ANGOLA GROWING
VICTOR LEONEL, PRESIDENTE DA ORDEM DOS ARQUITECTOS

“Vamos começar a denunciar quem são os ilegais na profissão”

O actual cenário arquitectónico de Luanda preocupa a direcção da Ordem dos Arquitectos de Angola por estar desfasado, em muitos aspectos, da realidade cultural nacional, além de propiciar outros males de ordem ambiental. Em entrevista ao VE, o líder da Ordem promete combater a ‘desordem’ que, segundo diz, se deve, em parte, ao excessivo número de ilegais que exercem a profissão.

Como a Ordem dos Arquitectos de Angola olha para o actual cenário arquitectónico de Luanda?

A característica da arquitectura que está a ser feita hoje é diferente daquela que existia há alguns anos. Não só porque os estilos mudaram, mas sobretudo porque a arquitectura mais contemporânea que se faz agora é diferente da moderna que se fazia antigamente. Só que naquela altura havia soluções muito mais interessantes do que aquelas que estão a ser apresentadas agora. Temos situações de climas que não estão a ser salvaguardadas, mas não é por se tratar de arquitectura contemporânea, mas sim porque estão a ser apresentados maus projectos.

Do ponto de vista ambiental, há preocupações que devem também ser levantadas?

Alguns desses projectos, do ponto de vista energético, consomem muito combustível. A maior parte dos edifícios que estão a ser feitos na baixa de Luanda não funciona sem ar condicionado. Estão a expôr os vidros. Quando se consegue pôr um vidro que diminua a reflexão do sol, o custo do material normalmente é muito caro. Por outro lado, quando se coloca um vidro simples que consiga absorver a luz do sol, esse vidro cria o efeito de estufa no interior do edifício. Para diminuir esse efeito, tem de se recorrer ao ar-condicionado. Já antigamente, havia a preocupação do sombreamento, para que os vidros não ficassem expostos. Se olharmos, por exemplo, para o edifício das obras públicas, onde está o Ministério da Construção, ele é todo vidrado, só que tem uma dupla fachada. Ou seja, tem o vidro por trás, depois tem o sombreamento. Assim nem precisa de ar-condicionado, porque o edifício continua fresco. Do ponto de vista energético, o edifício não consome tanto. E nessa fase, em que estamos a discutir o consumo de energia, o efeito-estufa, o aquecimento global, estamos a dar respostas que, do ponto de vista arquitectónico, vão contra aquilo que é a ordem mundial.

Qual é a matriz arquitectónica que Luanda deveria ter?

Nós, enquanto arquitectos nacionais e estrangeiros, temos primeiro de perceber em que país estamos inseridos. Temos de perceber o clima, no qual estamos a projectar e a cultura do povo para o qual estamos a projectar. Se não percebermos isso, vamos fazer edifícios muito parecidos com os da China, Japão, Portugal, Estados Unidos, mas que não evidenciam em nada aquilo que é nosso. Isso é um desafio grande para um arquitecto. A arquitectura é uma manifestação cultural de um povo, é cultura, e precisamos de mostrar aquilo que é a nossa manifestação cultural e não só tecnológica. A tecnologia é importante, desde que consiga dar respostas às questões culturais do povo.

E o que dizer das zonas verdes de Luanda?

Tínhamos três áreas que podíamos considerar com algum verde, que era a zona verde do Alvalade, a floresta da Ilha e o Eixo Viário. Não tínhamos mais. Mas repare que tínhamos esses três pontos com um limite que ia do Porto de Luanda até ao antigo controlo da Samba e, depois, da Baía de Luanda até ao Cazenga. Estes são os limites de Luanda. Se falarmos de limites urbanos, íamos parar quase ao prédio da Comunicação Social e um bocadinho mais do bairro São Paulo. Hoje, olhamos para a nossa cidade e notamos que cresceu. Significa que a resposta, do ponto de vista do ‘pulmão’, tem de triplicar, porque a cidade triplicou ou quadruplicou, mas nós, ao invés de aumentarmos o verde, diminuímos. Por isso, é urgente que se criem ‘pulmões’ na cidade, para que possa respirar mais saúde.

É possível inverter o actual cenário arquitectónico de Luanda?

É possível, porque não são situações muito graves. Conheço muitas cidades africanas e sei que o nosso caso não é dos mais graves. Há soluções que precisam de ser dadas, há respostas que têm de vir à tona, mas com um bocado de coragem e determinação consegue-se corrigir algumas situações que vemos por aí, que não são tão graves. Um dos passos que já se marcaram é a descentralização administrativa. Antes, todas as questões eram resolvidas no Governo Provincial, mas hoje muitos procedimentos são tratados nas administrações. O que é vantajoso, até porque as administrações conhecem bem o que se passa dentro do seu território. Por outro, é preciso que os transportes públicos de massa comecem realmente a funcionar, nomeadamente os catamarãs, os comboios e autocarros. Sei que isso está previsto no Plano Director de Luanda os BRT, que vão facilitar o trânsito. Portanto, algumas soluções já começam a ser dadas.

