ANTÓNIO PORTELA, CEO DA BIAL

“Vamos investir o necessário para que o Malacur não falte no mercado angolano”

A operar em Angola há sensivelmente 30 anos, a BIAL, uma farmacêutica que actua também nos mercados da Europa e da América do Norte, prepara, para breve, o lançamento de um novo antipalúdico – o Malacur – no mercado angolano. Em entrevista ao VALOR, o CEO da empresa admite que o ambiente de negócio em Angola é negativo nos últimos dois anos, mas assegura, ainda assim, a continuidade dos investimentos fruto da parceria “estratégica” que mantém com o Estado.

 

A BIAL acaba de apresentar, em Angola, o anti-paludíco Malacur. Em termos gerais, como se processa o mecanismo de acção desse novo fármaco no organismo humano?

O Malacur é um fármaco para o tratamento da malária que tem uma série de características positivas que, esperamos, possam realmente ajudar os países que padecem dessa doença, como é o caso de Angola. É um fármaco que tem alguns benefícios. Não precisa, por exemplo, de ser tomado com comida, tal como outros fármacos. Segundo o que nos explicam alguns dos médicos com quem falámos, uma criança que tem malária, mesmo após a medicação, ao fim de 24 ou 48 horas, não tem vontade de comer. E aí o medicamento não faz efeito. O Malacur só precisa de ser tomado com água. Não tem esse desconforto adicional para com os pacientes. Por outro lado, além de tratar a malária em apenas três dias, gera um período de profilaxia de 46 dias. Ou seja, o doente que toma o Malacur fica tratado e, depois de seis semanas, fica também imune, sem o risco de apanhar novamente a malária. Portanto, o que este medicamento está a proporcionar é um período de protecção. É um medicamento que tem três anos de validade, mais um ano do que os habituais.

Nesta primeira fase, a BIAL procedeu somente a apresentação do Malacur. Para quando está prevista a sua disponibilização no mercado angolano?

Neste preciso momento, estamos a trabalhar muito estreitamente com as autoridades angolanas e com os médicos, procurando assegurar que o medicamento esteja disponibilizado, havendo também, em simultâneo, acções de formação e havendo percepção de onde é que deve ser utilizado, para além de haver a necessidade de se definir bem que doentes vão beneficiar deste medicamento. Portanto, estamos a trabalhar com as autoridades nisso e esperamos tê-lo disponível nas próximas semanas.

Estarão já criadas as condições para que não haja ruptura de stocks deste fármaco em Angola?

Trabalhamos há cerca de 30 anos em Angola e é um compromisso que temos nos países onde estamos, que é procurar encontrar soluções e fazermos os investimentos necessários para que não faltem produtos no mercado. Sabemos que tem existido, nalguns casos, falhas de medicamentos, nós temos cerca de 40 medicamentos disponíveis no mercado e procuramos garantir que não haja de falhas. Este é o nosso compromisso. Trabalhar para que não existam estas falhas no mercado, nomeadamente numa patologia tão séria como a malária.

Qual é o volume de investimento que o lançamento do Malacur em Angola exigiu da empresa?

São números que, neste preciso momento, prefiro não partilhar. O que posso dizer é que, por ano, investimos cerca de 50 milhões de euros em investigação e desenvolvimento de novos medicamentos para trazer ao mercado. Obviamente que os custos relacionados ao Malacur são muito inferiores a estes. Ou seja, há outros que têm mais custos. Temos um compromisso muito grande com os novos medicamentos que pretendemos trazer para o mercado.

Na qualidade de investidor, como avalia o ambiente de negócios em Angola?

O ambiente para o investimento em Angola, fruto da crise, tem sido regra geral negativo nos últimos dois anos. Acredito que o Executivo tudo tem feito para inverter este sentimento. A BIAL tem investido continuamente em Angola e continuará a fazê-lo, até porque a nossa “parceria” com Angola é estratégica, e para manter, e não se vê apenas nos momentos positivos.

Voltando ao Malacur. Em Angola, a BIAL prevê disponibilizar, numa primeira fase, apenas os comprimidos, estando o lançamento do xarope programado para mais tarde. Há algum motivo especial para que assim seja ou é apenas uma estratégia comercial?

Neste momento, vamos disponibilizar apenas os comprimidos, mas, logo a seguir, vamos disponibilizar não os xaropes, mas os comprimidos dispersíveis. Sabemos que há também outros fármacos em xaropes para o tratamento da malária, mas o Malacur existe também em comprimidos dispersíveis, o que permite dissolver em água, utilizando exactamente a dose correcta. Para o xarope, muitas vezes, tendo em conta o peso, é muito difícil encontrar a dose ideal. A opção no desenvolvimento do Malacur foi o comprimido dispersível que foi adaptado à dose da criança.

