ANGOLA GROWING
JOSÉ LAURINDO, SECRETÁRIO-GERAL DA UNTA-CS

“Vamos bater-nos pelo fundo de desemprego até às últimas consequências”

09 Feb. 2022 Grande Entrevista

Depois de um combate ainda por vencer contra o salário mínimo nacional, entretanto já aprovado pelo Executivo, o novo ‘homem-forte’ da UNTA-CS define uma outra frente: a criação do fundo de desemprego como uma meta a atingir no diálogo com o Governo.

“Vamos bater-nos pelo fundo de desemprego até às últimas consequências”
D.R

Acha que o salário mínimo nacional pode voltar a ser discutido depois de o Governo fixar o aumento em 50%?

Remetemos, na quinta-feira passada, ao Presidente João Lourenço, uma carta na qual contestamos esse aumento de 50% do salário mínimo nacional. Não gostaríamos de falar sobre isso enquanto não obtivéssemos uma resposta do chefe do Executivo.

Espera que haja um recuo antes das eleições?

Entendemos esperar pelo pedido. Enquanto não formos ouvidos, não vamos reconhecer a decisão governamental porque antes devia ocorrer uma reunião de concertação social, mas fomos ignorados. Porém, se o Governo recuar, vamos negociar.

E se não recuar?

Faremos valer os nossos direitos. Aliás, a lei confere-nos o diálogo mas, não havendo esse entendimento, havemos de partir para a greve. E se mesmo assim se mantiver o problema, avançaremos com manifestações de rua. Para já, reitero que o movimento sindical defende que o salário mínimo deve ser aquele que está próximo daquilo que é o custo da cesta básica alimentar que não está abaixo de 100 mil kwanzas.

Que UNTA-CS teremos no seu mandato?

O meu foco é dirigir, defendendo melhores condições laborais, que dignifiquem o trabalhador. O cidadão tem a sua dignidade e também obrigações.     

Desde que assumiu o cargo, diz-se que ainda não ‘aqueceu’ o banco do escritório, na Mutamba, estando sempre em viajem. A acção do sindicato não pode ser comandada a partir de Luanda?

O movimento sindical não se faz sentado no escritório. A nossa meta é ir ao encontro do trabalhador lá onde estiver, ouvindo as suas inquietações. Não vou trabalhar no escritório. Aliás, enquanto secretário-geral da UNTA-CS, acompanho pessoalmente as províncias do Moxico, da Lunda-Norte e do Cunene, para onde me desloco constantemente, ouvindo preocupações e, ao mesmo tempo, procurar soluções, dialogando.

E que saída é que aponta para a conjuntura actual de graves dificuldades económicas e sociais?

É o país possível que temos, não o que gostaríamos de ter. Agora, para inverter o quadro negro em que o país se encontra, todos nós, lá onde estivermos, temos de dar a nossa quota-parte para o seu desenvolvimento.

Como isso, pode ser possível num cenário de falência de empresas e de acentuado desemprego?

O desemprego preocupa toda a gente. Não havendo trabalho, não há dinheiro e o grande problema ainda é daqueles que, estando já a trabalhar de repente perdem o emprego, o que resulta num rol de desequilíbrios sociais. Isso até afecta a pessoa do ponto de vista emocional, podendo levar a problemas psíquicos.

Quantos membros compõem o sindicato?

Em termos de trabalhadores, efectivamente, são numerosos e estes dados podem ser fornecidos pelos agentes dos sindicatos. Globalmente, temos 124 associações filiadas na UNTA-CS entre sindicatos e uniões sindicais. Só para ilustrar, há províncias que têm, por exemplo, 20 sindicatos.

Como o sindicato sobrevive se já não recebe dotações orçamentais do Estado?

O subsídio do Estado, enquanto entidade de utilidade pública, foi cancelado, creio, devido às dificuldades económicas e financeiras. Mas a UNTA tem muito património imobiliário, cultural  e cívico. Rentabilizando todo esse património, sobretudo, o imóvel, o sindicato não terá muitas dificuldades financeiras na sua manobra. Além do arrendamento do património, temos a quotização dos associados. Aliás, só para reforçar e clarificar bem o que disse acima, a UNTA é uma associação de associações, sem trabalhadores filiados de forma directa. Os trabalhadores estão em associações por ramo de actividade. São essas associações ou sindicatos de base que se filiam às uniões (representações sindicais regionais ou provinciais) e essas às confederações sindicais.

Qual é a comparticipação dos membros?

Foi estabelecido um valor por cada associado. À quota paga por um filiado ao seu sindicato a UNTA vai buscar uma percentagem. É um pagamento indirecto. Os trabalhadores pagam as quotas aos seus sindicatos e esses transferem uma percentagem para a UNTA, definida e combinada em reuniões regulares com os seus associados.

Esse património a que se referiu está legalizado?

Não temos nada que não esteja legalizado.

 Quanto vale?

Digo-lhe, grosso modo, que se trata de um património que vale milhões de kwanzas.

Onde está localizado?

Em todas as províncias do país temos imóveis arrendados. Por exemplo, onde funciona o sindicato em Luanda, há o Centro de Diagnóstico e de Estomatologia 4 de Fevereiro, que é propriedade do sindicado. O Centro Materno Infantil do Lobito e a Maternidade Irene Neto, na cidade do Lubango, também fazem parte do nosso vasto património.

No caso destas maternidades, o Governo paga mesmo arrendamento?

O Governo tem contrato connosco. Quanto aos pagamentos, são outros quinhentos que teremos de resolver na base da concórdia.

Há a necessidade de termos três sindicatos?

