MANUEL ARNALDO CALADO, PRESIDENTE DA CÂMARA DE COMÉRCIO ANGOLA / CHINA

“Recebemos mais de 500 projectos de investimento em três meses”

Empresário fala da relação, de três anos, que a associação que dirige mantém com investidores chineses, realçando que parceria tem permitido o país alcançar significativos ganhos na cena económica. Reconhece haver ainda algumas barreiras no ambiente de negócio em Angola, mas que têm sido prontamente ultrapassadas pelos parceiros asiáticos.

Como surgiu a Câmara de Comércio Angola-China (CAC)?

Surgiu de forma natural. Havia várias entidades interessadas, até porque já existia uma associação da Câmara de Comércio Angola-China, criada em 1995. Foi essa associação que evoluiu para uma câmara.

No seu caso, parece que houve sempre alguma inclinação para trabalhar com os chineses, desde o tempo em que esteve na Endiama. Porque?

Por causa da política da China de apoio a África. Basta olharmos para África antes dos chineses e veremos as diferenças. Os outros dão-nos apoios, mas ameaçam-nos com a faca ao pescoço para que façamos o que eles querem. A China não. Tem uma política de apoio que é de Estado, de querer ajudar o equilíbrio no mundo. Os africanos precisam de infra-estruturas, indústrias e agricultura, mas os governos devem ser eleitos legitimamente. Sou apaixonado pela política chinesa relativamente ao apoio aos países do terceiro mundo. Havia países africanos que nem estradas asfaltadas tinham, nem mesmo um palácio. Angola tem de continuar a agradar os chineses, devido à concorrência que está a haver.

Essa sua inclinação à China ditou a sua eleição à presidência da Câmara?

Na verdade, não esperava. Fui indicado por uma instituição e depois fui eleito entre os membros. Agora as atenções estão viradas para a criação dos órgãos. Estamos, por exemplo, a criar as delegações provinciais que vão fazer o mesmo papel que a da Câmara nacional. Em Dezembro, vamos constituir o Auto-Conselho Estratégico, um órgão de apoio ao presidente da Câmara que vai integrar bancos nacionais e chineses, será constituído por 25 angolanos e 25 chineses.

O que é a Câmara hoje?

É como um confessionário, porque aparecem empresários com preocupações diversas. Uns têm ideias brilhantes, mas sem recursos nem património. Outros possuem muito património, mas sem ideias, não sabem o que fazer com tantos recursos. Outros ainda têm ideias e património, mas não sabem como arrancar no mundo dos negócios, sem parcerias. Há ainda aqueles que têm tudo, mas com vários problemas familiares, relacionados com a herança.

E de que forma a CAC apoia em cada caso?

O que fazemos é transmitir a experiência de um para o outro. Temos, por exemplo, jovens os quais incentivamos a fazer pequenos negócios e já estão a progredir. Passamos esta experiência, aconselhamos a evitarem fazer publicidade das coisas. Dizemos que, primeiro, devem fazer e depois publicitar. Não devem aparecer vaidosos e perder a humildade. Há áreas em que isso é ainda mais importante. Quem investe na agricultura e na pesca, por exemplo, não pode ser vaidoso. O indivíduo tem de ir atrás. Queremos ver pessoas com mais iniciativas, porque sou contra as cópias. Só porque um indivíduo fez duas bandeiras e vendeu bem, toda a gente também vai fazer bandeiras. Não devemos perder a imaginação. Enquanto nós, os mais velhos, dormimos oito horas ao dia, os jovens podem dormir duas horas e as outras são para pensar e procurar a imaginação. Por exemplo, se um jovem tem espaço, outro tem ideia e outro ainda tem dinheiro, porque não se juntarem e fazerem uma empresa? Isto resulta.

O que os investidores chineses procuram hoje em Angola?