Qual é a receptividade que este novo fármaco está a merecer por parte das autoridades angolanas ligadas à área da saúde?

Posso dizer que a receptividade tem sido muito boa. Percebemos que há uma grande preocupação em relação à malária, em toda a cadeia dos organismos que compõem a área da saúde em Angola. Obviamente, as autoridades ficaram encorajadas por haver uma nova opção terapêutica. Mas, tendo em conta a dimensão do flagelo, em Angola, é lógico que queiram garantir também que é tudo feito da melhor forma possível.

Para além de Angola, há outros países em África onde tencionam fornecer o Malacur?

Neste momento, só fizemos a apresentação deste medicamento em Angola, mas prevemos também fazer a distribuição noutros mercados, nomeadamente em Moçambique.

Que informação é que tem em relação o nível de prevalência da Malária em Angola e em África?

Temos dados da Organização Mundial da Saúde. Segundo a OMS, aproximadamente 50 por cento da população mundial está exposta ao parasita da malária, em 91 países endémicos. Anualmente, morrem, por malária, entre 500 e 600 milhares de pessoas no mundo. Estima-se que, por ano, ocorram mais de 200 milhões de casos em todo o mundo, sendo que 90% são na África Subsariana. A OMS diz também que 90% dos casos de malária e das mortes ocorrem no continente africano, registando-se 848 milhões de pessoas com risco de contrair malária, 690 milhões das quais com alto risco.

A BIAL terá planos de algum dia instalar uma fábrica para produção de fármacos em Angola, tendo em conta os níveis de prevalência de doenças como a malária?

Hoje, vendemos os nossos medicamentos para 58 países e temos apenas uma unidade industrial, sedeada no Porto, que suporta estes 58 países. Neste momento, não temos a intenção de construir mais nenhuma unidade industrial, porque temos a perfeita capacidade para gerir aquilo de que necessitamos nos países a que me referi. Se, em algum momento, entendermos que a nossa capacidade não chega, deveremos equacionar este aspecto.

Que outros medicamentos a empresa já lançou no mercado?

Temos uma área de investigação e desenvolvimento há cerca de 25 anos. Temos hoje cerca de 100 investigadores a trabalhar na nossa equipa. Nos últimos anos, desenvolvemos dois medicamentos para o tratamento de epilepsia que foram lançados em 2009 e que estão hoje presentes em dezenas de países da Europa, Estados Unidos e Angola. E desenvolvemos um segundo medicamento para tratamento da doença de Parkinson que foi aprovado pela Comissão Europeia para uso em toda a Europa, no ano passado. Ainda só o temos lançado em três países, nomeadamente na Alemanha, Inglaterra e Espanha, mas prevemos lançá-lo noutros países.

Em que áreas da medicina a empresa tem estado actualmente focada a nível da investigação para a descoberta de novas soluções terapêuticas?

Na área de investigação, as duas grandes apostas que temos é a área do sistema nervoso central, portanto a área da neurologia, e a área cardiovascular. Os dois medicamentos que desenvolvemos, um para a epilepsia e o outro para a doença de Parkinson. Portanto, duas doenças do foro neurológico.

Neste momento, como é que a BIAL se posiciona no contexto internacional do negócio farmacêutico?

No contexto internacional, somos uma pequena e média empresa. Temos muito menos recursos e capacidades do que as grandes multinacionais. O que significa que temos de crescer muito mais focados naquilo que fazemos. Não podemos investigar em muitas áreas, porque não temos tanta capacidade de investimento, não dispomos de recursos humanos para desenvolver todo esse trabalho e, por isso, temos de ser muito focados e eficientes naquilo que fazemos. Mas, em Angola, a BIAL é a top três de vendas de medicamentos.

PERFIL

António Portela é licenciado em Economia, pela faculdade de Economia da Universidade do Porto e possui um MBA Executivo da Porto Business School. Iniciou a sua actividade profissional na farmacêutica Roche, no Reino Unido, onde foi delegado de informação médica. Nesta empresa, desempenhou também as funções de analista de mercado para as unidades de negócio de oncologia e hematologia. Foi igualmente responsável pela Roche European Business Platform e, ainda na Roche no Reino Unido, foi gestor de produtos da Hepatite C. Integrou a equipa da BIAL em 2004. Em Janeiro de 2011, António Portela assume funções de CEO da BIAL, marcando a chegada da quarta geração da família à frente do considerado maior grupo farmacêutico português, fundado em 1924 pelo seu bisavô, Álvaro Portela.