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Josphat Maikara, embaixador do Quénia em Angola

“Se não houver intercâmbio de investimentos, a economia não cresce”

23 Feb. 2022 Grande Entrevista

Defende que o futuro de África depende do empoderamento dos jovens e olha para o intercâmbio, em termos de investimentos, como crucial para o crescimento das economias dos países do continente negro. O diplomata queniano explica o estágio dos acordos assinados com Angola e aponta, caso a caso, as aprendizagens que os países podem adquirir, nos termos da relação bilateral.

“Se não houver intercâmbio de investimentos, a economia não cresce”

No ano passado, Angola e o Quénia assinaram três acordos de cooperação nos domínios técnico, científico, de consultas políticas e da criação de uma comissão bilateral. Como estão a ser implementados?

Permita-me dizer que as relações entre o Quénia e Angola são muito boas e têm tido um aumento muito positivo ao longo dos últimos anos. No lado político, os ministros têm interagido e a comunidade empresarial também tem intensificado as suas relações. Portanto, há muito movimento entre os dois países. 

Qual é concretamente o significado desse movimento?

Temos um número elevado de estudantes angolanos no Quénia. 

Quantos?

Não temos dados específicos, mas os números vão aumentando cada vez mais.

E quanto às trocas comerciais entre os dois países?

Em 2020, as exportações para Angola cifram-se em 1,5 milhões de dólares, ao passo que, no sentido inverso, no mesmo período, as importações se traduziram em 21,660 milhões de dólares.

Mas no domínio dos acordos o que foi feito?

No que concerne a essa questão, vou responder da seguinte forma: a 15 de Janeiro de 2020, assinámos alguns acordos, mas assinaremos também um acordo que tem que ver com o movimento das linhas aéreas a 10 de Setembro de 2024. Antes da pandemia, a Quénia Airways tinha uma frequência de três voos por semana. Tem, neste momento, uma pequena parceria com a TAAG. Quer dizer que, em termos de comunicação entre os dois países, não há problemas.

Mas os voos foram suspensos...

Por causa de alguns problemas técnicos, a Quénia Airways deixou de operar voos para Angola  temporariamente. A transportadora aérea tem enfrentado, igualmente, problemas financeiros, mas o nosso país tem angariado fundos para voltar a fazer essa rota. Neste caso, esperamos que possivelmente em breve volte a operar. Contudo, o nosso desejo é ver a TAAG voar também para Nairóbi para que o passageiro tenha muitas opções em épocas de viagem. Mas, voltando aos acordos, em 2020 assinámos outro acordo no domínio da ciência, cultura, educação e tecnologia. De resto, o nosso objectivo em relação a esses acordos é que haja benefícios entre ambas as partes.

Ou seja, ainda não há resultados palpáveis…

O ministro angolano das Relações Exteriores, Tete António, esteve em Nairóbi em Agosto de 2021 e teve uma excelente reunião com o homólogo queniano e a ideia foi rever o andamento dos três acordos. Foi decidido também não só arrancar com esses acordos existentes, mas avançar igualmente para outras áreas.

Que áreas são essas especificamente?

No geral, até agora são 12 acordos que estão em processamento, destacando o de intercâmbio de investimentos. Entendemos que o intercâmbio em investimento é o ponto principal para o crescimento económico de um país. Se não houver intercâmbio, nesses aspectos, a economia não cresce. É aqui onde está o benefício maior.

Os acordos não incluem a facilitação de vistos, por exemplo?

O segundo ponto tem que ver com a facilitação de vistos nos passaportes diplomáticos. O terceiro item refere-se ao meio ambiente, ou seja, à conservação das plantas. O outro ponto a não negligenciar  é do óleo e gás, ou seja, dos recursos minerais.

Há petróleo explorável no seu país?

O Quénia quer aprender com Angola, considerando a experiência nesse domínio do petróleo e gás. Temos esses recursos ainda em pequena escala, por isso é que queremos beber da experiência de Angola porque temos prospecção em curso.

Quando fala da exploração do meio ambiente não lhe ocorre agregar também o turismo?

África é muito abençoada quando se trata da variedade de espécies de animais. No caso, o  Quénia tem uma fundação que trata da protecção dos elefantes. Temos um programa muito interessante nesse aspecto e Angola pode usufruir dessa experiência. De resto, quando juntamos o turismo com a conservação dos animais isso pode resultar em grande benefício para a economia.

Está a falar de investimentos quenianos para potenciar o turismo angolano?

O Quénia é forte no turismo e o potencial de Angola nesse domínio é muito grande. Logo, será uma grande vantagem trabalhar juntos. Além disso, na outra área, os acordos têm que ver com o empoderamento da juventude. Aliás, o futuro de África depende dos jovens. Se 60% da população africana são jovens, então precisamos de tomar conta desses jovens.

Como isso pode ser feito?

Ainda é um acordo que está em processamento. Depois da assinatura, vamos definir em que área poderemos direccionar a acção. Quanto à tecnologia, ciência, educação  e cultura, podemos salientar que a globalização tem acontecido e podemos intensificar e partilhar  conhecimento. No sector da educação, o Quénia é bom, logo pretendemos passar essa informação sobre o método de trabalho para ajudar Angola. O mesmo que no sector da saúde. Aliás, para trabalhar, precisamos de saúde. Na área da polícia e segurança, a questão passa por mostrar aos angolanos como nós tratamos a questão das fronteiras quanto à sua protecção. A cultura também entra nas contas e aqui também podemos aprender com os angolanos quanto à preservação de monumentos.

E quanto à agro-pecuária e à economia azul?

