USO DE PANOS AFRICANOS EM ROUPAS, ACESSÓRIOS E CALÇADO

Uma arte que virou negócio

MODA. Confeccionar calçados, pulseiras, óculos, pastas entre outros acessórios com panos africanos vai ganhando espaço em Angola. A arte virou negócio feito maioritariamente por jovens, que começaram numa “simples” diversão. São eles que garantem que é rentável.

Está na moda, é bom, é africano e quase todos gostam. Mas fica a questão, veio para ficar ou é mais um negócio de época? Os artesões garantem que confeccionar ou reciclar óculos, pulseiras, sapatos, pastas, entre outros acessórios, está a ser muito valorizado pelos angolanos, que, noutros tempos, “não davam” tanta importância ao pano africano. E garantem que, além da arte, é um “negócio rentável”.

A residir no Brasil, Lucineide da Fonseca, de 24 anos, fez a primeira formação em corte e costura aos 11 anos. Além de confeccionar sapatos, gravatas, colares, brincos, pastas e pulseiras, criou uma marca, usando as iniciais L.F, também faz roupas e os famosos coletes em panos africanos e não só. Já vestiu, por quatro vezes, a vocalista Nany Soul do programa da Rede Globo ‘Altas Horas’.

Tudo o que vende faz no Brasil e envia para Angola, para as irmãs venderem. Realizou, na semana passada, em Luanda, o primeiro bazar em que apresentou todos os seus trabalhos feitos no Brasil. A adesão dos clientes foi satisfatória, por isso, pretende “fazer mais e mais”. Quase esgotou os produtos. Uma das suas ambições passa por abrir lojas no Brasil e em Angola assim que terminar a formação e ser uma referência no país. Com o dinheiro que arrecada das vendas, consegue pagar todas as despesas e ainda a formação em marketing numa faculdade no Brasil.

O material usado, como o pano, é comprado normalmente na China. Uma muda de pano pode custar até 100 dólares. Por um par de sapatos, de saltos altos, cobra 10 mil kwanzas, uma pasta seis mil, sandálias rasas, quatro mil, colares também a quatro mil e o colete 10 mil. Uma das peças que considera mais difíceis de fazer é o colar.

Isabel Miguel, de 26 anos, estudante de Ciências da Comunicação, segue os mesmos passos de Lucineide: criou a marca IM, que foi apresentada oficialmente em Moçambique, no ano passado, na Bienal Internacional da CPLP.

Começou a costurar aos 10 anos, usando as próprias roupas e transformando-as em acessórios. Em 2010, encarou os trabalhos em pano com mais seriedade, e em 2015, transformou a arte em profissão. Confecciona coisas já existentes usando o método de reciclagem como as pastas e sapatos e faz também gravatas, brincos, fatos de banho, laços de gravatas, carteiras e colares, tudo forrado com panos africanos.

No concurso ‘miss Cabinda de 2015’, ganhou a fotogenia e foi ainda eleita miss Angola LNG, a fábrica de gás. Agora, tem um desafio de fornecer os acessórios aos apresentadores Kimbito e Djamila do programa ‘Club Z’ da Zap. Apoia alguns concursos de beleza, tem parcerias com os comités de miss de Luanda, Viana e Belas, em que fornece os fatos de banho e acessórios. Todo o material é feito com panos africanos.

Sem atelier no momento, Isabel Miguel faz o seu marketing e vendas nas redes sociais, ao domicílio e na residência. Conta com 10 colaboradores, que recebem comissões, conforme as vendas. Isabel garante que a arte hoje está a ser respeitada tal como a de um estilista, mas “precisa de ser mais explorada”. Sem querer revelar os lucros, assegura que já vive do artesanato, mas reconhece que, há uns anos, isso “não era” possível.

Importa os panos do Congo e na fronteira do Luvo. Nos mercados de Luanda, “fica mais caro”, alerta. A maior dificuldade é encontrar material de qualidade internamente. Ambiciona ser uma artesã reconhecida como a Nadir Tati no estilismo. Com a crise, os preços não têm poupado os bolsos, mas, como diz o ditado, ‘o segredo é alma do negócio’, a artesã prefere não revelar, em entrevistas, os preços que pratica.

Em tempos, recorda, só os estrangeiros valorizam os panos africanos que, por Angola, “não eram bem aceites”. A artesã acredita que, se as figuras públicas passassem a usar peças e acessórios com panos africanos, a população iria seguir a moda, porque elas “são referências”. “Nós só valorizamos quando no exterior valorizam.” Por isso, Isabel Miguel está convencida de que, apesar de “começar ser sempre mais difícil”, aconselha a quem faz negócios com esta arte a “não desistir”, porque ainda tem “muito a dar…” Afonso Cabral, de 26 anos é outro jovem que também se dedica à arte de trabalhar os panos. É responsável por vestir a apresentadora do programa da TPA, ‘Ecos e Factos’, Nina Godinho, e tem parcerias com escolas às quais fornece batas.

A falta de patrocínio é um dos problemas que enfrenta, mas, com a ajuda de mais quatro colegas, consegue satisfazer a procura. Além de vestir e dar acessórios à apresentadora, também faz brincos, colares, sapatos, pastas e muito mais.

As encomendas, ou o que vende, dependem muito do gosto do cliente. Não tem peças inéditas, por serem “muito caras” e o mercado “ainda não proporciona tanta oferta”, mas pensa que, se as coisas a nível financeiro melhorarem, o quadro pode inverter.

As peças confeccionadas não têm um preço fixo ou tabelado, porque depende muito de como o cliente quer. E varia de cliente para cliente. Adquire o material nos mercados de Luanda, de Benguela e da vizinha República do Congo.

Apesar de já ter criado o atelier ‘Anir’, Afonso Cabral ainda não paga impostos, porque acredita estar dentro dos prazos estabelecidos por Lei.