementares. Não temos petróleo, mas somos muito eficientes na produção de alimentos. Fazemos dos alimentos o nosso petróleo, porque somos um país com três milhões de habitantes e estamos a produzir alimentos para 30 pessoas. A carne lidera as nossas exportações. Temos um clima propício para a criação de gado e pradarias apropriadas para o pasto e conseguimos, de forma diferenciada, produzir carne. Temos uma das melhores carnes do mundo. Temos o gado chipiado e isso permite-nos o controlo do animal desde o nascimento até ao abate e a isso se juntam os lacticínios. Temos uma produção natural. Estamos a trabalhar para arrancar com quatro projectos nos sectores da agricultura e turismo ambiental. O que falta apenas é determinar as zonas para desenvolver os projectos.
Há perspectiva de transferir esta experiência para os empresários angolanos do sector agrícola?
Estamos a fazer alguns projectos de cooperação no sector agrícola e em questões necessárias para Angola melhorar a produção e a qualidade destes produtos. O grande problema pode ser o clima. No Uruguai, não podemos ter frutas tropicais e o clima de Angola não permite desenvolver determinados tipos de animais, porque é mais quente. Obviamente, existem projectos que podem ser desenvolvidos. Tive aqui a visita do director dos assuntos internacionais do ministério do Gado, Agricultura e Pescas. Agora, com a visita do ministro Chicoty, já é possível traçar um caminho seguro para a cooperação neste sentido com os empresários angolanos interessados em desenvolver o sector agro-pecuário.
Temos investidores angolanos a operar no mercado uruguaio?
Existem uruguaios em Angola, embora de forma limitada. Também temos investimento angolano na hotelaria, conservação e agricultura no Uruguai. Temos poucas empresas em Angola. Os dois países têm uma proximidade que permite um relacionamento mais amplo. Mas, quando a situação económica e financeira melhorar, temos toda a certeza de que haverá mais investimentos nos dois sentidos.
Para os interesses uruguaios, a desaceleração da economia angolana é preocupante?
A economia nunca é linear. Há períodos de alta e de baixa económica. Penso que o plano da diversificação da economia que está a ser feito por Angola é muito inteligente e necessário. O tema do petróleo continuará a ser importante para Angola e, para nós, são importantes determinados sectores onde temos determinadas facilidades, como a criação de gado. Estamos a produzir arroz e agua mineral de alta qualidade.
Como está a ser aplicado o acordo de supressão de vistos?
Para passaportes de serviços e diplomáticos, temos tudo em funcionamento nos dois países. Estamos a terminar as negociações na supressão de vistos para homens de negócios e existe a possibilidade de que se possa fechar este acordo na próxima visita do ministro angolano das Relações Exteriores.
Qual é o objectivo desta negociação?
Estamos a tentar aumentar as trocas comerciais e temos de criar mecanismos que facilitem a entrada e saída de empresários sem burocracia. Para os empresários, queremos que, em vez de terem um visto de três meses, lhes seja concedido um visto para dois anos com múltiplas entradas, evitando-se os pendentes de espera. Assim, teremos mais facilidades no intercâmbio entre os homens de negócios. Angola tem este acordo assinado com o Brasil e a Argentina e agora quero que seja com o Uruguai.
Ainda mantém a possibilidade da cooperação com Angola na exploração hídrica para a produção de energia?
Não temos petróleo e o gasto público na compra de petróleo é muito alto. Faz tempo que o governo do meu país trabalham na geração de energia alternativa. Temos a produção hidroeléctrica boa e somamos a isto a energia eólica e solar. Hoje 50% da geração de energia é alternativa e não de combustíveis fósseis. Pensamos que é possível partilhar a experiência angolana na produção energética. Sei que esta não é a prioridade de Angola que está a apostar na agricultura, turismo e pescas.
Como está a questão da exploração de petróleo no Uruguai?
Tentámos fazer com a Total. Mas a última informação que nos chegou ainda este ano é que não foi encontrado petróleo no nosso país. Se existe, não é fácil de extrair. Ainda está em ‘stand by’ e sei que existem estudos que revelam que o Uruguai é um país sem petróleo.
A parceria com a Sonangol consiste em quê exactamente?
Para a pesquisa de hidrocarbonetos, não existe nenhum protocolo, mas uma parceria com a empresa pública uruguaia de petróleos e a Sonangol, que foi assinado em 2013, permite fazer todo o tipo de intercâmbio. Pensamos em fazer um acordo, mas está em consideração porque a Sonangol está a passar por uma reestruturação muito importante, estamos a aguardar para efectivar a parceria.
Como avalia a política externa de Angola?
Estamos juntos no Conselho de Segurança da ONU e o nosso trabalho tem sido a promoção da paz no mundo. E este país está a fazer um grande trabalho na região dos Grandes Lagos. O Uruguai tem, neste momento, uma brigada de Paz na República Democrática do Congo e somos uma nação que, apesar de pequena, contribui com tropas na ONU em missões de paz.
Quanto à cooperação militar?
O acordo ainda não foi fechado, por isso não posso dizer as áreas específicas de cooperação entre os dois países no ramo da defesa. Estive presente nas negociações como director dos assuntos especiais das Relações Exteriores do Uruguai. Acredito que o tema da cooperação, no domínio militar, ainda não está avançado.
A integração no Mercosul tem gerado algumas clivagens entre os quatro membros?
Não tenho informação mais do que aquela que circula na imprensa. Acredito que o meu país tem sido muito claro quanto ao mercado comum. Os outros três países, Argentina Paraguai e Venezuela, falam de situações pontuais que têm que ver com o proteccionismo. Acredito que, neste momento, existe um impasse entre os países membros do Mercosul.
Mesmo assim defende a integração?
Sim. Os nossos países estão a trabalhar para isso e penso que é um processo bom. Quando há esta vontade de estar juntos e conversar, é muito bom porque ajuda a desenvolver os estados. Sou um grande defensor da integração. E, muitas vezes, não é fácil pensar nos prejuízos nos negócios, porque isso dificulta a articulação entre os países. Estamos num impasse que se entende ser conjuntural. Já não existe muita disputa de quem deve liderar o Mercosul, mas estamos em crise e todos esperamos maior estabilidade.
PERFIL
Álvaro Gonzalez Otero Funcionário das Relações Exteriores do Uruguai desde 1985, até chegara a embaixador teve de passar por outras etapas conforme exige o serviço diplomático. Diz tratar-se de um grande desafio. Formado em Direito e Ciências Sociais, fez estudos legais e internacionais nos Estados Unidos. Ex-professor de Direito Internacional Público da Universidade do Uruguai, fez também carreira na Universidade Católica do seu país, dando aulas de integração económica.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...