Gostaríamos de aprender como Angola preserva as espécies. Como o país conserva os recursos marinhos e o desenvolvimento de cooperativas. Angola também pode aprender como os quenianos fazem as exportações e importações de mercadorias. Podemos transmitir como nós temos feito isso. Portanto, mais importante é haver intercâmbio em todos esses sectores de modo a tirar proveito mútuo. Esperamos que disso resultem sempre vantagens recíprocas.

Há investimentos angolanos no Quénia?

O histórico do engajamento entre os dois países é antigo. Temos angolanos a investir no Quénia e quenianos a investir aqui.

Quantos quenianos vivem em Angola?

Grosso modo, estamos a falar de uma comunidade que integra entre 500 e 1.000 pessoas.

Que novidades introduziu a nova Constituição do seu país, aprovada em 2010?

Antes da mudança da Constituição tínhamos oito províncias. Com a  nova Constituição, de oito províncias passamos para 47 ‘countie’. Com essa divisão, os administradores dessas áreas tratam directamente das questões da água ou da educação. Portanto há mais autonomia. É basicamente a instituição das autarquias, porque o povo decide o que quer.  Já não é o governo que hoje dorme e no dia seguinte acorda e diz o que pretende fazer.

O Quénia não foge à regra quando se fala de corrupção. Aliás, o fenómeno terá intensificado segundo analistas na era do presidente Daniel ArapMoi, que deixou o poder em 2002. Como lidam com isso?

Não é correcto dizer que, durante o mandato de determinado presidente, houve mais ou menos corrupção. Mas deixe-me dizer que, desde o primeiro ao quarto presidente, o objectivo foi sempre o combate à corrupção. Não se deve dizer que o fenómeno era mais intenso no tempo de um determinado presidente.

Mas como é levado a cabo o combate à corrupção?

O que tem sido feito até agora é controlar e punir os infractores. O Quénia é uma sociedade, por isso vamos encontrar bons e maus actores. Para os maus, há mecanismos para punir.

Quais são as áreas de actividade económica mais importantes do Quénia?

O turismo é o principal motor da economia. A agricultura também ocupa o seu lugar com a produção de chá e do café em que somos um dos maiores produtores. O Quénia é o maior produtor de rosas do mundo. Todas as flores que saem do país vão para Amesterdão e daí ocorrem leilões e seguem para outras praças.

Por outro lado, o nosso chá vai para muitos países com destaque para a Índia e o Japão. O Egipto também é um forte comprador do produto. Aliás, o chá tem um grande consumo mundial e a Índia, o Egipto e o Paquistão são os maiores compradores, seguindo-se-lhes os Emirados Árabes Unidos e o Iémen.

Até que ponto os conflitos internos em dois países vizinhos (o Iémen e a Etiópia) afectam o desempenho da economia queniana?

Por norma, vendemos o produto para quem pode comprar. Temos relações económicas com a Etiópia, mas nós mandamos para o Iémen. Considerando que são dois países vizinhos instáveis, o nosso objectivo é ajudar para que se tornem estáveis e que ultrapassem as diferenças. Temos um controlo sobre as fronteiras e procuramos também manter alguma relação para, pelo menos, manter a segurança no nosso país.

No final de 1990, o Quénia, o Uganda e a Tanzânia juntaram-se para criar a Comunidade dos Estados da África Oriental. Quais são os ganhos dessa integração?

Pertencemos a uma única comunidade. Neste caso, é o único mercado da África do Oeste e isso permite interagir. Dentro dessa pequena comunidade, temos a vantagem da movimentação e consumo de mercadorias sem interferência nenhuma. Estamos a falar de um mercado de 200 milhões de pessoas. Mais recentemente, a República Democrática do Congo (RDC) juntou-se também a esse projecto multinacional. Quanto mais países se juntarem, mais fortes seremos.

Quanto vale esse mercado?

Não tenho neste momento essa estatística, mas prometo responder numa próxima ocasião, com maior precisão. Vou fazer uma pesquisa sobre esses dados.

E como olha para a integração africana no âmbito da Zona de Comércio Livre?

É uma boa iniciativa que pode impulsionar o desenvolvimento. 

África é, entretanto, um continente muito dependente em quase todos os domínios. Como sair dessa realidade?

É impossível que haja uma independência porque precisamos uns dos outros. Vamos sempre precisar de alguém.

E qual seria papel da educação nesse processo de redução da dependência externa?

Mesmo que os nossos quadros sejam bons, ou mesmo tendo os melhores quadros, não teremos  muitas hipóteses se não nos relacionarmos com os outros países mais avançados. Não temos como. Mas a África de 1970 não é a mesma que temos hoje. Houve alguma evolução, mas o desenvolvimento como tal vai levar muito tempo.

Perfil“Se não houver intercâmbio de investimentos, a economia não cresce”

Da Somália para Angola

Além de ter sido subsecretário do gabinete do presidente, Maikara é um administrador público qualificado, com vasta experiência e capacidade em segurança, resolução de conflitos nacionais e programas de erradicação da pobreza. Exerceu funções nos ministérios das Relações Exteriores e das Finanças. Posteriormente, na Presidência da República, respondeu pela administração provincial e segurança interna. Até 2015, foi embaixador na Somália. É formado em Diplomacia e Estudos Internacionais pela Universidade de Nairóbi, tendo ainda  um diploma de pós-graduação em Relações Públicas e Gestão de Recursos Humanos. Também é habilitado em treinamento diplomático sénior no Instituto de Relações Exteriores da Indonésia e cursou Liderança Executiva no Instituto de Transformação Nacional do Uganda.