“Temos excesso de oferta de cimento devido à pouca procura”
De um total de 6,6 milhões de toneladas de cimento de capacidade instalada, apenas 2,2 milhões foram produzidas, devido ao baixo consumo. Em entrevista ao VALOR, o presidente da Associação da Indústria Cimenteira de Angola (AICA) revela-se preocupado com a situação e sugere ao Governo a redução das taxas portuárias para permitir a exportação de excedente.
Qual é a capacidade actual de produção de cimento do mercado angolano?
Estamos com um nível de produção de cimento muito baixo. Poderíamos estar a produzir mais, se não fosse o actual contexto económico que o país atravessa. Nesse momento, estamos com uma capacidade de produção de 6,600 milhões de toneladas de cimento, mas, até 30 de Outubro, produzimos apenas 2,2 milhões, porque a procura tem estado muito abaixo da capacidade instalada. Nesse período, o consumo foi de 2,3 milhões, ou seja, muito abaixo do que podemos produzir. Quer dizer que temos um excesso de oferta de cimento.
Alguma das associadas da AICA estará neste momento a exportar cimento?
Algumas das nossas associadas estão a exportar, mas só o clinquer. Isto só para fazer face às grandes necessidades, em termos de divisas. Mas estamos a trabalhar com o Executivo, nomeadamente com os ministérios da Economia e da Indústria, no sentido de que, no âmbito dos programas do Governo, particularmente do PRODESI, possamos diversificar e intensificar as exportações e evitar, desse modo, a importação de cimento.
Como se justifica a importação de cimento, quando há um elevado hiato entre a produção e a capacidade instalada, como conferiu?
Nós, associação, somos praticamente contra a importação de cimento. Temos excedente de produção, porque vamos importar? Não há necessidade nenhuma! Há uma ou outra situação pontual particularmente nas províncias de Cabinda, Cunene e Kuando-Kubango que ainda importam algum cimento. Mas isso deve-se à posição geográfica em que essas províncias se encontram localizadas. Por outro lado, essa situação poderá estar a ocorrer também para não se paralisar nenhuma obra, principalmente as que estão previstas no Programa de Investimento Público dessas províncias.
O que estará a faltar para se explorar mais a capacidade instalada? Não se pode contornar a queda do consumo interno com a exportação?
É preciso destacar que, num processo de exportação, temos de ter também em consideração o preço do cimento no mercado internacional. Ou seja, embora tenhamos uma grande capacidade de produção parte da qual possível para a exportação, precisamos também de ser competitivos. Porque, se assim não for, ninguém nos vai comprar o cimento no exterior. O nosso problema é que os custos interferem na produção do cimento, em termos de divisas. Além disso, há outros elementos a ter-se em conta na cadeia de produção, como as taxas portuárias que pagamos e que têm ainda hoje um peso significativo.
E que medidas a AICA, enquanto parceira do Estado, já tomou para reverter esse quadro?
Nós temos estado a negociar com o Executivo para que haja efectivamente, num futuro breve, alguma redução, sobretudo a nível das taxas portuárias, a ver se nos tornamos competitivos. Quer dizer que, quando no mercado internacional o cimento é vendido, por exemplo, a 50 dólares por cada tonelada, nós teríamos de vender a mesma tonelada no máximo a 48 dólares, para que pudesse haver mais um pouco de procura do nosso lado.
Muitas empresas em Angola, nos vários sectores, viram-se obrigadas a diminuir os trabalhadores, devido à crise. Como é que as associadas da AICA estão a tratar dessa situação, em particular?
