RAUL ROSÁRIO, ACTOR E PRODUTOR

“Uma casa de artes é produtiva”

09 Jan. 2017 Marcas & Estilos

ARTES CÉNICAS. Actor e produtor do Elinga Teatro, Raul Rosário, coordena primeira edição do Festival do Teatro Angolano (FESTA), que começa na quinta-feira (12), no Palácio de Ferro, em Luanda, no âmbito da III Trienal de Luanda, realizada pela Fundação Sindika Dokolo. Também actor de telenovelas e cinema, que está confiante por maior adesão do público, explica sobre novo rumo do Elinga Teatro (sala e grupo) e recomenda maior atenção ao movimento do teatro no país, além de sugestões para melhoria da arte.

Qual é a expectativa em volta dessa primeira edição do festival?

Depois de ter assistido com satisfação ao teatro apresentado ao longo desta III Trienal de Luanda, concluí que houve muita adesão do público. Há algo que o movimento do teatro veio criando: cada grupo criou o próprio público. Por causa da carência de salas de espectáculos nos bairros, os grupos criaram núcleos nessas zonas. Esse público, juntando com o habitual da trienal, espera-se sucesso, até porque passarão no Palácio de Ferro cinco grupos premiados: Julu, Pitabel, Miragens, Etu Lene e Elinga, ou seja, pesos pesados.

Têm acautelado o transporte do público nos bairros…

Temos preparadas as condições de transportes, que vão buscar o público em pontos da cidade, pelo facto de o evento ser na baixa da cidade.

A companhia Elinga Teatro continua a apresentar-se no seu espaço?

O grupo estreou uma peça ainda em Novembro no Elinga, apresentou também na Casa das Artes, no Talatona. Mas o espaço está sempre pronto a receber eventos do grupo e de outros.

Mas o espaço vai ser demolido…

Ainda há um limite de tempo, até à demolição. Fizemos uma pequena remodelação, então está outra vez em condições de apresentar teatro. Não é das melhores em termos técnicos, mas pode apresentar-se.

Já estão a preparar uma outra sala?

O edifício que está a ser erguido em frente do Elinga é da mesma entidade que pretende demolir o espaço. Houve uma espécie de troca (uma negociação) de que o novo edifício iria albergar uma sala para o Elinga, mas por enquanto as obras pararam, talvez por causa da crise. Então, ‘enquanto o lobo não vem’, continuamos.

Mas há garantias de que se ‘o lobo vier’, pelo menos, já não têm com o que se preocupar?

Esse aspecto foi acautelado. No princípio havia uma pequena guerra porque não se entendia qual era a contrapartida. E também porque as pessoas já têm um certo afecto pelo espaço, a carga histórica que envolve…

O teatro já tem força?

Fico muito satisfeito com a força anímica que o teatro tem, por isso o Governo, as instituições públicas e privadas e a sociedade, em geral, deveriam prestar muita atenção a este fenómeno. A força do pessoal do teatro, afinal, os grupos organizaram-se com meios próprios. Já há grupos com salas (cativas), por exemplo, o Pitabel já domina uma no Kilamba, no Talatona, há a ‘Casa das Artes’, no centro da cidade não há salas, tirando as adaptadas como a LAASP e a do Horizonte Njinga Mbande.

E como está o teatro no país?

Todas as capitais das províncias têm um grande e bonito teatro, deixado pelo colono, como o do Namibe. Devia pensar-se em criar um cine-teatro em cada município. Era algo que já existia, devia recuperar-se. Se o Estado não tiver capacidade para gerir, propõe uma comparticipação com privados, mas colocando na gestão quem entende da área, não é alugar o espaço para festas. Recuperar uma casa de artes não tem muitos custos, não é como um restaurante. Uma casa de artes, desde que tenha energia, água, balneários limpos, limpeza, luminotécnico, gabinetes, é produtiva.

Já há muita gente a viver do teatro?

Só conheço dez pessoas que vivem das artes cénicas. Mas prefiro não os citar.

Quais são os seus projectos artísticos?

Para já, estou satisfeito com os projectos de teatro inclusos na trienal de Luanda. Mas, este ano, gostaria de trabalhar em projectos audiovisuais. O cinema e a televisão têm um impacto significativo que poderiam ser muito bem aproveitados para fazer chamadas de atenção sobre a nossa realidade.

Já não é convidado para telenovelas e cinema?

No ano antepassado, fiz algumas aparições em novelas, mas o paradigma não é esse. Houve mudanças de estética nos conteúdos audiovisuais e da música angolana: pessoas como eu, com mais de 40 anos, viveu e aprendeu outra estética musical, por exemplo (a dos anos 1980, antes das batidas do kuduro), porque, nessa altura, ouvia cantores como Prado Paím, Kiezos, etc. É como nas novelas ou cinema. A matriz que se quer é de actores mais elegantes, diferente das novelas antigas. Não se viam tantos bonitões assim, eram as histórias, bem profundas, que chamavam a atenção, contrário das estéticas (dos enredos) de agora, que são muito superficiais. Por isso muitos colegas, não só em teatro como na música, não são convidados para novos trabalhos.

E para quem escreve histórias para teatro?

Temos poucos dramaturgos com livros editados. O único que conheço, que escreve só para teatro, é José Mena Abrantes (do Elinga Teatro). Outros já são escritores (que não escrevem exclusivamente para o teatro), como Fragata de Morais e Pepetela. Com livros editados, a história vai andar pelo mundo afora onde se poderão recuperar outros trabalhos (e reconhecer a paternidade da obra). A maior parte dos grupos tem histórias escritas pelos próprios, outros adaptam de romances e contos, mas sem estarem editados. Deve prestar-se também atenção a esses que escrevem, no sentido de serem mais capacitados. Temos de escrever mais sobre a nossa história, aproveitar as obras dos nossos célebres escritores (que retratam as nossas vivências).

 

PERFIL

Raul Rosário é actor, produtor, encenador, luminotécnico, percussionista e bailarino de dança contemporânea. Nasceu a 22 de Agosto de 1973 em Benguela. Começou no teatro em 1991, com a peça ‘Equus’, de Peter Shaffer, encenado por Maria João Ganga, em Luanda. Mais tarde, integrou a companhia Elinga Teatro que representa até agora.