Angola tem tudo o que os chineses querem: terras férteis, água, recursos mineiros e naturais. Há boas leis e um ambiente de negócios bom. O único problema que impede mais investimentos é a crise. A falta de dólares impossibilita a compra de materiais para a produção e os que foram produzidos no exterior para serem vendidos cá. As lojas de mobiliário, por exemplo, estão com dificuldades para colocar novas mercadorias. A crise é um verdadeiro problema. Temos de trabalhar muito para se encontrarem alternativas e esta é a tarefa da Câmara, a de incentivar o maior número de empresários angolanos a organizarem os seus próprios negócios.

As críticas às barreiras ao investimento são comuns em Angola, até mesmo de empresários nacionais. Isso não preocupa os investidores chineses?

Não. Agora não, com o guichet único e o SIAC, as empresas são constituídas em um ou dois dias. O problema não está aí. O problema é que as empresas dos angolanos juntam tudo: indústria, pesca, comércio, simplesmente porque não querem constituir várias empresas. As pessoas criam empresas sem saber os passos seguintes. Não têm dinheiro e vão reclamando que os bancos não querem dar dinheiro, as coisas não funcionam assim, por isso, na CAC, temos também sido pedagogos. Explicamos sempre às pessoas que nos procuram os passos a seguir para se ter financiamento ou mesmo para se criar uma empresa.

Mas…

Mas, isto não significa que não tenhamos problemas a obstaculizar o progresso. A burocracia é certamente um deles. Temos de resolver este problema, iniciando nas escolas, em palestras e seminários. Por exemplo, um funcionário atrás de um balcão de um guichet fica contente quando vê mil pessoas na fila, quando o trabalho dele é garantir que na fila não esteja ninguém. A burocracia é inimiga da prosperidade de um país, porque impede o desenvolvimento.

No que toca à confiança, sente que a relação a este nível é estável entre angolanos e chineses?

Existem três ‘Cs’ que eu gosto de utilizar para que um investidor permaneça num país: são a confiança, o controlo e a credibilidade. O investidor gosta que o combinado e registado no contrato seja cumprido, isto é confiança. Além de respeitar muito mais do que está no contrato, respeite a vida da pessoa. Quando se traz alguém à terra, esse alguém está a investir o seu dinheiro, por isso precisa de ser respeitado da mesma maneira que ele vai respeitar as leis e respeitar o parceiro. Precisa de ser controlável. Se o indivíduo vem cá e pergunta ao parceiro onde está e este responde que está em Luanda, então ele deve encontrar o parceiro em Luanda. E, se forem, por exemplo, à fazenda em Malanje, o angolano deve já saber os limites do seu espaço e não chegar lá e andar à procura das pessoas. Aí o parceiro estrangeiro vai sentir-se perdido e isto não deve acontecer.

Fala-se num suposto interesse chinês mais virado para o turismo, nesta fase. Confirma?

Os chineses estão interessados em todas as áreas, com base nas propostas de empresários nacionais para parcerias. A Câmara, através de uma base de dados, regista os interesses de angolanos e de chineses e estabelece a ponte. Há casos em que o investidor chinês já tem bem definido o sector em que quer investir. Aí, a Câmara, através dos seus técnicos, ajuda a identificar as áreas. É isso o que estamos a fazer com o sector turístico. Mas é preciso dizer que, com a crise, o investimento na área turística abrandou. Não há grande interesse da parte de estrangeiros em construir hotéis, devido à baixa taxa de ocupação dos hotéis. Nesta fase, os chineses estão a preferir áreas ao longo dos grandes rios, como a foz do rio Kwanza para a construção de aldeamentos. Entretanto, esperam-se, para o próximo ano, muitos projectos concretizados ligados ao turismo

Quantos projectos a CAC já recebeu até hoje?

Desde a criação em Setembro, ou seja, em três meses, já recebemos mais de 500 projectos de angolanos, nas diversas áreas, como construção civil, agropecuária, educação e saúde, entre outros.

Mas apenas intenções de investimento ou propostas concretas?