Que outras situações preocupam actualmente a Ordem?

O exercício profissional. Quem são as pessoas que podem exercer a actividade em Angola. Ainda vemos alguns casos em que arquitectos, vindos de outras paragens, são convidados a elaborar projectos, sem que, para tal, estejam na Ordem. Isso preocupa-nos. Assim como também nos preocupa o caso de, muitas vezes, as encomendas dos projectos serem seleccionadas sem concurso público. Do mesmo jeito que somos rigorosos em relação, por exemplo, a concursos para empreitadas, é preciso também que o sejamos com os concursos para projectos. E isso quase que ainda não se faz sentir. A nível de projectos, o que normalmente acontece é por indicação e isso preocupa. Só fazendo é que vamos melhorar. O país está, neste momento, num processo de reconstrução. É a melhor fase, em termos de oportunidades, para os arquitectos nacionais desenvolverem as suas aptidões.

Qual tem sido o posicionamento da Ordem para combater as práticas de exercício ilegal da profissão?

Para este mandato, decidimos que seria mais educativo. Temos tido contactos com vários arquitectos nacionais e internacionais que estão a exercer ilegalmente a actividade e falámos com essas pessoas, alertando de que se essas pessoas quiserem trabalhar em Angola que o façam em parceria com arquitectos angolanos, inscritos na Ordem. Aliás, a União Internacional de Arquitectos recomenda que os arquitectos, ao viajarem para outros países, façam parcerias com os arquitectos locais e não trabalhos de forma individual. Por isso, temos estado a aconselhar, porque isso constitui crime e não gostaríamos que um colega nosso fosse amanhã indiciado por exercer a actividade ilegalmente. Mas essa fase acabou. Agora vamos começar a indicar exactamente quem são as pessoas que agem assim.

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A legislação prevê alguma sanção?

As sanções são criminais, porque as pessoas, nessa condição, estão a usurpar uma profissão. Porque não sabemos se essa pessoa é realmente arquitecta ou não. Pode ser até que o seja. Em qualquer país, não basta as qualificações que dizem que a pessoa é profissional. Se, por exemplo, a um arquitecto, por qualquer motivo, lhe é caçada a sua carteira profissional, nesse país ele não poderá exercer a actividade, nem lá, nem noutra parte do mundo. Aquela profissão, ele não pode exercer. Quem nos garante que ele não terá cometido um crime no seu país de origem e que não pode mais exercer a profissão? Daí a necessidade de ter que se inscrever na Ordem. Se não tivermos o cuidado de saber quem é essa pessoa, amanhã temos a nossa cidade numa aberração, com prédios a cair, acidentes e a pessoa já não está cá para ser julgada. Por isso, temos de estar atentos. No fundo, estamos a salvaguardar o nosso país de situações mais graves que possam ou não advir.

Essa é uma aposta da Ordem para esse ano, denunciar os estranhos à profissão?

Já temos falado com as pessoas, a educar, mas educar tem prazos. Há uma fase de conversa, mas agora vamos passar para outra fase que é de acção. Há uma outra situação que temos reclamado que é a questão dos vistos. Como é que são passados vistos de trabalho a pessoas que não podem exercer a actividade em Angola? Não é correcto. Sabemos que há arquitectos que vêm trabalhar para empresas de construção ou de projectos e que têm visto de trabalho como arquitectos. Mas estes, aqui não podem exercer a actividade, nem sequer se inscreverem na Ordem. Portanto, temos abordado com os órgãos de direito para passar vistos de trabalho é preciso que a Ordem tenha conhecimento ou, pelo menos, seja consultada se esse arquitecto do país A ou B pode ter visto de trabalho ou não. Porque é a nossa profissão que está em jogo.

Que avaliação faz do trabalho que a Ordem tem estado a desempenhar ao longo dos 10 anos de existência?

