“Um bom programa, mas que não foi cumprido”
ENTREVISTA. O membro do Observatório Político e Social de Angola (OPSA) afirma que o PND falhou devido ao que chama de “gestão danosa dos projectos, por parte das instituições públicas” e afirma que a crise não pode servir de pretexto para justificar todo o “insucesso”.
Qual pensa que será o saldo do Programa Nacional de desenvolvimento (PND) 2013-2017?
Penso que o PND é o primeiro programa, com tal dimensão, definido depois da aprovação da Constituição em 2010. O Governo decidiu criar um programa pelo qual se deveria guiar toda a sua acção no período que vai de 2013 até 2017. Acho isso positivo. Entretanto, é importante ver que o programa foi feito, sobretudo neste quinquénio, com base em dois pressupostos que, hoje, analisando friamente não se concretizaram. O primeiro pressuposto do Governo era o de que haveríamos de crescer mais. Se voltarmos a 2013 e compararmos a 2017, em termos de taxas de crescimento, vamos notar que estes indicadores hoje são muito menores. Portanto, este pressuposto não se cumpriu. E o segundo grande pressuposto é o de que haveria uma melhor distribuição (da riqueza). E voltamos a dizer que, de lá para cá, também não houve grandes avanços nessa matéria. Olhando para estes dois elementos que, no fundo, eram dos mais sonantes para a concretização do PND, acho que o programa não se cumpriu. Penso que o PND foi elaborado muito na lógica de que o preço do petróleo iria manter ou aumentar, e a realidade veio mostrar que essa previsão não era realista. O PND previa níveis de inflação muito menores ou estabilidade macroeconómica que não se vieram a concretizar. Portanto, a avaliação realista que posso fazer é a de que tínhamos um bom programa, mas que não foi cumprido.
A actual conjuntura económica que o país atravessa não terá condicionado o sucesso do programa?
Creio que não! Quando fizemos um plano e não o concretizámos, a última coisa de que nos podemos queixar, é da conjuntura económica. É claro que havia factores que o Governo não controlava e isto é perfeitamente compreensível. Não dependia do Governo controlar os preços do barril do petróleo no mercado internacional, mas, no próprio PND, o Governo estava consciente de que era um risco muito grande assentar o nosso desenvolvimento no sector dos petróleos, por isso falava na diversificação. E, neste particular, como reconheceu a dado passo o Presidente da República, falámos muito e fizemos pouco. Por isso não podemos queixar-nos só dessa variante, ou seja do preço do barril do petróleo. Temos de nos queixar por termos feito muito menos do que aquilo que falámos, em matéria de diversificação da economia.
Se não foi a crise, a que se deve o insucesso do plano?
Para a concepção do PND, havia uma série de orientações de políticas públicas que também não foram bem aplicadas e aqui remeto-me, mais uma vez, às palavras do Presidente da República que reconheceu que havia uma certa indisciplina por parte de alguns quadros que não acatavam as orientações. E isso não pode ser um problema do barril do petróleo. O Presidente da República falou também, durante uma das reuniões do bureau político do MPLA, da existência de quadros na alta estrutura do Estado que faziam uma gestão danosa das instituições.
Mas o programa terá sido um insucesso na totalidade ou haverá casos excepcionais?
Seríamos muito infelizes se disséssemos que não se fez nada, nesse período, e que tudo foi mal feito. Há coisas positivas e há que se reconhecer. Agora, no cômpto geral, acho que estamos muito aquém daquilo que era o sonho. É importante recordar que o programa político do MPLA mereceu a maior preferência dos cidadãos, que votaram, e tinha um slogan muito sugestivo que era «crescer mais e distribuir melhor». E hoje olho para Angola de há cinco anos atrás e comparo com a Angola de hoje, não sinto que tenhamos crescido mais, nem tão-pouco que tenhamos distribuído melhor.
Defende então que era possível a execução com sucesso de todo o programa, na actual conjuntura económica?
Creio que os planos são projecções e indicações claras do que queremos seguir. Entendendo que os programas não ocorrem linearmente, mas acredito que algumas das metas do PND eram realistas e podiam ter sido alcançadas.
Pode dar exemplos?