Há vários projectos a serem concretizados. Não posso precisar o número, mas há vários, nas diferentes províncias, no domínio da construção civil, energia, educação, no caso, para a construção de universidades, escolas superiores e ensino de mandarim, através de protocolos intergovernamentais. Também na saúde, com a construção de hospitais e até para a produção de medicamentos. Neste último, estamos à espera de uma audiência com o ministro da Saúde, para vermos como concretizar.

E qual é o volume de investimento que esses projectos representam?

Não gosto de falar de números sem precisão.

Quando termina o processo de criação das delegações provinciais?

Já criámos seis e queremos concluir esse processo em Dezembro. Os delegados têm a missão de receber os projectos localmente. Mas, até esse processo de nomeação dos delegado estar concluído, temos recebido projectos das províncias através de correio electrónicos. Temos também recebido intenções por telefone, que depois são analisadas.

E quem pode fazer parceria com os investidores chineses?

Desde o micro, pequeno, médio e grande empresário. Recebemos todos. Os projectos são inscritos na Câmara para que esta sirva de ponte, mas, na discussão entre os potenciais parceiros, algumas coisas podem mudar. Por exemplo, quem quis investir numa casa de fotocopiadora pode evoluir para uma gráfica.

Os investidores exigem que os angolanos entrem necessariamente com recursos financeiros?

Nesta fase de crise, é difícil exigir dinheiro ao angolano. O mais importante é que o angolano tenha ideia do que pretende fazer. Ainda que o projecto não esteja bem elaborado, há técnicos que podem melhorá-lo. O importante é que o angolano tenha foco no que quer. Não pode dizer hoje que quer investir num hospital, amanhã numa escola e depois em hotel ou noutra área.

É má ideia a diversificação de iniciativas por parte do investidor?

Temos aconselhado as pessoas, sobretudo os jovens, a não se espalharem. Nós, os angolanos, temos uma mania: se possuirmos um hectare, já queremos casa com piscina e animais, como temos visto nas novelas. Isso não pode ser. Pessoalmente, tenho desincentivado este tipo de pensamento, no sentido de que é preciso especializar. Uma pessoa com um hectare só deve produzir jindungo, para que o outro com o mesmo hectare produza jinguba. Colocar toda a produção num hectare não resulta, temos de nos especializar. Essa coisa de fazer tudo traz depressão. Há pessoas que vêm aqui com ideias de fazer uma recauchutagem, depois querem também fazer fraldas, lençóis de papel… Assim não. Deve haver especialização. Agora a concorrência vai sempre existir. O que o investidor deve fazer é inovar sempre para vencer a concorrência.

Referiu a presença de bancos angolanos na Câmara. Isso facilita créditos para os nacionais?

Temos tido relações com os bancos, incluindo o Banco Nacional de Angola, para a facilitação de créditos. Nas situações em que os bancos criam dificuldades na concessão de créditos a jovens, temos intervindo e, com a nossa solicitação, são atendidos. Não com a regularidade que gostaríamos por causa da crise, mas, nas vezes que interviemos, 50% das solicitações foram atendidas.

E, no âmbito da Câmara, há a possibilidade de linhas de créditos para os investidores angolanos?

Nós trabalhamos com o investimento chines. Ou seja, o investidor aqui é chinês e este precisa dos bancos angolanos para facilitar as transacções financeiras. Para um jovem que tenha empresa constituída e sabe o que fazer, nós usamos os nossos canais para buscar os investidores para que o investimento seja efectivado. Os chineses têm várias empresas que querem investir em África. É isso que os jovens precisam de fazer. Mesmo que seja para investir lá nos municípios recônditos, não tenham medo, porque a energia e a água vão lá chegar.

A presença chinesa em Angola é feita também de muita polémica. Além das críticas ao investimento, apontam-se receios de práticas de algum tipo de criminalidade violenta.

Onde há homens essas situações podem acontecer. Tivemos, por exemplo, o caso da morte de quatro chineses. Há angolanos sócios de chineses que não se portaram muito bem, mas, felizmente, estamos a controlar e, com o surgimento da Câmara, esses casos desapareceram. Também há chineses que não são credíveis, controláveis e que não são de confiança. Portanto, tudo o que há num país, há no outro. A CAC está a punir esses comportamentos. Há também conflitos entre angolanos e angolanos e chineses e chineses.

