“Tudo depende da capacidade e agilidade do Governo angolano”
ENTREVISTA. Considera normal o discurso de John Sullivan, mas aconselha o Governo a “fazer jogo de cintura”, face ao que os EUA representam. Avisa que uma ruptura com China e Rússia seria penosa.
O subsecretário norte-americano, John Sullivan, sugeriu ao Governo fazer escolhas entre o Ocidente, a China e a Rússia. O discurso não fere as bases das relações internacionais?
Temos de ter em atenção que estamos diante de um Estado poderoso, não só politicamente como financeiramente. O Presidente João Lourenço está virado para a política norte-americana. Parece-me já haver uma escolha entre a Rússia (que sempre deu apoio a Angola) e os EUA. No entanto, é importante dizer que o apoio da Rússia não é financeiro, mas ideológico e militar.
Como é que Angola se deve posicionar?
Estamos numa nova era e o Presidente João Lourenço trouxe outra forma de fazer política e outra filosofia de moralizar a própria sociedade. E conta com o apoio de países que têm interesse em ver Angola a desenvolver-se. Uma das primeiras visitas de João Lourenço foi precisamente no espaço ocidental, aos países aliados dos EUA. Não é de estranhar que os EUA, em função da competitividade com a Rússia e China, venham a condicionar o seu apoio a Angola.
E Angola…?
Os EUA e seus parceiros apregoam a ideia democrática e a China não tem nada de democrática, mas tem dinheiro. Aqui percebemos a controvérsia no dirigente norte-americano. Por um lado, condiciona Angola em relação à China, mas é a China que detém a dívida pública norte-americana. Seja como for, não é por acaso que o próprio subsecretário veio a Angola manifestar o interesse dos EUA em participar no repatriamento de capitais, envolvendo os serviços de informação e outros mecanismos. No entanto, cabe a Angola olhar para aquilo que lhe é mais favorável.
O que pode acontecer caso Angola decida esfriar as relações com a China e Rússia?
Angola tem uma dívida muito alta para com a China e a China poderá, em função disso, criar vários condicionalismos. Também cabe a Angola recusar dar costas à China e optar por uma outra via que facilite a recuperação económica num momento razoável. Não vejo aqui qualquer problema que venha a condicionar Angola a aderir aos EUA, desde que tenha a capacidade de também gerir a relação que tem com a China. A China pode, caso Angola se manifeste de forma imprudente, accionar mecanismos que possam colocar Angola numa posição desfavorável. Assim como tem muito a perder se se desfizer da China, Angola tem uma dívida moral considerável para com a Rússia. E ela conta muito. Tudo o resto são disputas entre Estados e de potências que querem captar mais aliados, sobretudo em África. Não é em vão que o continente tem sido o paradeiro das três potências. E, como nos últimos tempos os EUA e a Rússia entenderam que tinham sido ultrapassados pelos chineses, é normal analisar essa posição norte-americana em querer catapultar alguns países que possam vir a ser seus aliados.
Não estamos perante a hipocrisia política?
Não é hipocrisia, é a forma de lidar das potências com os pequenos países. Angola é um país estratégico. Obviamente que os EUA, quando estão com a China, conversam de outra forma. O tom é outro. E o tom dos EUA com os Estados subdesenvolvidos também é outro. Há aqui uma imposição dos EUA quando se trata de países subdesenvolvidos ou menos desenvolvidos. No entanto, o orgulho norte-americano está acima de tudo. Tudo vai depender da capacidade e agilidade do Governo em relacionar-se com as duas potências, porque tanto uma quanto a outra são importantes para Angola. O nosso país não pode ser isca de um Estado e depois não conseguir salvar-se. Como se costuma dizer, na luta de elefantes, o capim é que sofre. Na luta dessas três grandes potências, o país subdesenvolvido pode sofrer. Angola tem de saber lidar, mas estamos confiantes que a capacidade do Presidente João Lourenço e da sua equipa económica poderá dar conta daquilo que é importante para o país.
O ministro Manuel Augusto afirma não haver razões para Angola deixar de reconhecer o governo de Nicolás Maduro. Isso vai contra o que quer os EUA. O que lhe parece?
Angola tem princípios. Até no hino nacional manifesta-se contra a opressão dos povos e não interfere na soberania dos Estados. Logo, o pedido dos EUA para aderir à causa deles na Venezuela é uma questão de estratégia, porque os norte-americanos sabem que nem todos concordam. Porém, temos a plena certeza de que, quando os EUA querem, concretizam. Mas isso não quer dizer que Angola tenha a obrigação de ter um alinhamento claro e puro. Angola pode discordar ou manter-se neutra. O país é solidário para com os povos e temos leis suficientes que possam condicionar Angola a aderir àquilo que é a posição ou o pedido dos norte-americanos.
Quando fala em neutralidade quer dizer indiferença?
Quando falo em neutralidade quer dizer não apoiar nenhuma das partes. Angola pode discordar de Nicolás Maduro e de Juan Guaidó. Com Maduro, por causa das posições duras que tem vindo a tomar e Angola não é a favor das ditaduras. O Estado angolano é democrático e de direito. Logo, não pode aceitar que povos sejam oprimidos. Também não pode aceitar que surjam governos por via de golpes de Estado.
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