“Um povo que não pratica a própria língua é um povo sem alma”
MÚSICA. Acompanhado da sua cabaça, Ndaka yo Wiñi é conhecido pela sua africanidade em palco. O seu repertório baseia-se em pesquisas que servem de matriz para as suas composições. Em entrevista ao VE, defende o reforço da inserção das línguas nacionais no ensino e espera melhores ventos do novo Governo.
Em 2014, esteve em estúdio a gravar. Quando pretende lançar o álbum de estreia?
O lançamento do disco está marcado para o próximo ano (2018), e vai sair pela Kissanji Produções.
Os seus pais são mestres de cerimónia de eventos tradicionais. Que influências teve deles?
Deles, para além da educação cultural e tradicional, recebi, e ainda recebo, é claro, canções de roda, estórias da nossa terra, aprendo actividades do campo e pastorícia, simbologias, rituais, danças, provérbios e parábolas, muitas das quais uso com frequência nos meus trabalhos.
O que ‘esconde’ dentro da sua cabaça?
A cabaça é a minha herança. Nela carrego um volume de memórias. Boas memórias, feitas em líquido, mas não se revela o que há dentro dela. É a minha mística.
Defende que “faltam meios para a conservação de valores”. Como inverter o quadro?
O Estado devia prestar mais atenção aos projectos dos fazedores da arte e da cultura. Deve reforçar a inserção das línguas nacionais no ensino. Há a necessidade de se lembrar que um povo que não pratica a sua própria língua é um povo sem alma. É preciso transmitir e ensinar esses valores de forma autêntica no sentido de se preservarem os bens patrimoniais. Os jovens têm de saber respeitar os símbolos que representam uma Nação. Que a intervenção que se faz na economia, por exemplo, fosse a mesma, ou próxima, para com a Cultura, porque, no final de contas, precisamos todos de apreciar uma boa música, pintura, artes plásticas, teatro, escultura, dança, entre outras representações artísticas.
Como procura preservar a cultura angolana nas suas músicas?
De várias formas. E se me vir em palco facilmente vai notar isso. Canto somente em línguas nacionais. Faço fusões de outras componentes musicais com a matriz do canto bantu. Exalto constantemente a espiritualidade. Isso só para citar alguns exemplos. Investigo, crio e procuro ser original.
Como vê a música angolana?
A música, em Angola, está a crescer muito e a desenvolver-se pouco.
Como assim?
Há mais atenção às ‘celebridades’ do que ao ser artista, de facto. Uma coisa é ter a fama como objectivo por intermédio da música, outra é trabalhar para contribuir para o desenvolvimento da arte e da cultura angolana.
Trocou a formação em Engenharia pela música. Foi a melhor opção?
Foi, sim. Porque aprendi a seguir o caminho do meu coração. Aí está o que sinto, o que sempre senti.
Há quem diga que comunica com os ancestrais quando está em palco. É verdade?
Sim, é verdade.
Pode explicar como faz isso?
É muito simples. Para comunicar com eles [os ancestrais], basta interiorizar.
O que espera do novo Governo?
Espero uma gestão melhor do que a anterior e que nos venham fazer sorrir sem motivos.
PERFIL
Foi pela via artística que Ndaka (nome de família) conseguiu resgatar o nome que perdera por causa de um erro de registo. Dokas, o seu nome verdadeiro, nasceu a 5 de Janeiro de 1981, no Lobito, Benguela. ‘Yo Wiñi’, em umbundo, significa ‘a voz do povo’.
Descendente de guineenses pelo lado paterno, o dono da cabaça misteriosa provém de uma família de músicos e bailarinos, o que o influenciou, desde cedo, a trilhar o mesmo caminho, com traços culturais e tradicionais do sul do país. A sua passagem por Benguela, Huíla e Huambo ajudaram-no ainda mais a aprender e a falar fluentemente o umbundo.
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