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Reformas e Constituição estão desalinhadas

29 Oct. 2019 Antunes Zongo De Jure

Quadro legal. Estudiosos em matéria do Direito propõem ao Governo o reajustamento das reformas à ‘Lei Magna’, destacando a importância do alinhamento legal para o desenvolvimento do país.

Reformas e Constituição estão desalinhadas
D.R

Diferentes especialistas do Direito, reunidos no primeiro Congresso Internacional do Direito Administrativo, em Luanda, consideram que muitas das reformas políticas, económicas e judiciárias que vêm sendo realizadas têm “estado em desalinhamento” com a Constituição da República. E apelam ao Governo para o devido reajustamento, visando melhorar não só o quadro legal, mas também contribuir para o desenvolvimento do país.

Ao VALOR, Carlos Teixeira, professor de direito na Universidade Agostinho Neto (UAN), aponta, como um dos exemplos de desalinhamento das reformas no campo político, a ausência de regras de impugnação de actos administrativos convergentes aos determinados pela Constituição da República de 2010, o que tem deixado “perplexos” os operadores do direito, sem saber o que fazer, dado que as regras de impugnação vigentes são ainda as previstas na Lei Constitucional de 1992. “A nova lei constitucional estabelece outro modo de organização da função administrativa e, não havendo correspondência, os cidadãos e os operadores do direito têm sentido dificuldades claras naquelas situações de controvérsia, não sabem como vão utilizar os mecanismos de impugnação à luz da nova realidade”, refere o agora também juiz conselheiro do Tribunal Constitucional.

Carlos Teixeira, que insiste no dever de se criar um “alinhamento” das reformas económicas, políticas e da organização judiciária, entre outros, à Constituição, destaca haver necessidade de se fazerem alguns “ajustamentos” nas reformas económicas em curso.

Por exemplo, “nós reafirmamos na Constituição que queremos uma economia de mercado. Numa economia de mercado, o Estado não é o principal promotor do emprego. O Estado apenas é um catalisador. Portanto, temos de saber dizer, saber fazer, e temos de reorganizar o mercado para que o próprio mercado dê solução aos problemas do desenvolvimento económico e aos problemas do emprego”, sublinha o académico, acreditando que o Governo tomará “boa nota” das propostas produzidas pelo 1.º Congresso Internacional do Direito Administrativo, realizado entre os dias 21 e 22 deste mês, sob o lema o ‘Procedimento e contencioso administrativo na agenda da reforma do Estado’.

Carlos Teixeira convida os especialistas do direito público, administrativo e afins a “reunirem-se, de tempos em tempos, para fazerem uma aferição do estado” do progresso das diversas legislações e monitorar a execução das leis, desde a Constituição da República a outros instrumentos jurídicos.

Além de estudiosos nacionais, o evento teve a participação de especialistas estrangeiros, com realce para o Brasil, Portugal e Cabo Verde, que contaram experiências dos respectivos países. Mas, para Carlos Teixeira, Angola “deve” optar por soluções de organização legal das instituições que se adequam à realidade do país.

Em exclusivo ao VALOR, o antigo primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, nota haver “ligeiros” avanços de Angola em matéria de reforma do Estado. Formado em Administração Pública, José Maria Neves sublinha ser “desproporcional” comparar Angola a Cabo Verde, no âmbito das reformas, dado os aspectos históricos. “Angola teve um processo de transição turbulento, que levou largos anos de conflito. Não se fez uma transição do regime colonial para o novo Governo de forma natural. Já em Cabo Verde houve um processo diferente, com uma administração mais estável, estabilidade política e institucional”, analisa o alto quadro do PAICV.

José Maria Neves conta que, no início das reformas do Estado cabo-verdiano, foi criado o Ministério da Reforma do Estado, que teve um papel transversal no âmbito das reformas. Elaborou uma agenda de alteração dos aspectos políticos, desde a descentralização à comunicação social, passando pela  justiça, trabalho e demais sectores.

O político não propõe o mesmo para Angola, mas espera que o país vá “gradualmente” alterando as regras “incongruentes” à Constituição e apela os governantes a tomarem nota das “constatações e inputs” académicos produzidos pelos estudiosos, no Congresso Internacional.