Em relação ao desígnio de diversificar a nossa economia, por exemplo, tendo como base a agricultura, penso que se, naquela altura, tivéssemos dedicado o financiamento adequado e tivéssemos gerido de modo adequado os programas da agricultura inseridos no PND, provavelmente os indicadores que estaríamos a constatar hoje teriam sido muito melhores aos anteriores. Acho que o PND inspirou a elaboração e definição de uma série de políticas públicas, como, por exemplo, o Plano Nacional de Quadros e uma série de coisas que foram muito bem desenhadas, acredito com gente muito competente, mas depois, do ponto de vista prático, faltaram os recursos para executar, faltou também a questão da disciplina no acto da implementação e tudo foi muito afectado pela gestão danosa das instituições. Na Educação, por exemplo, o PND indicava que era necessário um investimento avultado para a capacitação dos angolanos, mas o programa foi executado num contexto em que, até o ano passado, falava-se de um volume muito grande de funcionários fantasmas neste sector. Provavelmente estes trabalhadores fantasmas não foram colocados por pessoas fantasmas. Quanto de recursos o Estado supostamente investiu na Educação com estes funcionários fantasmas lá inseridos? E este investimento poderia muito bem ter servido para as outras áreas do próprio PND. Portanto, são situações do género na execução dos programas que acabaram por condicionar muito os resultados que hoje verificamos.
Em relação à agricultura, por exemplo, como um dos principais pressupostos para a diversificação, o que terá corrido mal?
Acho que apesar de ter havido, do ponto de vista político, uma intenção objectiva e vontade, dá a impressão que muitas das decisões foram tomadas mais com um espírito de quem tem interesse na agricultura do que quem tem conhecimento na agricultura. Só assim se pode explicar o surgimento de muitos projectos que levaram muito dinheiro ao Estado mas que depois não tiveram resultados. Para fazer um grande investimento agrícola é lógico que é importante investir do ponto de vista de equipamentos, tecnologia moderna, mas não pode ser feito com a evidente demonstração de desconhecimento do contexto onde se estava a colocar este investimento com um total desrespeito aos factores endógenos e ao conhecimento local. Muitos investimentos, no entanto, não produziram as mudanças sociais que se esperavam. Por exemplo, pensamos que para se investir na agricultura basta ter bons solos e comprar bons equipamentos e sementes, nunca pensamos no factor humano. É preciso ter os técnicos em quantidades suficientes e suficientemente motivados para tirar partido do clima e da boa tecnologia. Antes de se gastar o dinheiro é preciso fazer um diagnóstico de partida muito assertivo e muitos destes projectos não são perspectivados dessa forma. Só assim é que podemos verificar projectos como foi a construção de um grande matadouro, no planalto de Camabatela, que esteve parado até bem pouco tempo. O desaire que houve com o projecto da Aldeia Nova, e a sua replicação a nível da Quiminha. Isso mostra claramente que tivemos uma certa dificuldade de aprender com os erros do passado.
O PND é um programa que no longo prazo deverá estar alinhado à estratégia Angola 2025. Que resultados deverão ser alcançados até lá?
O que auguro é que os fracassos e sucessos deste programa devem merecer uma análise profunda, realista, desapaixonada. Não temos necessariamente de apontar só os culpados, mas há sobretudo toda uma necessidade de extrairmos as lições e vermos como vamos caminhar. Foi um primeiro exercício. E, como disse, acho positivo o Estado ter estabelecido um marco no qual orientou todas as suas políticas para o desenvolvimento. Agora, o que recomendaria, se o Governo tivesse condições de o fazer, seria uma análise realista, ver o que funcionou bem, menos bem e o que poderia ter funcionado melhor e só depois voltar a projectar os próximos cinco anos de desenvolvimento do país.
A existência de um sector empresarial privado forte na economia é também uma das grandes metas do PND. Hoje que conclusões tira a esse respeito?
Por razões que se podem justificar ou não, dependo da visão de quem as analisa, penso que temos ainda um Estado muito presente na economia. Temos um sector privado que cresceu e floresceu à sombra do Estado, e isso criou, talvez, um problema muito sério no sentido de que criámos uma burguesia de consumidores e não uma burguesia de empreendedores. Somos um país que criou ricos mas os nossos ricos não conseguiram criar emprego, empresas que pudessem pagar impostos em quantidades significativas para o Estado. Ou seja, há um número muito pequeno de ricos que o conseguiram. Portanto, esta também é uma análise que precisa de ser feita, para questionar até que ponto a lógica de acumulação de capitais terá permitido gerar empreendedores.
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