Monopólio das AAA terá custado mais de 2,5 mil milhões USD
CASO SÃO VICENTE. Comparações a preços de referência no mercado internacional revelam diferença de 74% só nos custos de 2016 com o seguro petrolífero. Estado ainda tem por exigir esclarecimentos sobre a passagem de acções de uma subsidiária da Sonangol a entidades privadas.
O monopólio do seguro petrolífero, que as AAA detiveram durante cerca de 13 anos, terá custado ao Estado cerca de 2,5 mil milhões de dólares, de acordo com cálculos do VALOR, com base na diferença entre o custo com os seguros das AAA e o benchmark do mercado internacional.
Em 2016, por exemplo, a soma dos seguros dos blocos petrolíferos (18 no total) foi de 258.362.918, enquanto o benchmark fixava este valor em cerca de 67.898.449, um gap de cerca de 74%.
Neste ano, as AAA perderam o monopólio para um co-seguro liderado pela Ensa e o custo com o seguro do mercado petrolífero reduziu cerca de 59% para 104,8 milhões de dólares.
A Sonangol, entretanto, continuava a acreditar na possibilidade de aproximar o custo ao benchmark do mercado internacional, conforme defendia o conselho de administração numa carta enviada ao então ministro dos Petróleos, Botelho de Vasconcelos.
Na ocasião, a Sonangol informou que havia realizado uma pesquisa internacional que “permitiu identificar uma enorme disparidade entre o valor praticado pela anterior líder do co-seguro (AAA) e o valor considerado como justo pelo mercado segurador internacional”, acrescentando que existia “ainda margem para que os prémios de seguro actualmente em negociação pela Ensa sejam revistos em baixa de forma a aproximá-los do custo justo das coberturas contratadas”.
“O conselho de administração continuará assim a desenvolver todas as iniciativas ao seu alcance para assegurar, ainda durante 2017, uma redução acentuada dos prémios a pagar com vista a garantir uma alocação de recursos justa e transparente com benefício directo para o desempenho da Sonangol E.P. e, em última instância, do próprio Estado”, lê-se na carta.
De acordo com documentos consultados pelo VALOR, a Sonangol recebeu da Ensa garantias de que o seguro, em 2017, baixaria para 95 milhões de dólares face aos mais de 104 cobrados em 2016.
“Tendo em atenção os pressupostos de comparabilidade, bem como o esforço de redução de prémios ora demonstrado pelo mercado ressegurador, vimos solicitar a aprovação da nossa proposta de fixação do volume global de prémios em USD 95.377.684,00, que se afigura equilibrado para a cobertura dos riscos petrolíferos do ano de 2017”, escreveu a Ensa para a petrolífera.
O CUSTO POR BLOCOS
Olhando para os custos por projectos e ou blocos, constata-se que, com a saída das AAA, a maior poupança registou-se no projecto LNG, cerca de 91%, passando de 4.641.396 para 433.820, seguindo-se os 76% poupados no custo com os seguros no Bloco 15, que passou de 27.122.064 para 6.543.781 milhões de dólares. Já no bloco 17, o mais produtivo do país, a poupança foi de 63% com o custo a passar de 76.746.209 para 28.114.946 milhões de dólares.
“Os números correspondem, mas é preciso ter em atenção uma questão importante. Em muitos casos, conseguimos baixar não por termos feitos preços muito inferiores, mas apenas porque ajustámos os custos ao activos a assegurar. Ou seja, havia activos que continuavam segurados quando já estavam desactivados, já não deveriam estar a pagar, por exemplo”, revelou ao VALOR fonte da Ensa.
No entanto, apesar de o custo aparecer directamente aos blocos e, por isso, parecer que se trata de encargos financeiros das companhias petrolíferas, estes custos são, na prática, suportados pelo Estado como resultado dos contratos ou acordos de partilha. Através destes acordos, as companhias recuperam os custos de desenvolvimento dos projectos. Têm, por norma, direito a 50% da produção bruta para a recuperação dos custos de investimento onde estão incluídos os seguros.
E quanto custou a oferta?
Além de ter sido, eventualmente, lesado por via dos seguros, o Estado tem ainda por reclamar os valores correspondentes à passagem das AAA para a esfera privada com controlo de Carlos São Vicente.
A seguradora foi criada pela Sonangol em 2000, já com o intuito de ter o monopólio do seguro do sector petrolífero. Em 2001, Carlos São Vicente desempenhava o cargo de director de Gestão e Risco da Sonangol E.P e, como tal, respondia pelo conglomerado AAA: AAA Serviços Financeiros Lda., AAA Pensões, AAA Corretores de Seguros, AAA Seguros Lda. e AAA Serviços de Risco Lda. A Sonangol era o accionista único destas empresas.
Entretanto, seguiram-se alterações na estrutura accionista, passando São Vicente a accionista principal, desconhecendo-se os termos e valores que permitiram o negócio. Nos relatórios e contas da Sonangol, por exemplo, não constam as AAA ou São Vicente na condição de devedores, mas aparecem empresas como a China Sonangol Internacional, Esperaza Holdings B.V. ou a Genius.
“À luz da Lei do Fomento Empresarial e no âmbito do mandato governamental, a Sonangol E.P. reflecte, nas suas contas em activos não correntes, os investimentos financeiros e empréstimos concedidos às seguintes empresas: China Sonangol Internacional, Esperaza Holdings B.V, Exem Africa Limited, Genius – Gestão de participações, Lda, Force Petroleum Angola”, lê-se, por exemplo, no relatório da Sonangol de 2015.
O investimento inicial para a constituição das AAA foi de 15 milhões de dólares, de acordo com declarações de São Vicente em 2001 enquanto director de Gestão e Risco da Sonangol E.P.
“No momento, existem apenas duas seguradoras directas. AAA Seguros SARL, que somos nós, e a Ensa. Mas não se esqueça de que somos novos no ramo, com um capital inicial de 15 milhões de dólares. Para se ter uma ideia da importância do nosso capital realizado, com 12 milhões, posso constituir três bancos comerciais com um capital mínimo de apenas 4 milhões em Angola! Por se tratar de um negócio de capitalização, é preciso construir a partir disso. É preciso ter um grande capital, reservas e provisões. Essa é a vantagem financeira que permite que você gerencie e retenha riscos. Sem capitalização, não se pode construir capacidade para manter o risco”, disse em entrevista à Word Investment News. Na ocasião, referiu ainda que não se podia considerar a ENSA concorrente das AAA “no que diz respeito aos grandes riscos”. “O mercado que decide o prémio que temos de pagar pela indústria do petróleo é o resseguro internacional. Isso significa que as nossas conexões com o mercado de resseguro, os nossos serviços de corretagem no mercado de resseguro e o nosso conhecimento do mercado de risco são a chave. A Ensa é apenas um player local. Não é importante quando falamos sobre grandes riscos”.
Na altura, Manuel Vicente era o líder da Sonangol, pelo que é encarado como tendo sido determinante no processo que terminou com a passagem da empresa da petrolífera para a esfera privada.
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