As outras são centrais sindicais, ao passo que a UNTA é uma confederação sindical.

Qual é a diferença?

Agora não lhe posso detalhar muito bem, mas digo-lhe que cada uma tem a sua forma. Estas entidades são apartidárias, mas quem as dirige, ou seja, quem está à sua frente não está proibido de ter uma filiação política. Entretanto, são iguais por serem dirigidas por homens.

No caso, quem dirige a Unta é do MPLA?

Não comento. 

Mas a UNTA tem sido conotada ao partido no poder. Como pensa inverter essa imagem?

Na verdade, a história da UNTA confunde-se com a do MPLA, porque também andou na guerrilha, mas é um erro pensar que o sindicado é partidário. Dizer que a UNTA é do MPLA isso cabe apenas na visão dos jornalistas, porque, na visão da lei, trata-se de uma organização independente.

Qual tem sido a relação do sindicato com as centrais sindicais?

Estamos a estreitar relações de parceria em questões comuns como esta em que nos envolvemos na defesa do salário mínimo nacional.

A Lei Geral do Trabalho já satisfaz as vossas expectativas, ou seja, já é mais justa e equilibrada?

Tivemos um ganho acima de 80%, mas os experts dizem que estamos com ganhos na ordem de 150%. Porque entraram novos elementos na lei que mais se ajustam ao desiderato tanto dos trabalhadores como das empresas.

Como, por exemplo?

São vários os aspectos positivos que deveriam ser esmiuçados num ambiente mais tranquilo. Sendo que fui apanhado de surpresa, essa abordagem fica para um outro momento.

Veio a pandemia e o Governo pouco ou nada fez para evitar a ‘morte’ em série de empresas…

Não gostaria de julgar ninguém, mas o sensato seria dizer que, havendo uma possibilidade de potenciar as empresas de modo a evitar a falência, seria melhor fazer esse esforço. Se reparar, são empresas do sector privado que estão a fechar, porque, mesmo na crise, os sectores da Educação e da Saúde estão a empregar. Portanto, quando se cria uma empresa o conselho é a maximização dos lucros para que sejam aplicados em tempo de crise.  

E a intervenção do Governo?

O sensato é acudir as empresas. Por outro lado, havendo dívidas com estas, o Governo deve procurar pagar. Quando não salda as dívidas das empresas que lhe prestam serviço, o empregador não terá por onde pegar, senão despedir trabalhadores e, no pior dos cenários, fechar portas. 

Muitas vezes, os trabalhadores destas empresas falidas vão para a rua sem indemnização…

Vamos buscar formas de diálogo com o Executivo no sentido de obrigar que o trabalhador que tenha descontado por exemplo durante oito anos para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), enquanto não tiver outro emprego, receba um subsídio que lhe permita sobreviver até à próxima oportunidade de emprego.

Como isso pode ser processado?

Havendo um fundo de desemprego. Vamos bater-nos por isso até às últimas consequências. E teremos de conseguir no permanente diálogo com o Governo, porque o difícil é ressuscitar alguém.

Disse que “mesmo na crise, os sectores da Educação e da Saúde estão a empregar”, o que isso significa?

Não está proibido que se fudam colégios ou clínicas privadas. Mas há aqui uma questão: esses que têm projectos desta natureza terão fôlego para instalar-se na Muxima, por exemplo? Não, porque aí o pagamento será com kizaca, com carne de caça de cambuiji ou com batata-doce e mandioca, na medida em que ali o dinheiro não circula e há pouca gente. Portanto, quem investe faz estudo de viabilidade e procura maximizar os lucros para os maus momentos. São estas lições que fazem falta aos nossos empresários ou àqueles que querem caminhar na estrada do negócio.

É optimista quanto ao futuro do país?

Por esse país morro. Esta fase em que nos encontramos não é pior em relação à que já passamos de muita fome, nudez, em que só se calçava sapato aos domingos. Portanto, refiro-me à colonização. 

Mas o país não progrediu porque há também fome e nudez nos nossos dias?

Em 1978, não havia quadros, hoje temos muitos. Temos mais água potável, mais escolas e hospitais. O problema tem que ver com o aumento da densidade populacional. Reproduzimo-nos muito e logo o que se faz não chega.

Porque não há boa gestão nem planificação?

A planificação existe. Reitero que o que se faz não chega. É preciso redobrar. No troço rodoviário Lobito-Benguela, naquele tempo, quase não passava carro nenhum. Ficávamos horas a fio à espera de boleia, quando hoje há engarrafamentos. Portanto, por vezes é incoerência dizer que o país não cresceu. E a incoerência é pecado!

Quem critica é incoerente, é isso?

Temos dificuldade de ajuizar porque, desde 2002, a nossa vida virou 360 graus. E ali, os jovens hoje com 30 a 40 anos de idade que só experimentaram vida boa, se faltar um pão é ralhar todo o mundo.

O que pensa sobre o combate à corrupção?

O combate a esse fenómeno não deve ser abrupto. Deve haver pedagogia na luta contra esse mal. Há mais de sete anos, nas nossas actividades alusivas ao 1º de Maio, dizíamos que ‘Contra a corrupção, toda a nossa força’. A corrupção é como o vento. Move árvores, mas ninguém conhece a cor. Como não é fácil ver quem é corruptor, é preciso sermos tolerantes.

Perfil

Um geógrafo no sindicalismo

Até Abril do ano passado, dirigiu a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores da Educação, Cultura e Desportos. José Laurindo nasceu em 1958 em Caluquembe, na Huíla. É formado em geografia pelo Instituto Superior de Ciências da Educação (Isced).