ÁLVARO MACIEIRA

“Vender um quadro não é fácil”

30 May. 2016 Marcas & Estilos

ENTREVISTA. O artista plástico Álvaro Macieira tem 35 obras expostas no Mausoléu Agostinho Neto, em Luanda, durante três semanas. Ao VE, confessa que vive apenas da arte e sugere caminhos para que os artistas “não sejam vistos como pedintes”.

Dá para viver apenas da pintura?

É difícil. Deveria haver uma lei que proteja a produção nacional das artes plásticas e dos próprios criadores, embora uma economia de mercado muitas vezes não se compadeça com isto.

Vive mesmo só da arte?

Sim. De momento vivo da arte. Ou, vou sobrevivendo… mas é possível, para quem trabalha todos os dias, e acorda muito cedo só para pintar.

Como vê o mercado das artes plásticas?

Falar do mercado é falar em dinheiro. Alguns especialistas dizem que o mercado das artes nunca esteve em crise. Mas toda a crise tem reflexos na vida. Por hipótese, um jovem que tem uma família para sustentar, uma casa por construir, crianças para cuidar por mais que goste de arte não vai pensar em engalanar a casa com pinturas. Mas pode alimentar o desejo de o vir a fazer um dia.

Quem são os seus clientes?

O BPC sempre me deu um grande apoio. Em 2003 fiz uma exposição, a ‘Terra azul’, que coincidiu com os tons do banco. A partir daí, sempre tive o grande apoio do banco. Vender um quadro não é fácil. Não é só ir à esquina e querer vender, não é assim que se faz uma obra de arte. Se considerarmos como potenciais compradores jovens de menos de 30 anos, tem de ser alguém que tem de sentir que está numa etapa da sua vida que acha que realizou alguns desejos.

Como se podem desenvolver as artes plásticas?

Qualquer edifício público que fosse projectado em território angolano deveria ter no jardim uma escultura, na entrada, por exemplo, um azulejo, no átrio, um grande painel com pintura de artistas nacionais. Nos novos projectos, se os hotéis fossem decorados com artesanato e artefactos nacionais, e também com telas pintadas por artistas angolanos, é evidente que contribuiríamos para este grande edifício que se chama Angola, porque o estrangeiro pode conhecer a alma dos angolanos, através da arte.

As novas infra estruturas têm tido em conta as artes?

Têm tido, mas muito pouco, deveria se pensar mais. Os decoradores de interiores e arquitectos também deveriam pensar nisso com seriedade na hora de conceberem as suas obras: quem pode trazer, por exemplo, uma escultura de pedra, quem pode trazer uma de mármore, que tipo de mobiliário se deve colocar nos diversos compartimentos.

Quanto gasta para pintar e como adquire a matéria-prima?

Os materiais são caros. No tempo em que a nossa moeda era estável, conseguíamos comprar materiais até 40 mil dólares. Mesmo assim com apoio para transporte. É evidente que nem todos os artistas têm a possibilidade de trabalhar com material de topo, que é todo importado. Tive o privilégio de trabalhar com um artista alemão, já falecido, em que tive acesso aos melhores materiais, mas isso não é para me vangloriar, é sorte do percurso. Mesmo trabalhando com esse artista, usávamos materiais reciclados, para mostrar que é possível reciclar por cima de materiais nobres.

E agora continua a reciclar?

Sim. Porque não? Temos de o fazer. Qualquer artista contemporâneo hoje tem tendência de trabalhar com os materiais disponíveis, como jornais, cartões, etc.

Faz muita exposição pelo estrangeiro?

Já expus muito, agora nem tanto. A primeira exposição no estrangeiro foi um convite oficial para Rússia. Já expus também em Washington com o apoio da nossa embaixada.

Que entidades deveriam investir nas artes plásticas?

A iniciativa privada é que tem de funcionar.

Há muitos artistas plásticos?

Cada vez mais e com muita qualidade. Agora é preciso acompanhar esse movimento.