Sustentabilidade da dívida, agricultura, petróleo, justiça...
ANÁLISE. Orçamento Geral do Estado para 2020 indicia enormes desafios, visto que canaliza grande parte das verbas para o pagamento da dívida e pouco ou quase nada para o investimento. Conclusão do plano de 2019 de licitação de blocos petrolíferos e o mercado cambial também constam dos principais desafios.
Olhando de forma mais sectorizada, e considerando a sua importância para a diversificação económica, a Agricultura é das áreas em que se esperam sempre grandes desafios. E o principal é o “aumento da produção”, segundo o empresário Victor Alves, salientando que este desafio só será vencido com “medidas sérias” que envolvam os pequenos produtores.
“Não são os grandes latifundiários que vão resolver o problema da produção, mas sim os pequenos, é preciso apostar-se em pequenas cooperativas com 10 e 15 hectares”, defendeu, para depois criticar algumas medidas que foram tomadas na tentativa de apoiar os pequenos agricultores como a entrega de tractores. “Para quê, se depois não têm combustível? Sabe o que acontece? Depois, vendem estes tractores a preço de pipoca para os grandes fazendeiros e são estes outra vez os que saem a ganhar”, argumenta, considerando “importante” que a banca esteja em condições de acompanhar este desafio. “Não precisamos de ter 20 ou 30 bancos, mas sim de poucos bancos que operem verdadeiramente neste sentido”.
…E a banca
Assim, passam a constar, entre os desafios, a necessidade de o sector bancário dar provas da disponibilidade e capacidade para financiar o sector privado, sobretudo os projectos no âmbito do Programa de Apoio ao Crédito (PAC), depois do saldo de 2019 que os diversos especialistas consideram “desanimadores”.
Dos oito bancos que respondem pelo programa, apenas quatro tinham financiamentos aprovados, num total de 13 projectos, em 89 solicitações registadas. Em termos monetários, foram aprovados apenas 9% (20,9 mil milhões de kwanzas) dos 229,7 mil milhões solicitados.
Os bancos comerciais contam também com o estabelecido pelas novas medidas do mercado cambial que entraram em vigor este mês. O Banco Nacional de Angola cessou a compra de divisas às petrolíferas, deixando que estas passem a comercializar directamente aos bancos. Na sequência desta decisão, o supervisor implementou medidas que obrigam aos bancos a novas estratégias e dinâmica na comercialização das divisas. Por exemplo, reduziu o limite da posição cambial dos bancos de 5% para 2,5%, assim como obriga os bancos a responderem, em cinco dias úteis, à solicitação de aquisição de divisas dos clientes.
No entanto, algumas vozes consideram que estas novas medidas cambiais vão exigir do BNA maior supervisão, visto que os bancos podem sentir-se forçados a violar algumas normas no sentido de cumprirem as novas exigências e aproveitar ao máximo a compra e venda de divisas. Alertam, inclusive, para a possibilidade de quadros bancários seniores canalizarem as divisas para o mercado informal.
Paralelamente ao desafio do mercado cambial, o BNA tem ainda o de assegurar a desvalorização da moeda a níveis que permitem o controlo da inflação, sobretudo com a introdução da nova família do kwanza prevista para o decurso do ano. Constam ainda dos desafios da banca a conclusão com sucesso do processo de Avaliação da Qualidade dos Activos, cujo primeiro balanço indica que o Banco de Poupança e Crédito e o Banco Económico são os que têm maior necessidade de aumento de capital, representando 96% do total das necessidades de recapitalização face aos requisitos mínimos regulamentares em vigor. Um cenário que, entretanto, indicia esforço financeiro por parte do Governo pela posição de accionista principal que ocupa em qualquer uma das instituições de forma directa e ou indirecta.
Crescimento económico
Para o economista Carlos Vaz, do Centro de Estudo da Universidade Católica, o grande desafio para este ano é a sustentabilidade da dívida pública. Ou seja, como pagar sem comprometer o crescimento económico. “A grande questão é esta. O Governo diz que consegue pagar a dívida este ano, eu não nego, mas o que fará para pagar sem comprometer o crescimento económico?”, questiona, para depois acrescentar que “este desafio (crescimento económico) é o segundo maior”.
O economista manifesta-se céptico, por outro lado, quanto à previsão do Governo de crescimento de 1,8% este ano, salientando não conseguir ver a fonte deste crescimento. “Nos últimos anos, o Governo sempre fez previsões de crescimento, mas normalmente acontece recessão. Se lembrar, os dados de 2019 indicavam que apenas a construção e, provavelmente, o comércio registaram crescimento. E quem é que promove o crescimento da construção são os investimentos públicos que, para este ano, quase não existirão. Portanto não consigo perspectivar a fonte deste crescimento, porque do petróleo não será”, analisa.
O economista justifica ainda o seu cepticismo com as “medidas contraccionistas” tomadas pelo Governo com o “aumento dos impostos” que diminuem o poder de compra dos agentes económicos.
Admitindo a possibilidade de se registar este crescimento, Carlos Vaz salienta que, “apesar de bom, este crescimento de 1,8% é insuficiente para reverter os anos de recessão. Precisam-se de taxas de crescimento robustas, no mínimo de 3,2%”, sustenta.
Licitação de blocos e ambiente de negócios
Um outro grande desafio para o país é a conclusão do programa de licitação dos blocos das bacias de Benguela e do Namibe. Previsto para 2019, apenas três dos 10 blocos receberam propostas. Assim, sete blocos juntam-se aos nove que estão previstos a serem licitados este ano na Estratégia Geral de Atribuição de Concessões Petrolíferas para o período 2019/2025, publicada em decreto presidencial na semana passada. A melhoria do ambiente de negócios, assim como ajustamentos na diplomacia económica, também fazem parte dos desafios elencados por diversos analistas consultados.
E os tribunais
Com o encerramento de 2019, em que a Procuradoria-Geral da República anunciou estar a reclamar mais de 4 mil milhões de dólares, nos tribunais, em nome do Estado, espera-se que novos processos de arresto de activos titulados por privados marquem os próximos 12 meses. Isabel dos Santos acabou por encerrar o ano, com o caso mais complexo, depois de ver todos os seus activos em Angola arrestados por ordem do Tribunal de Luanda, incluindo contas bancárias e participações em pelo menos nove empresas. A empresária tem-se defendido, entretanto, com comunicados e textos nas redes sociais, com o argumento de que o processo é politicamente motivado, tendo contestado os factos inscritos na sentença do Tribunal de Luanda que ditaram o arresto.
Paralelamente à disputa da titularidade de activos, prevê-se também que 2020 traga novos episódios dos processo-crime que se encontram na justiça, alguns dos quais já em julgamento, como é o ‘caso dos 500 milhões’ ou ainda o que envolve o ex-governador de Luanda, Higimo Carneiro, e o ex-director-geral do Grecima, Manuel Rabelais.
A disputa deve manter-se também no campo político, onde Adalberto Costa Júnior, o presidente da Unita, se tem destacado como crítico feroz do que ele considera um “combate selectivo à corrupção” ou na expressão que ficou célebre “uma guerra entre marimbondos’’.
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