O meu mandato terminou em Abril e estou a concorrer para a reeleição. As eleições foram convocadas em Abril e até ao momento não apareceu outra lista, subentendendo que vá ter de avançar sozinho, porque não há concorrência. Nos últimos três anos, foi efectuado algum trabalho, principalmente a nível dos arquitectos. Dividimos as nossas acções em duas partes. Como só podemos cumprir dois mandatos consecutivos, a ideia era no primeiro mandato nos cingirmos mais no trabalho dos arquitectos e, no segundo, envolver mais os arquitectos nos trabalhos com a comunidade. Ou seja, deixar o arquitecto mais próximo do cidadão. Mas, para isso, era necessário, primeiro, que o arquitecto percebesse quais são as suas funções dentro da sociedade, que papel é que desempenha e o que a sociedade espera de nós; que conhecimentos precisamos de ter e que abordagens é que devemos fazer junto da sociedade. Portanto, estes três anos serviram essencialmente para cultivar o que está ainda de baixo da terra, fazer germinar esses conhecimentos no seio dos arquitectos. Nesse período, organizámos também alguns fóruns internacionais, num total de três, um para cada ano, no Sumbe, em 2013, Lobito, em 2014, e Huambo, em 2015. Cada um dos fóruns tinha um tema específico. Convidámos ‘experts’ para apresentar a sua experiência sobre determinadas matérias que achamos relevantes, em função do tema que foi escolhido. Daí que os arquitectos saíram desses fóruns com conhecimentos precisos sobre o tema. Além dos fóruns, organizámos um prémio de arquitectura e exposições.

Nestes três anos, os resultados obtidos corresponderam às expectativas?

Correspondem! E dou um exemplo concreto. Desde o primeiro fórum, no Sumbe, para o qual convidámos uma especialista em matéria de acessibilidades, este tema, em particular, passou a ser muito discutido. E os arquitectos saíram desse encontro bastante elucidados, a tal ponto que convidamos a mesma especialista para fazer uma outra apresentação, também sobre acessibilidades, mas noutra vertente, no Lobito, no segundo fórum. E também aí, o assunto foi amplamente discutido. Fruto desse trabalho, fomos convidados, em 2015, a dar o nosso parecer sobre a Lei das Acessibilidades. Nessa altura, já estávamos, há dois anos, a discutir o assunto. Foi muito fácil abordar essa questão das acessibilidades e demos o nosso contributo. E mesmo tendo passado por várias comissões, no Parlamento, notámos que o resultado final não teve alteração substancial e que foi a todos os níveis elogiado. Isso, para nós, foi um coroar de êxitos.

Que outros assuntos, de interesse geral, a Ordem chegou a partilhar com o Governo?

Fizemos contactos nas várias esferas governamentais, no sentido de abordar questões que preocupam os arquitectos e que, para a sua solução, careciam de abordagens ao mais alto nível. Uma das vitórias foi que os governos provinciais fizessem o registo dos técnicos médios para passar a assinar os projectos locais. O estatuto da Ordem proíbe que pessoas, que não sejam arquitectas e não estejam inscritas na instituição, assinem projectos. Foi uma luta grande para conseguirmos que esse preceito fosse cumprido. Mas, felizmente, isso já acontece.

A segurança nos edifícios das novas centralidades é um assunto recorrente, sobretudo por causa de alguns incêndios. Como a Ordem olha para esse tipo de situação? 

A segurança nos edifícios foi um dos assuntos abordados no nosso último fórum, no Huambo. Nas centralidades, olhando para o que existe do ponto de vista urbano, a questão da segurança está salvaguardada. Nas pesquisas que fizemos, verificámos, inclusive, que há indicações no pavimento para os invisuais. Portanto, nesse aspecto, as centralidades estão bem servidas. Em relação aos incêndios, não digo que os edifícios estejam bem servidos, mas acredito que o corpo de bombeiros tem os seus equipamentos e a sua forma de tratar melhor a situação. Não sei se a questão está resolvida nos prédios mais altos, mas reconheço que alguns desses pormenores foram salvaguardados nos edifícios de baixa altura.

A Ordem não foi chamada na concepção das centralidades?

A Ordem tem, desde esse ano, um arquitecto a trabalhar na aprovação de projectos no governo provincial, mais propriamente no IPGUL.Nessa altura, estas questões todas têm sido verificadas. Mas nas centralidades, a situação é diferente. Foi uma resposta de emergência dada para resolver uma situação real que o país estava a viver. E quando se trata de situações de emergência há uma série de preceitos que é posta de lado. E as centralidades não fogem disso. Portanto, nas centralidades, o que conhecemos é aquilo que vemos da vivência. Não fomos lá, de forma oficial, procurar soluções de correcção ou de afinação. Isso, não fizemos. Aquilo é um pacote que foi entregue e que para as melhorias que tiverem de ser feitas, deverá ser a própria administração a dar respostas.

 

 

PERFIL

Victor Leonel é licenciado em arquitectura. No quadrante profissional, já ocupou vários cargos de destaque, entre os quais o de secretário-geral da Ordem dos Arquitectos de Angola, antes de assumir as actuais funções de presidente da organização. Em 2008, foi eleito membro do Conselho da União africana de Arquitectos, para três anos depois ser vice-presidente desta instituição, posição que ocupa actualmente no seu segundo mandato. Em 2011 foi eleito tesoureiro do Conselho Internacional de Arquitectos de Língua Portuguesa (CIALC), função a que foi reeleito em 2013. Este ano foi eleito vice-presidente desta organização.