Geralda Embaló
Directora-geral adjunta do Valor EconómicoE agora pergunto eu...
A semana que passou foi uma semana difícil para muitos presidentes... O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que já enfrentava pedidos de impeachment, foi colocado numa lista de predadores da imprensa, o ex-presidente da África do Sul Jacob Zuma foi preso, o presidente da ‘nação Benfica’ também foi preso, e menos sorte teve o presidente do Haiti, que foi assassinado em casa, segundo as autoridades, por um grupo de mercenários estrangeiros, ainda não se sabe bem a mando de que interesses... A marcar a actualidade mundial, como pano de fundo, esteve indestronável a cansativa pandemia que bem ao lado de Angola, na Namíbia, matou mais de 500 pessoas em menos de 15 dias, sendo bom lembrar que, na África do Sul, morreram já 60 mil pessoas devido à covid-19. Números que lembram, mais uma vez, que os sistemas de saúde de países mais bem posicionados que o nosso não aguentam a pressão exercida pela covid-19 e que o nosso tem de se preparar o melhor possível realisticamente... Porque, por exemplo, “Angola produzir vacinas”, como foi sugerido pelo Governo, emocionado com uma cimeira lá fora, um país que, como li algures, “não consegue produzir iogurte em condições”, é duvidoso e perigoso. Coisa das mesmas cabeças que entendem que o metro é solução atempada para uma cidade capital a rebentar pelas costuras, sem saneamento e sem capacidade de aguentar uma boa chuva. Só dessas cabeças pode sair o fabrico de vacinas com a complexidade das vacinas anti-covid-19, ainda em estudo em grande parte do mundo desenvolvido, e que mal temos a certeza de poder sequer conservar sem quebras de energia que lhes comprometam a eficácia. Essa preparação realista do sistema de saúde é instrumental porque o pior da pandemia poderá de facto ainda não ter passado apesar de o Governo ter aligeirado, esta semana, algumas das medidas que penalizavam mais a economia, como o fecho dos restaurantes aos fins-de-semana. Para além desta notícia, a nossa actualidade foi marcada pelos voos dos nossos governantes, com a nova governadora de Luanda a inaugurar o trabalho na província com um voo sobre a capital, que se compreende que prefira ver à distância, mas que será preciso ir ver bem de perto se quiser resolver seja o que for, e com o voo do PR até à província do Cunene. Voo que se conseguir mitigar a fome que por lá anda por mais de uma semana, já seria certamente um voo com resultados melhores do que os seus caríssimos, frequentes e pouco frutíferos voos para o exterior, que lhe valeram o título de ‘presidente voador’ e que, em termos de ganhos práticos para a economia, pouco produziram. Sobre a visita presidencial, vale lembrar que, em 2019, o Presidente João Lourenço voou até ao Namibe, província onde a minha mãe nasceu, foi ao Curoca, onde tenho família, ao Tômbua e testemunhou, querido leitor, a seca e a fome na região que já sofria três anos de seca. Em fevereiro de 2019, o governo provincial do Cunene já falava em calamidade, com o gado a morrer por causa dessa seca e em mais de 175 mil famílias afectadas por altura da visita de João Lourenço. Naquela altura, o administrador do Tômbua falava à imprensa, dizendo que acreditava nos resultados positivos da visita do Presidente da República, e que acreditava que o problema da seca poderia ser resolvido, aproveitando o rio Cunene... Em 2019... Postos em 2021, e juntando uma pandemia à competência especial dos nossos governantes, que foram, por exemplo, capazes de aceitar gado vindo do Chade como pagamento de divida, tendo conhecimento de que já estava moribundo para vir morrer em Angola, como o VALOR ECONÓMICO reportava recentemente, e agora pergunto eu, o que é que o Governo tem para mostrar de trabalho feito de lá para cá contra a seca? De trabalho contra a fome? A sensibilidade das pessoas que estão na região e contam o que vêem é a de que nem durante a guerra se passou tanta fome e miséria na região e no país. Pergunto-me o que sentem os governantes quando olham para as imagens das crianças de barrigas inchadas e ossos expostos que se multiplicam? Como é que as dissociam da sua actividade governativa? Será sonhando com metros, aeroportos, e satélites que os elevem até ao espaço? Serão esses voos que os impedem de pôr o pé no chão e agir e governar para as pessoas? Essas que existem agora e que têm a vida por um fio? O ‘Novo Jornal’, pela pena da excelente jornalista Teresa Fukiady, escrevia que a organização internacional Save the Children mudou a posição de Angola no ranking ‘dos piores países para se ser criança’, de 166 para 175, a capa do mesmo jornal lembrava ainda que seis em cada 10 pessoas em Angola não têm água, e o ‘Expansão’ dizia que, só no ano passado, o país perdeu 537 mil postos de trabalho formais – a tal promessa dos 500 mil empregos que devemos ter percebido ao contrário... Pergunto-me o que sente um governo, a meses do fim de mandato, com este cenário de horror nos indicadores mais importantes da vida de um país? Aumento do desemprego, aumento da inflação, aumento das doenças filhas da falta de saneamento, aumento da fome da fome das crianças? O que sentirá um presidente que, em 2019, visitou o Sul do país e constatou a fome, agora, depois de mais dois anos do seu governo e em final de mandato ao ver que essa fome só piorou? Sentirá alguma coisa além, talvez, de vontade de entrar no avião e voar para longe? Com esperança de que tantos voos se traduzam em resultados positivos – em terra – querido leitor, marcamos encontro para próxima aqui e na sua Rádio Essencial.
JLo do lado errado da história