Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico

A semana que passou foi de discurso sobre o Estado da Nação e, como era expectável, só um moroso desconversar de alto nível poderia distrair do tal estado do Estado. Sobretudo um desconversar que mascare a facilidade com que num país que vai na sexta recessão – cuja economia é refém de um desemprego galopante, que enfrenta uma seca violenta, muita fome que já não se restringe às regiões afectadas pela seca mas que se espalha por todo o país, um país que tem uma falta crónica de infra-estruturas de saneamento que desincentivam o investimento, que não fornece àgua, ou energia de forma sustentada – só um desconversar de alto nível pode tentar mascarar decisões de alocar vários milhões de dólares a supérfluos como compras de instalações para ministérios, ou apartamentos e Lexus para o sector da justiça que se quer manter manietado. E agora pergunto eu, com tanta apreensão de prédios instalações e afins, ainda é preciso comprar apartamentos e escritórios para servidores públicos? Mas o que raio se passa que o Governo anda tão dissociado da realidade depauperada do país e até do seu próprio discurso de sucesso? Se o combate à corrupção em quatro anos tem registo de sucesso, milhões apreendidos, porque não é visível o benefício para os cofres públicos que ainda é preciso nesta altura comprar instalações para servidores públicos?

Na semana que passou, foi finalmente anunciada, pela Organização Mundial de Saúde, uma vacina contra a causa número um de mortes em Angola, uma boa notícia a que a ‘TV de todos nós’ dedicou imenso tempo para nos distrair da anterior – a abjecta decisão do Tribunal Constitucional de anular o Congresso da Unita dois anos depois. É sempre um exercício curioso para quem se interessa por comunicação analisar as pequenas e grandes manipulações da máquina que tenta controlar a opinião pública... no entanto, actualidade mundial foi ainda marcada pelo anúncio do Prémio Nobel da Paz, que foi para dois jornalistas que, segundo o presidente do Comité Nobel, “são representantes da classe, num mundo em que a liberdade de imprensa – pré-condição para a democracia e para a paz duradoura, enfrenta condições cada vez mais adversas”.

Enquanto o nosso viajante em chefe continua a voar pelos ares num quase ritual migratório que recomeçou com a visita ao Kwanza-Norte, sendo que esta semana saiu dos EUA para Espanha, enquanto se entretém (e à sua entourage que se diz de várias dezenas), a receber prémios pelo seu destacado serviço, desta feita, em prol do ambiente, depois de ser condecorado (pelo seu excelente trabalho, imagino), por um presidente, entretanto, deposto num golpe de Estado, no país que devia ser a prioridade na agenda, a criminalidade parece ter soltado completamente a franga... E os nossos polícias, coitados, não têm mãos a medir, sendo que também eles têm de lutar com a cesta básica, que, apesar dos decretos e ordens administrativas, continua a evoluir na direcção diametralmente oposta à do crescimento dos salários.