Que tipo de conflitos?

São conflitos de interesses. Por exemplo, um chinês vem a Angola como arquitecto numa empresa de construção civil… A arquitectura funciona numa fase, mas, quando termina esta fase, ele não aceita mais regressar ao seu país, criando a sua própria empresa, às vezes, com outro parceiro angolano. O primeiro que o trouxe julga que é sua propriedade, porque ele tem um visto em nome desta empresa e não com a segunda. Aí o conflito toma contornos alarmantes, de privação dos passaportes.

“DEVEMOS ESCOLHER A PROSPERIDADE”

Insiste muito no incentivo aos jovens. Pensa que são decisivos, porquê?

Nunca tive dúvidas disto. Qualquer país que não aposte na sua juventude não é sequer país, porque corre o risco de desaparecer, de ser invadido. Aqui, na CAC, criámos uma área específica de apoio aos jovens e o Governo também se tem preocupado com a juventude. Na China, existem empresários jovens que querem investir em Angola e o governo chinês incentiva os jovens a investirem fora da China.

E como se explicam as críticas ao modelo de desenvolvimento seguido por Angola?

Na minha opinião, escolhemos o caminho da prosperidade. Se não fosse a guerra e a crise, penso que daria certo, porque, se compararmos Angola a outros países africanos, verificamos que demos grandes passos. Repare que o político escolhe sempre dois caminhos, o da estabilidade económica e o da prosperidade. Há países que escolheram o caminho da estabilidade, o que significa ter a macroeconomia estável, sem problemas, mas o povo fica pobre. O caminho da prosperidade é o caminho que grandes países escolheram, em que os cidadãos trabalham para serem ricos. A criança, quando nasce, o pai já está a incentivá-la a ser rica. Muitos não alcançam, mas estão estáveis, não se combate o rico como em muitos países. Quando se escolhem estes caminhos, há que se arranjar parcerias neste sentido. Não importa se vem da Ásia ou da Europa. Tenho dito que não nos devemos preocupar com a cor do gato, o que importa é que este gato cace ratos.

E qual é o papel do sector privado neste processo?

O mundo está dividido em dois grandes grupos. O grupo da economia estatal, onde se conseguem fundos facilmente, e o mundo da economia privada. Há ainda um outro a que eu chamo ‘o mundo da economia institucionalizada’, do qual fazem parte instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros. Muitos não concordam com esta minha posição, da existência de três mundos económicos. Contudo, entendemos que, enquanto o Estado vai lutando para conseguir fundos para diversificar a economia, outras instituições privadas devem ajudar também o país no mesmo sentido.

Que resultado espera destas parcerias no médio prazo?

O mais importante não é o crescimento do número de projectos, mas que os concretizados tirem os angolanos da pobreza. Até os camponeses com fazendas podem também ser ricos, se juntarem as fazendas individuais em cooperativas e encontrarem financiamento e parcerias fortes. A China era um país muito pobre e hoje aspira ser a potência mundial. E a escolha foi fácil, entre dois caminhos, a prosperidade e a estabilidade, escolheu a prosperidade. Ou seja, dormir pobre e acordar rico. A estabilidade não é menos importante, mas, na sua política, escolheu a prosperidade. Este é também o caminho que Angola deve seguir.

É homem do desporto e da cultura. Há interesse chinês em investir nessas áreas?

Os chineses estão a investir no desporto como negócio. O que nós, em Angola, devemos fazer é tornar o desporto também num negócio. Se isto acontecer, garanto que trarei chineses para comprarem os clubes angolanos. Temos apenas de nos organizar para provar que, de facto, vale a pena investir aqui. Neste momento, não há condições para os chineses investirem nos clubes angolanos. Devemos antes transformar os nossos clubes em Sociedades Anonimas Desportivas (SAD).