“Virei estilista por um grito contra o racismo”
ENTREVISTA. Além de ser o rosto dos programas da TV Zimbo ‘Sexto Sentido’ e ‘Show da Zimbo’, é estilista de renome e directora da Academia ‘Arte e Fashion’. Natural da Lunda-Norte e licenciada em Relações Internacionais e em Recursos Humanos, conta com 26 anos de carreira. Na sua colecção, há mais de 15 troféus nacionais e internacionais.
Como surgiu a paixão pela moda?
A paixão pela moda surgiu depois de um curso de manequim feito em Portugal, nos anos 1980. Naquela época, o racismo era evidente, em que as negras não pisavam nas passarelas. Abafavam-me. Apesar da qualidade que tinha e de ter sido a melhor aluna do curso. Na Europa, não era muito favorável o tom de pele negra. Como não sou de desistir, fiz alguns desfiles. Mas, como não era aceite por causa do meu tom de pele, resolvi ser estilista. Por uma questão de revindicação social e para conseguir dar oportunidade a muitas moças negras que viviam em Portugal e que tinham potencial, mas que, por razões raciais, ninguém as deixava entrar nas passarelas. Virei estilista por uma questão de um grito contra o racismo.
E, agora, como é que Portugal vê o seu trabalho?
Vê muito bem. Desde que saí de Portugal passaram-se sete anos, cresci como estilista em todos os níveis e destaquei-me por ser negra e porque primava pela diferença, já usava mistura dos panos africanos com ocidentais.
Actualmente onde se sente mais acolhida?
Sinto-me acolhida em qualquer parte do mundo. Porque, quando não sou acolhida, faço-me acolher, faço por me aceitarem, faço o meu trabalho com profissionalismo, empenho e persistência.
Concorda que grande parte dos jovens, em Angola, passou a usar os tecidos africanos por influência dos europeus?
Sim, claro. Porque, infelizmente, nós, os africanos, somos frustrados. Como temos essa influência de não saber valorizar aquilo que é nosso, só aceitamos quando o europeu diz que é bonito. As nossas avós já se vestiam de panos, mas foram muito poucas as que conseguiram transmitir essa tradição para filhos e netos. Os africanos começaram a aceitar quando apareceram algumas artistas internacionais com vestimentas de panos africanos. Fui uma das grandes lutadoras para a mudança de mentalidade de muitos africanos, enquanto vivi na Europa.
A sua origem cokwe influencia muito as suas criações?
Sempre influenciou. Por ter sido bailarina africana, levei toda a cultura da dança cokwe para os palcos mundiais. Desde que me tornei estilista que levo também aos palcos as componentes moda e dança. Fui beber exactamente na Lunda-Norte. Os meus primeiros desfiles de moda e toda a influência que tive eram muito tribais. Todos diziam: “podes gostar muito da tua terra e cultura, se continuares nessa onda, nunca vais ganhar dinheiro, tens de juntar à parte criativa a parte económica”. Fui aconselhada a criar roupas que fossem vestíveis, embora o traço africano lá estivesse, e foi assim que comecei a mudar o meu estilo saindo daquilo que era extremamente tradicional para apostar numa linha mais clássica. E assim o ‘glamour’ permanece até hoje nas colecções da Dina Simão.
Com quase 26 anos na moda, o que mudou e o que gostava de ver melhorado?
A minha forma de encarar as coisas. Era um bocadinho bruta porque exteriorizava a raiva que tinha, de muitas vezes não aceitarem a minha cultura. Hoje amadureci. Já me posiciono de maneira diferente, consigo fazer entrevistas fazendo percursos interessantes do passado para o presente e remar para o futuro com muita tranquilidade e com os pés bem assentes na terra.
Como está a moda angolana?
Muito bem. Estou tão feliz de estar sempre entrosada com a nova geração, porque os jovens hoje fazem coisas bonitas. Aceitam a nossa cultura e inovam. É dessa juventude rica, cheia de ideias e criatividade, de que África está a precisar. Lido com esses jovens e, depois de ter cerca de 15 troféus, resolvi passar o manual para a nova geração que gosta de moda porque precisa de orientação. Criei a escola de formação de estilismo, corte e costura e ofícios ‘Artes Fashion’. Com o objectivo de colmatar as dificuldades que temos de profissionais de qualidade na moda.
Tem encontrado dificuldades?
Enquanto vivi na Europa conheci os cantinhos todos bons e baratos para se encontrar material.
A crise económica afectou de alguma forma o seu trabalho?
Não. Porque o mundo se abriu, Angola cresceu. Estamos numa casinha de portas abertas viradas para o mundo. Antes éramos um país fechado e hoje não somos mais, apesar de encontrar o material mais caro.
Como consegue conciliar ser apresentadora, estilista, formadora e ainda dona de casa?
Tudo na hora certa e no momento exacto. Quando temos planificação, conseguimos fazer as coisas, acima de tudo quando temos uma família fantástica que nos ajuda a equilibrar a vida. E, quando há este equilíbrio, consegue-se fazer muito mais. Tudo é possível quando temos alicerces bem assentes na terra.
Quais são as suas fontes de inspiração?
As harmonias das cores, as culturas africanas, utilizando para tal a mestiçagem de materiais em que os panos africanos e os seus coloridos contagiam o corpo de quem veste de forma bastante sensual e intelectual.
Que conselho deixa aos jovens que não têm vontade de correr atrás de sonhos?
Quando se sonha, corre-se atrás. Na vida, há duas coisas: quem quer fazer as coisas e quem quer arranja soluções, caminhos e as energias. Mas quem não quer arranja desculpas, dores de cabeça, falta de dinheiro. Portanto, apelo a que quem, de facto, quiser que venha ter connosco porque estamos aqui para concretizar sonhos.
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