Temos estado a fazer de tudo para que não se criem mais problemas sociais como os que tivemos recentemente. Angola está a atravessar um momento muito difícil, em termos económicos. Mas nós, AICA, temos tido o apoio do Executivo para manter os nossos níveis de produção. Não faz ideia do quanto tem sido difícil as fábricas operarem nas condições em que se encontram, com um nível de procura do cimento bastante ínfimo, e mesmo assim conseguir manter os trabalhadores a funcionar. Até ao momento, não temos conhecimento de que há despedimentos de trabalhadores por causa dos actuais níveis de procura do cimento, que diminuiu significativamente. Até porque estamos esperançados de que, a qualquer momento, poderá haver um ‘boom’, em termos de procura. Para já, há uma diminuição das empresas de construção e das obras públicas a nível do país. Mas, à medida que se vão incrementando obras, a procura do cimento vai igualmente aumentar. Não estamos a falar só de Luanda. Temos de falar de todo o país e aquilo que nós preconizamos, aquilo que temos como expectativa, é que os programas que estão a ser gizados sejam efectivamente materializados de maneira a isso se reflectir a nível das nossas associadas.
As matérias-primas com as quais têm trabalhado são todas adquiridas em Angola?
Localmente, temos o calcário, a argila, a areia, o minério de ferro e temos também o carvão mineral, mas este último ainda não está a ser explorado. A nível da associação e no intuito de diminuir os custos de produção, temos estado a trabalhar com a Ferrangol a nível do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos. O objectivo é ver também se conseguimos fazer com que se implementem acções visando a reactivação de minas que temos e que estão localizadas no Moxico. Há lá grandes quantidades de carvão mineral e precisamos de saber da qualidade desta matéria-prima para ver se se adequa à produção de cimento. Se assim for, temos uma das associadas que utiliza o carvão. Então, nessa altura, deixamos de importar o carvão para podermos utilizar o interno. Quiçá para outras fábricas que utilizam o ‘fuel’ também. Como este é uma matéria que podemos exportar e trazer mais-valias para o país, então iria fazer-se uma transformação tecnológica no sistema de clinquerização do forno para poder utilizar o combustível e o carvão. Uniformizamos tudo e então teríamos uma grande mais-valia.
Que avaliação faz do actual momento que caracteriza o sector da construção civil em Angola?
Devido ao momento difícil com que se debate actualmente o país, em termos económicos, a avaliação que faço não é das melhores. Hoje não se sente aquela agressividade no sector que gostaríamos que houvesse. Enquanto associação, face ao incremento de algumas obras públicas ao longo do país, já deveríamos começar a sentir efectivamente algum efeito a nível das nossas associadas, no caso, as fábricas que produzem cimento. Até porque, como é consabido, no âmbito da construção, o cimento é praticamente a matéria-prima fundamental.
Acredita que o actual quadro possa evoluir positivamente, a curto prazo?
Pelas informações que temos, acreditamos que o Executivo está a fazer um esforço muito grande para alterar o actual quadro. Do nosso lado, enquanto associação, estamos a implementar alguns projectos. Oxalá tudo se concretize de modo a fazer com que seja possível aproveitarmos a grande capacidade de produção de cimento que temos. E podermos, assim, fornecer às empresas construtoras actuais e aquelas que, no futuro, poderão vir a operar no mercado.
Disse que a AICA tem estado a implementar alguns projectos. Quais são?
Temos estado a sugerir ao Governo, por exemplo, que uma das estratégias que poderia certamente acelerar o consumo de cimento seria utilizar esse produto para a construção de estradas. Isso já ocorre em muitos países do mundo que, ao invés do asfalto, utilizam o cimento para a construção de estradas. Portanto, tem uma durabilidade maior e já está provado que as suas vantagens, do ponto de vista técnico, são melhores do que o asfalto. E isso iria naturalmente contribuir também para que as nossas fábricas pudessem produzir e vender mais.
Perfil
Além do cargo de presidente da Associação da Indústria Cimenteira de Angola (AICA), Manuel Pacavira Júnior é um executivo antigo na Nova Cimangola. A AICA, segundo os estatutos, é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, de âmbito nacional e dotada de personalidade jurídica.
Constituída em Junho de 2013, a AICA tem como objectivo promover o desenvolvimento técnico da indústria do cimento e derivados, congregando produtoras como a CIF, com capacidade de produção de 3,6 milhões de toneladas ano; a Cimangola (1,8 milhões de toneladas/ano); FCKS (1,4 milhões de toneladas/ano); a Cimenfort (1,4 milhões de toneladas/ano) e a Sécil Lobito com capacidade de 260 mil toneladas ano.
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